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Pandemia

Favelas tomam iniciativa para melhorar o combate à Covid-19

Publicado em: 06/04/2020 16:20 | Atualizado em: 06/04/2020 19:22

Faixas informativas foram colocadas no Alto Três Carneiros (Foto: Leandro Santana/DP)
Faixas informativas foram colocadas no Alto Três Carneiros (Foto: Leandro Santana/DP)
Nunca subestime uma favela. Em territórios historicamente negligenciados pelo poder público, esperar de braços cruzados não há de ser regra entre seus habitantes. No Alto Três Carneiros, no Ibura, e no Coque, ambos no Recife, iniciativas de organizações políticas das próprias localidades têm buscado falar a mesma língua dos moradores. Assim, chegam mais junto das pessoas no enfrentamento da Covid-19.

Se o carro de som com as mensagem úteis sobre a doença não entra nas vielas apertadas, a moto pode chegar. Atende a quem está confinado nos pontos mais inacessíveis e fala de forma didática com aqueles que não sabem ou não têm mais condições de ler dicas contidas nos panfletos oficiais.

Para Anna Karla Pereira, 35 anos, co-fundadora da Frente Favela Brasil, uma organização política com atuação no Coque e Ibura, a informação é um dos maiores desafios dentro da comunidade.  “O poder público não se comunica de forma bacana. O folder da prefeitura, por exemplo, é cheio de informação, não é atrativo, e somente chegou na associação porque pedimos. Entendemos a necessidade da oralidade para comunicar melhor. Por isso gravamos um áudio explicando sobre o contágio para circular em moto pelas comunidades.”

Nas duas comunidades, as faixas com a mensagem “Atenção, lave as mãos frequentemente com água e sabão. Evite aglomeração. Proteja sua família do coronavírus” também foram providenciadas em pontos estratégicos para avisar dos cuidados principais a serem tomados pelos moradores em meio à pandemia.

Como a água é produto escasso e o álcool em gel não é acessível aos mais pobres, a orientação é dividir a água com quem tem menos ainda. No Alto, a Rua 14, por exemplo, chega a passar onze dias sem o líquido nas torneiras.

Karla e Levi integram a organização política Frente Favela Brasil (Foto: Leandro de Santana/DP)
Karla e Levi integram a organização política Frente Favela Brasil (Foto: Leandro de Santana/DP)

“Fazemos o controle social junto aos governos porque sabemos que é obrigação deles a aplicação de políticas públicas, mas não ficamos esperando que o estado faça tudo porque sabemos o quanto somos negligenciados historicamente. Eles poderiam fazer o que a gente está fazendo e dialogar com as organizações, mas isso não tem acontecido. Isso porque não temos representação nossa nos espaços de poder”, pontua Anna Karla.

Na Associação dos Moradores do Alto Três Carneiros, cestas básicas obtidas com doações são organizadas junto com produtos de higiene e limpeza para doação aos mais pobres. O material é entregue em horários marcados para evitar aglomeração. Uma doação de detergente e sabonete líquido possibilitou a diluição e consequente multiplicação do produto para atender a ainda mais pessoas.

Renata Silva, 24, vive com o companheiro, um servente de pedreiro, e o filho de três anos. Sem renda, contam com a ajuda da mãe dela. “Trabalho como auxiliar de condução escolar, mas agora tô parada. Como tenho um depósito de 500 litros de água, não sofro com a falta do produto, mas ajudo minha cunhada que mora perto de mim e não têm água. Aqui o pessoal ainda não leva a doença a sério. Continua nas ruas. Tenho medo pelo meu filho. Porque não vou poder ficar na porta da hospital.”

A Favela Brasil também deseja replicar nas comunidades ações de higienização feitas em outras favelas do país. Na frente da Associação de Três Carneiros, por exemplo, passa um corrimão margeando a escadaria. Vários idosos se apoiam na estrutura porque têm dificuldades para caminhar nos degraus. O problema é que o corrimão pode carregar o vírus e muitos podem se contaminar ao tocá-lo.

“O terceiro setor vive sendo atacado pelo governo, mas, mais uma vez, as pessoas atuam em movimentos porque já compreenderam há muito tempo a necessidade de se articular pela sobrevivência. Isso já é realidade nas favelas antes do coronavírus”, critica Karla. As ações da Favela Brasil são articuladas com outras organizações, como o Gris Espaço Solidário e Coletivo Caranguejo Tabaiares. “Se lá eles têm produtos sobrando, passam para nós e a gente faz o mesmo quando temos mais”, explica Karla.

A cada passagem da moto com as mensagens de cuidados, o volume de pessoas nas ruas costuma reduzir. No entendimento de Karla, não se trata de simplesmente classificar os mais pobres como desobedientes às regras de isolamento social. “Se a pessoa precisa sair todo dia porque o patrão não liberou  a doméstica, e ela ainda precisa enfrentar o transporte público lotado e o presidente fala contra o isolamento, como ela vai entender que precisa ficar em casa no sábado e domingo? As informações precisam se encontrar para fazer sentido.”

O aposentado Severino Ramos, 87, já entendeu o recado. Deixou de frequentar a praça perto de casa para permanecer em isolamento. “Tenho medo porque não sei de onde vem. Um velho não aguenta o sufoco da doença”, diz.

A Favela Brasil e outras organizações preparam uma carta aberta ao governo do estado pedindo ações urgentes nas favelas, como entrega de cestas básicas e kits de limpeza. Um outro pedido é relativo à confecção de máscaras por parte de moradores do polo de confecção do estado para posterior distribuição nas comunidades.Quem quiser colaborar com a Favela Brasil, pode falar com Anna Karla através do número 9878.90790.

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