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Comunidades pesqueiras sofrem duplas consequências em menos de um ano

Publicado em: 26/05/2020 08:00 | Atualizado em: 25/05/2020 20:06

A queda das vendas já chegou a 90% em algumas regiões (Foto: Conselho Pastoral da Pesca / Divulgação)
A queda das vendas já chegou a 90% em algumas regiões (Foto: Conselho Pastoral da Pesca / Divulgação)
Em agosto do ano passado, manchas de óleo começaram a aparecer nas praias do Nordeste. Em outubro, o que já se sabia ser petróleo cru chegou às águas pernambucanas carregando consigo um período difícil para toda a cadeia do turismo local. Dentre eles, os pescadores artesanais. Alguns meses depois, quando as lembranças e o receio dos frequentadores começaram a se diluir, veio a pandemia da Covid-19, o isolamento social e o fechamento dos principais estabelecimentos para onde estes profissionais direcionavam sua produção. Atualmente, a comercialização do pescado proveniente da pesca artesanal está praticamente paralisada e a queda das vendas já chegou a 90%.

Esta redução ocorreu principalmente em municípios como Itapissuma e Itamaracá. Situação similar acontece no litoral sul. O professor titular de sociologia da UFPE, Cristiano Ramalho, acompanha estes cenários e afirma que os impactos causados pela pandemia não podem ser dissociados aos anteriores. Em outubro, a queda nas vendas chegou a 80% e 100%, especificamente de produtos como mariscos, sururus e ostras. “Esta economia começou a reagir entre meados de janeiro a início de março devido ao próprio período de verão, quando este comércio se aquece. Justamente um período em que a pandemia chegou pegando comunidades fragilizadas a partir destes passivos sociais, ambientais e econômicos, trazendo um novo recuo de vendas e agravamento nas suas condições de vida. O que se tem, portanto, é o colapso”, afirma.

O professor conta que no dia 28 de março, 15 laboratórios de pesquisas da UFPE lançaram nota publica com propostas para o governo. Dentre elas, utilização do Fundo de Compensação Ambiental para socorrer estas populações. O Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais também cobra das autoridades ações emergenciais e concretas de assistência. O educador social do Conselho Pastoral dos Pescadores – Regional Nordeste, Severino Santos, conta que o grupo entregou uma carta ao Consórcio Nordeste, depois encaminhada aos estados, onde solicitam a inclusão da categoria no Programa Estadual de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PEAAF) e melhoria nas unidades de beneficiamento financiadas pelo estado em locais como Itapissuma e Tejucupapo, que não atendem às exigências das vigilâncias sanitárias estadual e nacional.  

Por meio de nota, a Secretaria de Desenvolvimento Agrário afirmou que a pesca artesanal já está inclusa no PEAAF, que garantirá que pelo menos 30% das compras institucionais do Estado tenham como origem a agricultura familiar, pesca artesanal, comunidades tradicionais e beneficiários da reforma agrária. “O PEAAF tem a finalidade de garantir a aquisição direta e indireta de produtos agropecuários, extrativistas e resultantes da atividade pesqueira, in natura e beneficiados, produzidos por agricultores familiares, pescadores artesanais, povos e comunidades tradicionais e pelos beneficiários da reforma agrária, ou suas organizações econômicas e sociais, que se enquadrem nas disposições na Lei Federal nº 11.326, de 24 de julho de 2006”, lê-se, textualmente.

A secretária executiva Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Pernambuco, Inamara Melo, conta que o Fundo de Compensação foi objeto de projeto de lei nº 16862, de autoria da Secretaria e da CPRH, que disponibilizou cerca de 196 milhões para ações de emergência de enfrentamento à Covid-19, a serem utilizados até 31 dezembro 2022. Os recursos atendem diversas áreas (saúde, segurança, questões sanitárias, despesas diversas) na qual os pescadores estão inclusos. Ela conta ainda que, hoje, haverá uma reunião virtual, às 17h, com todos os secretários do Nordeste responsáveis pela política de pesca dos seus estados, a fim de discutir caminhos a serem trilhados, em comum. Um dos assuntos a serem tratados é, justamente, a melhoria nas unidades de beneficiamento.

