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Racismo

DF: Homem xinga delegado de 'macaco' em lanchonete, mas é liberado após pagar fiança

Publicado em: 09/08/2020 15:14 | Atualizado em: 09/08/2020 15:24

O delegado Ricardo Vianna, da 3ª Delegacia de Polícia de Brasília, foi xingado na frente de sua filha enquanto estava em uma lanchonete. (Foto: Gustavo Moreno/CB/D.A Press.)
O delegado Ricardo Vianna, da 3ª Delegacia de Polícia de Brasília, foi xingado na frente de sua filha enquanto estava em uma lanchonete. (Foto: Gustavo Moreno/CB/D.A Press.)

"Estou muito consternado com a situação e não poderia me calar nesse momento, pelas minhas filhas, meus pais, meus irmãos e todos os que acompanham minha trajetória. Não falo como delegado, profissão que consegui com muito esforço e trabalho. Mas relato, aqui, que vivemos um racismo estrutural, que está inserido em todas as classes sociais." Esse é o desabafo do delegado Ricardo Viana, chefe da 3ª Delegacia de Polícia, no Cruzeiro, em Brasília. Ele foi vítima de racismo na noite de sexta-feira (7). O acusado, um morador do Lago Sul, de 34 anos, foi preso, mas liberado neste domingo (9) após audiência de custódia e pagamento de fiança.

Ricardo Viana tinha chegado em casa, após o trabalho, quando chamou a filha, de 15 anos, para ir a uma unidade da rede de fast food McDonald's, na QI 23 do Lago Sul. "Como a fila do drive-thru estava grande, decidimos entrar no estabelecimento. No local, nós pagamos e minha filha se sentou em uma das mesas. Para encontrá-la, tive de passar por um indivíduo, que estava no balcão, sem máscara. Apesar disso, não disse nada em relação a isso. Passei e perguntei à minha filha qual era nossa senha, momento em que esse indivíduo me empurrou, me chamou de 'macaco'", conta.

Clientes tentaram intervir em meio à confusão, mas não conseguiram. "Minha filha ficou muito consternada, e eu queria sair dali, até para poupá-la desse incidente. Pedi aos funcionários para apressarem o meu pedido, o que foi feito. E o indivíduo prosseguiu me xingando, enquanto as pessoas tentavam ajudar. Quando saía, o indivíduo me chamou novamente de 'macaco', e disse que não passasse por ele novamente, pois iria me 'pegar'", relembra. 

O delegado relata que, "naquela hora, refletiu bastante sobre o ato". "Não estava agindo como policial, mas como cidadão. Mas, foi então que me virei, identificando-me como delegado e dei ordem de prisão. Ele resistiu e conseguiu sair correndo da lanchonete. Ele foi detido posteriormente por uma equipe da Polícia Militar que prestou apoio."

O caso foi registrado na 1ª Delegacia de Polícia (Asa Sul). O morador do Lago Sul foi preso em flagrante por injúria racial, ameaça, vias de fato, injúria e porte de drogas. Em nota oficial, a franquia do McDonald's esclareceu que repudia o crime ocorrido no estabelecimento e que está à disposição para auxiliar nas investigações.

Ferida tocada
Ainda no relato, o delegado Ricardo Viana frisa que decidiu denunciar e divulgar o caso como exemplo. "Hesitei muito em gravar esse vídeo. Mas como negro, afrodescendente, filho de afrodescendentes nordestinos, sendo crescido e criado aqui no Distrito Federal, decidi informar sobre o caso. Eu convivo com o racismo estrutural desde menino, e inclusive, recebi apelidos pela minha cor. E cada vez que conseguimos algum espaço na nossa sociedade, essa ferida é tocada", diz

"Eu não poderia me calar nesse momento, em nome dos meus parentes afrodescendentes, que sofreram durante a escravidão. Estou aqui lutando pelo meu direito pela igualdade, previsto na Constituição. Eu exijo respeito, não só a mim, mas aos meus familiares e a todos os negros que ajudaram a construir a história dessa nação", frisa Ricardo.

Audiência e fiança
Ex-estudante de Engenharia Elétrica da Universidade de Brasília (UnB), o homem foi liberado em audiência de custódia na manhã deste domingo (9). O ganhou o direito de responder ao processo em liberdade provisória, com uso de tornozeleira eletrônica por 90 dias, após pagar fiança de R$ 3.135. No processo, o juiz Guilherme Marra Toledo destacou que a prisão em flagrante do suspeito "não ostenta, em princípio, qualquer ilegalidade. Assim, a despeito da gravidade e reprovabilidade dos fatos supostamente praticados pelo autuado, a manutenção de sua segregação cautelar é impossível em razão dos fatos pelos quais está sendo investigado nestes autos."

O magistrado decidiu conceder a liberdade ao acusado e não mantê-lo preso devido ao estado de calamidade pública causado pela pandemia da covid-19. "No caso dos autos, embora haja notícia de que o autuado se encontra desempregado, ele é morador de bairro nobre, o que demonstra que não pode ser, a princípio, classificado como hipossuficiente financeiro. Se o autuado não trabalha e ainda assim tem um padrão de vida de alto conforto, a presunção é que, algum renda, possui, ainda que seja por meio de doação de seus pais", salientou.

Apesar de deixar a cadeia, o juiz Guilherme Marra Toledo determinou que o morador do Lago Sul use tornozeleira eletrônica. O homem terá de comparecer na segunda-feira (10), às 13h, ao Centro Integrado de Monitoração Eletrônica (Cime) para instalar o dispositivo. O suspeito fica, então, em recolhimento domiciliar. "Entendo ser necessário no caso dos autos, porque, segundo o depoimento do condutor do flagrante, Cabo Alexandre Silva Amorim, o autuado se encontrava com hálito etílico e voz arrastada. Além disso, os fatos ocorreram durante a noite", analisou.

Portanto, durante a semana, o suspeito deverá estar em casa das 20h às 6h, sendo que fica impedido de sair aos sábados, domingos e feriados. "Limitar a liberdade do autuado durante o trâmite da persecução penal em ocasiões que podem favorecer o consumo de bebidas alcoólicas (horário noturno e finais de semana) é necessário para evitar que novas situações similares à presente voltem a ocorrer, ao menos durante a apuração dos fatos objeto deste auto de prisão", acrescentou o magistrado. 

O morador do Lago Sul ainda deve comparecer a todos os atos do processo e fica proibido de sair do Distrito Federal por mais de 30 dias, se não for autorizado pela Justiça. Ele também não pode mudar de residência antes de informar judicialmente, e deve comparecer mensalmente em juízo a partir de 7 de janeiro de 2021.
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