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Pandemia

Curados da Covid-19 no Recife relatam experiências e ressaltam importância do isolamento

Publicado em: 25/05/2020 17:00 | Atualizado em: 25/05/2020 23:39

João Manoel dos Santos Júnior, de Prazeres, e Tânia Maria da Silva, do Alto do Pascoal, em Água Fria. (Foto: Divulgação)
João Manoel dos Santos Júnior, de Prazeres, e Tânia Maria da Silva, do Alto do Pascoal, em Água Fria. (Foto: Divulgação)

Mais de 8 mil pernambucanos estão oficialmente curados da Covid-19, de acordo com os dados mais recentes da Secretaria de Saúde do Estado. São pessoas que tiveram que lidar com o medo de uma piora no quadro clínico, com a solidão em hospitais, mas que agora são exemplos de esperança para aqueles que enfrentam o problema. O Diario de Pernambuco conversou com alguns ex-pacientes, curados nos hospitais do Recife, para conhecer um pouco mais o que passa pela cabeça de quem esteve em uma enfermaria ou UTI dedicada ao tratamento do novo coronavírus. Os depoimentos reforçam a urgência dos cuidados contra o risco de infecção, sobretudo o isolamento social. No total, Pernambuco contabiliza 28.366 casos da Covid-19, sendo 12.611 graves e 15.755 leves.



"Acho que Deus me colocou e permitiu que eu estivesse lá dentro para que eu visse a realidade. Porque eu não acreditava nessa doença. Eu achava assim que era uma invenção, uma gripe, o povo estava morrendo eles diziam que era o coronavírus. Mas eu assisti e vi a realidade lá dentro”, diz Elivânia Maria Barbosa, 48 anos, curada da Covid-19 após cinco dias internada na UTI do Hospital Provisório III, na Imbiribeira, com mais uma semana na enfermaria. Ela foi socorrida por um vizinho e, por ser cardíaca, foi direto para o oxigênio, sendo posteriormente transferida a uma das sete unidades temporárias erguidas pela Prefeitura do Recife.

"Fui muito bem atendida, só tenho a agradecer aos médicos e enfermeiras. Mas foi muito difícil", admite. A pouco dias de completar a quarentena estabelecida pela equipe médica, ela reforça o discurso sobre a importância dos cuidados, principalmente o isolamento social. "Essa doença está matando. É muito perigosa. Todo mundo se cuide, porque muita gente não está se cuidando. O povo não usa máscara, tem gente que sai na rua ainda sem máscara, não se cuida. Então eu quero dizer a todo mundo que se cuide. Porque essa doença mata mesmo. Eu escapei por um milagre de Deus", conta dona Elivânia, que mora com um filhos e a neta de 15 anos.

Elivânia Maria Barbosa, com filhos e netos. (Foto: Divulgação)
Elivânia Maria Barbosa, com filhos e netos. (Foto: Divulgação)

João Manoel dos Santos Júnior, 31 anos, sentiu uma dor de garganta que logo gerou febre e em poucos dias evoluiu para uma falta de ar sufocante. Depois de tentar atendimento em duas unidades de saúde, acabou indo para a UPA dos Torrões. "Quando cheguei, já me levaram de maca direto para o respirador", diz o morador de Prazeres, funcionário de um armazém de construção. Ele passou quatro dias internado e em seguida o transporte de ambulância até o Hospital Provisório II, nos Coelhos. Foram três dias na UTI e outros três dias na enfermaria.

"Você tá ali naquela situação, vê na televisão que está morrendo muita gente e sabe que tem coronavírus, não vai ter mais volta. Ficar isolado é a pior coisa", rememora. Após ter alta médica, João pode retomar a convivência com a esposa e o filho de 8 anos, além do emprego no armazém. Foi quando ele também percebeu a falta de cuidado de muitas pessoas de Prazeres. "Tá complicado. Eu vejo aí na rua o pessoal sem máscara. Isso é covardia. Enquanto isso, os médicos estão aí, sofrendo pra salvar vidas e o pessoal ao léu, sem máscara, sem querer se cuidar. Quando cai doente, vai chamar por Deus, né? É complicado", dispara.

Ele reconhece que muitas pessoas precisam sair de casa, mas que as medidas para evitar a infecção pelo coronavírus são extremamente importantes. "Essa doença não é brincadeira, não. Não é uma virose ou, como o presidente falou, uma gripinha. Fique em casa, pelo amor de Deus. Se precisar ir numa venda, vá. Mas chegue em casa e tome banho, use álcool. Não fique na rua, não. Passou por mim e eu não quero que passe pela família de vocês", pede. "Vi muita gente se agravando, também muita gente saindo. Vi muita gente indo a óbito. Isso assusta, porque eu ficava pensando: 'E se fosse eu ali?'"

Sandra Helena Soares de Castro, 40 anos, chefe da Enfermagem do Hospital de Pediatria Helena Moura (Foto: Divulgação)
Sandra Helena Soares de Castro, 40 anos, chefe da Enfermagem do Hospital de Pediatria Helena Moura (Foto: Divulgação)

Apesar da existência da falta de informação ou do desdém, o coronavírus também está presente na vida daqueles que conhecem os problemas e as medidas de segurança. Foi assim com Sandra Helena Soares de Castro, 40 anos, chefe da Enfermagem do Hospital de Pediatria Helena Moura. Tudo começou com o que parecia ser mais uma virose, com tosse, dor de garganta e dor no corpo. A equipe médica do hospital decidiu afastá-la das funções. Nos dias seguintes, o quadro se agravou com a chegada de uma febre e da falta de ar. "Foi muito assustador. Até porque é uma doença nova que a gente está lidando, uma doença solitária. Porque a gente fica sozinho, somente o paciente e a equipe. Vi muita gente se agravando”, conta Sandra, que foi encaminhada à Policlínica Amaury Coutinho, na Campina do Barreto.

"Eu vivi os dois lados e pra mim foi um momento em que eu pude amadurecer muito. Porque eu pude entender como paciente e pude ver a atuação dos profissionais. Então isso pra mim foi essencial, primordial, pra eu entender e olhar o coronavírus com outros olhos", conta a profissional da saúde, ao voltar para casa. "Que as pessoas tenham consciência, né? Não é brincadeira, cada vez está aumentando mais os casos. Que as pessoas fiquem em casa, que obedeçam. Porque só sabe quem passou".

Moradora do Alto do Pascoal, em Água Fria, Tânia Maria da Silva, copeira do Núcleo de Apoio à Criança com Câncer (NAC), foi internada na enfermaria Hospital Provisório I, instalado na Rua da Aurora. “Eu pensava todo dia nos meus seis filhos, principalmente em deixar minhas filhas pequenas”, desabafa. “Lá no Aurora, mesmo tossindo muito, eu ficava cantando, louvando a Deus. Até as enfermeiras ficaram espantadas. Os profissionais são guerreiros. Os médicos e enfermeiros" Já de alta, veio mais uma dificuldade. A mãe, Sônia, de 68 anos, também foi atingida pelo coronavírus e precisou ser internada. Foram três semanas de espera até a alta.

No Alto do Pascoal, em meio ao emaranhado de ruelas, córregos e ladeiras, a proximidade das moradias surge como um dificultador para quem opta pelo isolamento social. Muita gente circula sem usar máscaras, alguns até brincam com o perigo. "Eu só posso dizer que as pessoas tenham consciência, né? Não é brincadeira. Que as pessoas fiquem em casa, que obedeçam. Porque só sabe quem passou".
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