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EDUCAÇÃO FINANCEIRA

Educação financeira: obrigatória nas escolas e essencial para a vida

Publicado em: 23/02/2020 07:00

Júlio Schoeneman estuda o tema desde 2017 e já modificou atitudes em casa e na escola. (Foto: Bruna Costa / Esp.DP Foto)
Júlio Schoeneman estuda o tema desde 2017 e já modificou atitudes em casa e na escola. (Foto: Bruna Costa / Esp.DP Foto)
De acordo com pesquisa da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), 65% dos brasileiros estão endividados. Na opinião de especialistas no assunto, para boa parte dos inseridos neste percentual, a questão está mais associada à falta de educação financeira do que, propriamente, à escassez de recursos. Um problema que pode atingir um número menor de pessoas nas próximas gerações. Afinal, desde o início deste ano letivo, todas as escolas brasileiras precisaram estar 100% adaptadas às novas normas da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que obriga a inserção da educação financeira nas instituições de ensino a partir do fundamental I, ou seja, dos 6 a 10 anos.

Para especialistas no assunto, esta tentativa de solucionar os crescentes endividamento e inadimplência deve trazer resultados. Afinal, especialistas afirmam que a partir dos quatro anos já há este discernimento para absorver os conteúdos. Atualmente, cerca de 800 escolas com 300 mil crianças e jovens de todo o Brasil passam pelo processo, utilizando o Programa DSOP Educação Financeira nas Escolas. O DSOP existe há 11 anos atuando há seis em 21 escolas públicas e 60 particulares de Pernambuco. Ao contrário do que pode parecer, a princípio, sua metodologia quase não se utiliza de números, segundo Carolina Buarque, educadora e terapeuta financeira formada na DSOP São Paulo. “Trata-se, afinal, de uma ciência humana, que cria um comportamento sustentável com o objetivo de gerar, a longo prazo, uma geração sustentável financeiramente. Nosso objetivo é falar sobre orçamento, poupança e sonhos. Não é só dinheiro, é tudo em volta dele e que perpassa alguns campos como empreendedorismo, família, diversidade dos valores (o que é supérfluo ou não), riqueza e pobreza, autonomia e cidadania”, explica. Carolina detalha, ainda, que o objetivo do programa é construir um novo modelo mental na criança, para que ela lide com o dinheiro visando realizar sonhos, embora se deixe bem claro, também, que há aqueles que ele não compra. “Pode-se conviver com o consumismo sem ser consumista. Pode-se identificar o que é necessidade ou desejo, sempre priorizando sonhos, que devem ser “blindados” porque haverá verba necessária para isso”, ressalta. Pais e professores também são capacitados com cursos online gratuitos. Até para que os professores não encarem a nova demanda apenas como um trabalho adicional.

O economista Edgard Leonardo, mestre em Administração pela UFPE, consultor e palestrante, ratifica a importância da educação nos primeiros anos de escola e afirma que se trata de uma questão comportamental. “Há cerca de 10 anos proferi uma palestra que teve uma repercussão incrível entre pessoas com formação e bom nível de renda e sobre quem achei que não pesariam estas questões. Na minha geração, entretanto, a maioria das pessoas não foi instruída na infância a respeito”, afirma. Edgard destaca, ainda, a necessidade da mobilização conjunta, em família, sobre o assunto. “Na nossa sociedade machista, muitas vezes o pai, provedor, passa por dificuldades mas não compartilha isto para não se sentir diminuído. A criança, e principalmente o jovem, entretanto, precisa saber”, salienta. O especialista destaca, ainda, a importância do entendimento sobre consumo responsável. “Consumir é bom. Dinamiza a economia, faz com que o comércio venda, reponha estoque e haja a necessidade de pessoas para atender e trabalhar na logística. Mais emprego, portanto. Muitos, entretanto, não sabem lidar com crédito, cheque especial, financiamento e querem antecipar consumo. Esta ciranda leva à desestabilização. É importante entender, também, que o problema advindo do consumismo exacerbado pode ser, inclusive, familiar. Questões financeiras costumam estar entre as primeiras causas de divórcio, por exemplo”, detalha. Sobre a inserção do tema em sala de aula, Edgard destaca a necessidade de fazer com que ela transite em várias disciplinas. “Se eu tivesse a oportunidade de dar uma dica a meus colegas professores é que não se apegassem a uma aula de matemática com informações sobre juros, porcentagens, cálculo de descontos. É importante que se torne algo transversal”, sugere.

