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Documentários produzidos por recifenses promovem discussão sobre gordofobia

Publicado em: 02/04/2020 14:50 | Atualizado em: 02/04/2020 15:04

 (Fotos: Ivson Santo/Divulgação e Bárbara Galvão/Divulgação)
Fotos: Ivson Santo/Divulgação e Bárbara Galvão/Divulgação

A roupa que não serve, o espaço que não comporta e os olhares que não descansam de avaliar cada dobra formada nos corpos alheios. A rotina de muitas pessoas gordas é sobre sair de casa sem saber se vai caber em um determinado lugar. É também sobre os olhares que se voltam para o tamanho do prato servido no self-service. É sobre uma vida à espera do emagrecer. Para quem vê de fora, esse corpo não-padrão é piada, descuido e incômodo, alvo de um preconceito quase invisível que permeia a negligência. “Você está assim porque quer”, “você deve comer muita besteira”, “é só se alimentar melhor”. Sob diferentes perspectivas, a discussão sobre gordofobia é levantada nos documentários (Des)Proporcional, da jornalista e graduanda em psicologia Bárbara Galvão, e Gordxs, do radialista Ivson Santo. Ambos os recifenses lançaram as obras em janeiro. Neste mês de abril, elas foram disponibilizadas no YouTube.

Sem experiência anterior em audiovisual, Bárbara Galvão se aventurou na linguagem com o intuito de produzir um material com conteúdo acessível e de fácil distribuição. (Des)Proporcional foi desenvolvido como trabalho de conclusão do curso de jornalismo da UFPE, sob orientação de Adriana Santana. A produção está disponível na página @des.proporcional.doc no Instagram, onde ela compartilha recomendações de leituras, indicação de profissionais e depoimentos pessoais sobre o processo de autoaceitação. Conciliando as faculdades de jornalismo e psicologia, Bárbara começou a se dedicar aos estudos sobre corpos quando se viu imersa em uma profunda insatisfação com a sua própria imagem. "Eu não estava conseguindo emagrecer, então comecei a procurar caminhos para me aceitar, fui atrás de pessoas que falassem que eu poderia me sentir bem com o meu corpo", conta. 


Ela imergiu em pesquisas sobre transtorno alimentar e desaguou nos estudos de corpos, conhecendo nutricionistas comportamentais, psicólogas e autoras na área. No entendimento cristão, a gula, usualmente relacionada ao corpo gordo, é um dos sete pecados capitais e, por isso, um fracasso moral, problema que se arrasta desde a Idade Média. Na contemporaneidade, desembocou em cirurgias estéticas, fármacos e dietas mirabolantes. A questão começou a ser combatida há alguns anos nos Estados Unidos através do fat studies (estudo dos gordos) e tem estimulado uma discussão global.

"Há uma sequência de motivos que nos fazem nos sentir assim e eu quero fazer por alguém o que ninguém fez por mim, principalmente por ser mulher. Existe uma pressão estética histórica que é destinada ao gênero feminino: o corpo sem defeitos destinado a agradar. E por isso eu não consegui deixar a questão de gênero de lado", explica Bárbara.

No documentário, a jornalista reúne depoimentos de sete mulheres pernambucanas, que relatam suas lutas com a aceitação de seus corpos - do preconceito ao amor próprio e ao direito de permanecer gorda. "Eu não tracei perfil para achar personagens. Fiz um post nas redes sociais e, para minha surpresa, muitas mulheres me procuraram querendo contar as suas histórias e as relações com seus corpos. E, a inda mais surpreendente, chegaram a mim mulheres com perfis totalmente diferentes: classe social, etnia, gênero e gerações. Não tem como não falar de corpo sem falar de outras perspectivas”, explica.




Bárbara e Ivson foram motivados a desenvolver os trabalhos audiovisuais a partir de experiências com os próprios corpos. (Fotos: Divulgação)
Bárbara e Ivson foram motivados a desenvolver os trabalhos audiovisuais a partir de experiências com os próprios corpos. (Fotos: Divulgação)


LGBT+
Buscando essa interseccionalidade, o documentário Gordxs, de Ivson Santo, fala sobre as vivências relacionadas aos corpos e às sexualidades de quatro jovens pernambucanos, que relatam os desafios de ser LGBT em um corpo visto pela sociedade como não sendo o ideal. O doc, resultado do trabalho de conclusão de curso de rádio, TV e internet, com orientação de Mannuela Costa, recebeu o prêmio de melhor filme pelo júri popular no Recifest de 2019.

"O documentário tenta combater a visão determinista de que corpos gordos são doentes, amplamente corroborada por programas televisivos que mostram perda de peso como única forma de alcançar a beleza. Ao mesmo tempo, discute como esses padrões se refletem nos relacionamentos de pessoas gordas LGBT ", explica o diretor. A produção está disponível em gordxs.com.br. A narrativa construída de Gordxs foi desenvolvida a partir das experiências individuais de Ivson. "Quando comecei na universidade, estava bem magro, e, como tenho compulsão alimentar, o estresse me fez comer muito. Eu sabia que o resultado seria engordar e não tinha problemas com isso, mas comecei a reparar que muitas pessoas ao meu redor passaram a se incomodar”, lembra. 

Inspirado pelo documentário Gorda, da digital influencer Luiza Junqueira, a obra de Ivson destaca a importância do ativismo gordo no Brasil, valorizando os laços entre as minorias. “As entrevistas foram praticamente sessões de terapia para falar de uma dor invisível”, conta. Apostando em uma linguagem estética marcante, o documentário é permeado por uma paleta de candy colors bem marcada, mantendo um fundo neutro. Há ainda um videoclipe com perfomances embaixo d’água encenadas pela drag Mei Jinlian. "Para deixar você atento sem que chame atenção, o filme fala das dores e sobre não querer mais se esconder dentro de seu próprio corpo", destaca Ivson.


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