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QUADRINHOS

Vencedora de 11 Emmys, Watchmen sustenta caminho de sucesso da HQ de Alan Moore

Publicado em: 22/09/2020 10:38 | Atualizado em: 22/09/2020 10:38

 

Série para TV consegue atualizar espírito dos quadrinhos originais. (Foto: Divulgação/HBO)
Série para TV consegue atualizar espírito dos quadrinhos originais. (Foto: Divulgação/HBO)

 

É possível que uma das melhores palavras pra definir a série Watchmen seja zeitgeist, tanto quando falamos nos quadrinhos de 1986, quanto minissérie de 2019. O termo alemão é usado para designar uma obra que dialoga com o espírito de seu tempo e não à toa a série para televisão da HBO captou isso tão bem, que teve uma passagem avassaladora no Emmy do último domingo: foram 26 indicações e levou quatro dos prêmios principais, incluindo Melhor Minissérie, Melhor Atriz Coadjuvante em Minissérie para Regina King e Melhor Roteiro da categoria. Quando foi lançada em 1986 nos quadrinhos escritos pelo mestre Alan Moore e desenhados por Dave Gibbons, a série foi um marco para os "quadrinhos adultos", trazendo um profundidade filosófica que parte do dilema moral da frase: Quem vigia os vigilantes? Em 2019 a obra ganhou novos contornos com a série audiovisual para tv, que relê o universo a partir de questões caras para os EUA contemporâneo como racismo, violência policial e vigilância.

 

Quando surgiu nos quadrinhos, Watchmen foi uma espécie de pontapé para o que viria ser o selo Vertigo da DC. Nela, Alan resgatou personagens mais B de uma editora menor que a DC tinha comprado, e os colocou naquele contexto de um ficção distópica. Watchmen narra aurora dos super-heróis no que seria o nosso mundo real, mas refletindo uma violência urbana, além do contexto de paranoia atômica da Guerra Fria e todo o ambiente político da época. Como a sociedade lidaria com semi-deuses? Quem os colocaria limite? São questões preponderantes para narrativa, que é imbuída de questões políticas próprias de um roteirista como Alan Moore, sempre interessado em questionar as estruturas de poder e controle como em V de Vingança e com uma pegada mais existencial em Monstro do Pantano.

 

Já na série premiadíssima da HBO, a história inédita se passa 34 anos depois da narrativa original, em que esse heróis mascarados se tornaram ilegais. Ao invés da paranóia nuclear, as disputas com um grupo supremacista branco é o mote da nova versão, que se passa em em Tulsa, Oklahoma, cidade que testemunhou um dos maiores massacres raciais da história em 1921. A série tem uma mescla de personagens novos com antigos e é protagonizada pela atriz Regina King no papel da heroína Sister Night, Yahya Abdul-Mateen II como Dr. Manhattan, Jeremy Irons como Ozymandias e Hong Chou como Lady Trieu.

 

De certa forma, a essência revolucionária e artística da série de Alan Moore consegue ser conservada na minissérie, que dá novas camadas aos personagens como explica Dandara Palankof,  tradutora e editora da revista pernambucana de quadrinhos Plaf. "Watchmen foi um dos primeiros quadrinhos de uma leva mais adulta da DComics, que vieram desembocar no selo Vertigo. Antigamente o público era muito variados, público infantil, adulto e femino e Comic Code Autority, entidade de censura dos anos 1950, matou a produção de quadrinhos não infantilizados, com a desculpa que corrompia a infância. E o gênero que mais se beneficiou disso foram os super heróis com histórias mais infantilizadas. Watchmen surge, em meio a uma 'Invasão Britânica' para trabalhar nas principais editoras, inclusive, na DC e o Alan Moore era um desses nomes", pontua.

 

 (Foto: Reprodução/Internet)
Foto: Reprodução/Internet

 

E por trás de uma grande obra existe o jeito muito clássico, quase pulp de desenhar de Dave e toda uma visão política do Alan Moore, que é conhecido pelo seu posicionamento questionar das instituições. "Isso se manifesta muito nesse mote da série, que a partir desse momento que você dá poder a um grupo e da liberdade a eles para exercer isso com lisura, como vão controlar esse grupo? Existe interesses por trás de todas essas instituições de cerceamento, que estão muito além do bem-estar da população. Isso faz parte de boa parte das ficções científicas da época", explica Dandara.

 

Já na série produzida para TV criada por Damon Lindelof, existe uma leitura preservada de uma vertigem histórica e de um caminhos cíclicos da humanidade e seu personagens. Muitos deles são uma espécie de visão espelhada dos originais.  "Eles trouxeram um espírito de que precisavam tratar dos episódios que estão mais relevantes para sociedade americana, que, naquela época era a paranóia nuclear e agora a questão racial. Além da trama em si, fizeram reflexo nos personagens: cada um evoca um anterior dos quadrinhos. Tudo é construído em paralelos com história original e apesar de ser essa imagem espalhada, ela não é um decalque, ela tem um respeito muito grande pela história original. É uma expansão, que se entende como um produto diferente, complementar como uma continuação espiritual", pontua a jornalista. Inclusive, outra "costura" da nova série é dar uma outras dimensões para personagens "polêmicos" como Rorschach e Ozymandias. Principalmente o primeiro, que gera muito debate entre a comunidade de fãs em relação ao seu significado e ética dentro da história.

 

Uma das principais tramas, envolvendo o massacre de Tulsa, é uma das formas primorosas como a série consegue inserir uma visão crítica da história e das marcas originárias de um país que resistem até hoje. "Eu acho a história, como saber mesmo, tem um lugar muito importante Watchmen, porque o intuito do quadrinho que foi ressignificado na série é pensar nas nossas chagas. Talvez um dos méritos principais da nova série é passar de Quem vigia os vigilantes? para Quem conta a nossa história? Ambas são formas de controle e poder, que se complementam", finaliza Dandara.

 

Uma das séries que marcam o bom momento da HBO é Euphoria, que tem a atriz Zendaya como protagonista. (Foto: Reprodução/HBO)
Uma das séries que marcam o bom momento da HBO é Euphoria, que tem a atriz Zendaya como protagonista. (Foto: Reprodução/HBO)

 

AS PRODUÇÕES DA HBO 

Para pensar a série também é importante localizá-la diante da produção recente da HBO, que como pontua Dandara, teve seu ponto de virada com as produções originais no final dos anos 1990 e começo dos anos 2000, principalmente com The Wire e Os Sopranos. Mesmo que já existissem produções “cinematográficas” pra TV, o canal foi responsável por uma elevação em termos financeiros e de qualidade. De uns 10 anos pra cá a emissora tem sido sucesso de assinaturas e produções originais, entre elas o sucesso de Game of Thrones, Big Little Lies, Euphoria, Westworld, Years and Years e Chernobyl.

 

 (Foto: Warner/Divulgação)
Foto: Warner/Divulgação

 

O FILME DE ZACK SNYDER

Em 2009, a Warner lançou uma adaptação de Watchmen para os cinemas, dirigida por Zack Snyder após conquistar espaço com 300, filme que também é uma adaptação dos quadrinhos de Alan Moore. O filme tem mais de 2h40min e foi bem recebido na época de lançamento, mas não agradou tanto alguns fãs justamente por se omitir de algumas questões mais críticas em relação a trama politica do material original.


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