Inamara conta, ainda, que logo após o problema do óleo, a secretaria realizou o cadastro dos pescadores situados nas cidades atingidas e que o documento serviu de guia para distribuição de cestas e kits de alimentos do programa Compra Local. Foram cerca de 12.113 cadastrados. “Estamos articulados, porque sabemos da necessidade de apoio a este setor produtivo bastante fragilizado. O governo tem buscado dar a assistência dentro das nossas possibilidades, inclusive junto ao congresso, usando de todos os meios para isto”, afirma. No dia 8 de maio, pescadores e marisqueiras dos municípios de Sirinhaém, São José da Coroa Grande, Cabo de Santo Agostinho e Goiana começaram a receber o primeiro lote de cinco mil kits nutricionais do programa Compra Local, lançado em 14 de abril e que investirá R$ 1 milhão na compra das mercadorias. Foram distribuídos, no total, 20 mil kits até o final da semana passada.

Situação de venda dos pescados e dos municípios

De acordo com o educador social Severino Santos, mesmo um município como Itapissuma, que não possui um turismo tão pulsante, possui cerca de 70% do seu comércio voltado para a pesca que atende a este segmento.  Joana Rodrigues Mousinho, 64, presidente da colônia de pescadores do local, relata a dificuldade das vendas.  “Ainda é possível vender o peixe seco, muito utilizado como aperitivo, mas outras coisas não. O filé de siri, por exemplo, que vendo, só ando pescando para consumo próprio. Eu sou aposentada pela pesca, então, estou conseguindo sobreviver, mas quem não é? Muitas mulheres vivem da venda de caldinho ou caldeirada na praia. Um dia desses, recebemos 350 cestas de empresários, mas tivemos que escolher para quem doar de acordo com quem tinha mais necessidades ou filhos. Ninguém estava preparado para esta queda, este impacto tão grande. Está difícil demais”, relata.

A marisqueira Arlene Maria da Costa, 42, de barra de Sirinhaém, conta uma história semelhante a de Joana. “Não estamos conseguindo vender os pescados, principalmente marisqueiras. Hoje, as vendas não são nem 30% em relação ao habitual. Muitos ainda pescam, mas apenas para comer. O dinheiro do auxílio emergencial chegou para uns e não para outros. Quem ainda tem como armazenar o pescado, que está abundante, consegue estocar. Muitos, entretanto, só têm uma geladeira pequena que mal cabe um pedaço de carne e uma galinha”, revela.

Em Tamandaré, quando não há movimentação de veranista, boa parte do comércio chega a fechar. Neste município, entretanto, alguns pescadores incluíram, desde o final de março, as ofertas dos seus produtos nas redes sociais. Severino Ramos dos Santos, presidente da Colônia dos Pescadores Z 05, conta que a divulgação vem atraindo compradores até da capital. Desta forma, conseguiram driblar a queda de até 70% nas revendas. “Na colônia, temos aproximadamente 300 pessoas. Não está 100% bom, mas não estamos em desespero”, conta.

 
Em locais do litoral norte, como Goiana, o quilo do marisco que variava de R$ 15 a R$ 20 reais, em alta estação, está sendo vendido para o atravessador por R$ 10. Severino Santos cita, ainda, a queda dos preços em outro tipo de peixe como o camurim que caiu de R$ 22 para R$ 18. “Em Rio Formoso, não há presença do turismo e a produção é vendida na rua ou feiras livres das regiões de Palmares, Barreiros. Houve redução no primeiro momento de restrição. Pelo mesmo motivo, caiu 100% em São José da Coroa Grande. Em ambos os locais, o comércio está se reestabelecendo, mas com preços muito mais baixos”, revela.

Severino destaca, ainda, a questão do Sertão do estado onde todo o comércio é praticamente para a feira livre e que depende de atravessadores. “Petrolândia, por exemplo, considerada polo de pesca (artesanal e piscicultura) sofre desde o ano passado com o fechamento do mercado municipal e da dificuldade de transporte”, relata.

 
*Em todo o Nordeste, cerca de 500 mil pescadores artesanais produzem mais de 70% do pescado da região.

*São cerca de vinte e cinco vezes mais trabalhadores do que a pesca industrial no Brasil.  Ao todo, mais de um milhão de pescadores credenciados no Registro Geral de Atividade Pesqueira (RGP).

*De acordo com cadastro realizado pelas comunidades pesqueiras, associações e colônias de pescadores, em 2019, o número de pescadores artesanais no litoral pernambucano é de mais de 11 mil. Na Zona da Mata, Agreste e Serão são aproximadamente 5 mil pescadores artesanais.

 


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