Mudanças na rotina diária de pais e filhos educados financeiramente

Mesmo sem a obrigatoriedade, algumas escolas já lecionam a disciplina há alguns anos. Pais ou responsáveis já começam a perceber, portanto, posturas diferenciadas das crianças na utilização da verba familiar, além de modificação na própria rotina. A arquiteta Silvana Farias, por exemplo, conta que a filha Isis Farias, 9 anos, atualmente no quarto ano escolar, já aprende sobre o tema há três anos. Foi, portanto, um processo natural de entendimento do assunto. “Ela já desenvolve conhecimento sobre custos e valores, que vai utilizar para toda a vida. Sempre achei, também, que a melhor forma de aprender matemática é relacionar os problemas com dinheiro”, afirma. Isis corrobora as palavras da mãe afirmando que já aprendeu a economizar, fazer cofrinho e que, em casa, pratica ações como desligar a luz ao sair dos cômodos, não acionar o ar-condicionado para dormir à tarde, além de entender melhor quando não pode ganhar algo. Já tem poder de escolha, entretanto, sobre suas poupanças e sonhos. “Economizo minha mesada para comprar maquiagem e, no futuro, quero ter um sítio”, revela.

Júlio Schoeneman, também de nove anos, tem vários pontos em comum com Isis. No quinto ano escolar, estuda o tema desde 2017. “Economizo a água na hora do banho e a energia ao apagar a luz e abrir as janelas. Além disso, cuido dos meus brinquedos para não quebrar ou perder”, conta. A mãe de Júlio, a também arquiteta Soraya Schoeneman, acredita que as noções aprendidas por Júlio auxiliam a família no dia a dia e preparam as crianças para lidar com o dinheiro de forma mais madura. “Júlio tem hábitos como fechar a geladeira quando não está a utilizando, andar a pé e fazer pesquisas de preço antes de comprar”, conta. O menino acredita que a economia traz uma série de benefícios. “Aprendi que você deve economizar dinheiro gastando menos e comprando coisas mais baratas, além de juntar para ter brinquedos, roupas, livros. Assim, no futuro, posso realizar meus sonhos e comprar algum brinquedo que minha mãe diz que é caro. Além disso, ajudo meus pais a poupar”, conclui.

REFLEXOS DA EDUCAÇÃO FINANCEIRA NAS ESCOLAS

Instituto de Economia da UNICAMP, por seu Núcleo de Economia Industrial e da Tecnologia (NEIT), o Instituto Axxus e a Associação Brasileira de Educadores Financeiros (Abefin) realizaram a 1ª Pesquisa de Educação Financeira nas Escolas.

A pesquisa foi realizada com 750 pais/responsáveis de crianças de 4 a 12 anos estudantes em escolas adotantes e não adotantes de programas de educação financeira de cinco capitais brasileiras -Recife, São Paulo, Rio de Janeiro, Goiânia e Vitória. Dos entrevistados: 81% mães, 11% pais e 8% educadores. 51% de alunos do sexo feminino e 49% do sexo masculino.

Resultados:

* 71% dos alunos que têm aulas sobre o tema nas escolas ajudam os pais a fazerem compras conscientes.

*93% das pessoas nunca aprenderam na escola nem em casa a administrar o próprio dinheiro. 

*78% das pessoas acham que educação financeira trata-se de uma ciência exata, quando é humana.

*Em uma escola com educação financeira em sua grade curricular, 100% dos alunos apresentaram mudança comportamental em relação ao uso do dinheiro. 

*94% dos pais são apresentados à educação financeira por meio dos filhos que frequentam escolas onde são oferecidos programas sobre o tema. 

*Sete em cada dez crianças com educação financeira reagem bem em frente a um revés financeiro.

*100% das escolas sem educação financeira nunca tiveram eventos sobre o tema. 80% das que tem possuem eventos sobre o tema.


Comportamento dos filhos:

Frente a uma negativa de compra:

Reagem bem/regular: 57% (Sem educação financeira); 100% (Com educação financeira).

Reagem mal: 43% (Sem educação financeira); 0% (Com educação financeira).

Reúnem-se com a família para falar sobre dinheiro:

33% (Sem educação financeira); 98% (Com educação financeira).

Filhos sabem da situação financeira da família:

6% (Sem educação financeira); 67% (Com educação financeira)

Filhos que poupam ou gastam parcialmente em coisas que valorizam:

18% (Sem educação financeira); 100% (Com educação financeira).
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