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Avenida Guararapes resiste com suas floristas, livreiros e sapateiros

Publicado em: 18/11/2019 07:36 | Atualizado em: 18/11/2019 14:03

Ivonete, 66 anos, é florista na Guararapes há 38 anos. (Foto: Leandro de Santana/esp.DP)
Ivonete, 66 anos, é florista na Guararapes há 38 anos. (Foto: Leandro de Santana/esp.DP)
A velha Avenida Guararapes está viva. Não por seus prédios e calçadas surrados pelo tempo e ação das pessoas. Ela resiste em relações humanas calcadas na sobrevivência. Uma legião de trabalhadores informais já não sobrevive sem cada trecho dos 226 metros da Guararapes. Mas o certo é que a via também já não seria a mesma sem algo tão singular: a tradição de seus livreiros, floristas e sapateiros/engraxates. Uma ocupação iniciada lá atrás, quando aquele trecho do bairro de Santo Antônio, no Centro do Recife, era movimentado pelos trabalhadores dos prédios da avenida ou pelos frequentadores de bares tradicionais, como o Savoy.

Ivonete dos Santos Silva, 66, a florista, tem 38 anos de ocupação da Guararapes. Perto de uma das esquinas, instalou suas flores coloridas. Na Guararapes, Ivonete alimentou amores diversos. Vez por outra, conta ela, aparecem pessoas pedindo conselhos amorosos. “Querem ajuda para fazer as pazes. Faço um buquê de rosas vermelhas, brancas e amarelas. Aí a pessoa vai embora. Garanto que dá certo. Trago o amor de volta”, brinca.

Das quatro floristas da Guararapes, Ivonete é a mais antiga. O lucro maior, conta, acontece no dia internacional da mulher e no dia das mães. Os dias dos namorados, finados, Nossa Senhora da Conceição, além de Natal e Ano Novo, também abastecem o sorriso da florista. “Uma dica para a flor durar? Só trocar a água todo dia e cortar o talo na diagonal. Dura uns cinco dias se cuidar bem.”

Antônio Sales, 77, lembra dos tempos de lucro alto com a venda de livros. (Foto: Leandro de Santana/esp.DP)
Antônio Sales, 77, lembra dos tempos de lucro alto com a venda de livros. (Foto: Leandro de Santana/esp.DP)
Ivonete trabalha perto de Antônio Sales Pereira, 77, o livreiro. Sales passa a maior parte do tempo sentado em frente à banca dele, a Tel Aviv, comprada de Melquisedec, conhecido como o maior livreiro do Brasil, morto em 2011 em virtude de um infarto. Graças a Melquisedec, o poder público instalou a Praça do Sebo por trás dos prédios da Guararapes. Hoje o negócio de venda de livros usados não é próspero. Mas Sales não arreda o pé da avenida. “A venda de livro caiu por causa da tecnologia. Eu mesmo fui comprar um CD evangélico dia desses, mas não encontrei. O orelhão já acabou. Daqui a pouco é o telefone convencional”, atestou o livreiro.

Sales conta ter feito muito dinheiro com a venda do chamado livro do professor. “Um dia, baixaram uma lei e a venda ficou proibida. Tive um prejuízo milionário. Os livros foram todos recolhidos. Todo mundo comprava o livro do professor porque saia mais em conta.” A obra mais preciosa de Sales é uma Bíblia datada de 1.800. “Ela fica no estoque. Só vendo por R$ 300.” O livreiro que cursou até a quinta série porque precisou começar a trabalhar cedo gosta de ler de tudo, mas principalmente a Bíblia. O que mais vende na banca de Sales? Gibis. Nos dias de sábado e domingo, outros livreiros aproveitam a folga na fiscalização da Prefeitura do Recife para ocuparem a Guararapes com suas obras usadas. Concorrência para Sales, cujo cadastro junto ao governo municipal ele diz estar em dia.

O sapateiro Brasil é simbolo da Avenida Guararapes. (Foto: Leandro de Santana/esp.DP)
O sapateiro Brasil é simbolo da Avenida Guararapes. (Foto: Leandro de Santana/esp.DP)
O sapateiro Brasil é o nome mais conhecido de Reginaldo José de Souza, 53. Hoje, oito sapateiros/engraxates ocupam a Guararapes. São como um símbolo da avenida. Há muitos anos, ganharam cadeiras uniformizadas da prefeitura para trabalhar no local. Com o tempo e sem manutenção do poder público, muitos equipamentos estão danificados. “Tá faltando alguém patrocinar isso aqui. Melhorar a aparência do nosso local de trabalho”, lamenta.

Brasil calcula o tempo de estadia na avenida pela quantidade de copas do mundo. Já são seis campeonatos. Ele pode não ser o mais antigo no espaço. Mas é o mais conhecido. Seu equipamento é todo decorado em verde e amarelo, incluindo uma bandeira do país, colada à do time chapecoense. “Fiquei muito comovido com o que aconteceu com os jogadores”, justificou. O preço dos serviços ofertados pelos sapateiros é parecido. O que muda é o tipo de atendimento. Brasil começou a trabalhar cedo como engraxate. Circulava nos bares do Recife e de Olinda em busca de clientes. Eram muitos. Depois o número caiu. Uma justificativa é a adesão ao uso do tênis. O jeito foi migrar para consertos de calçados.

Entre os trabalhadores da Guararapes tem corrido uma informação preocupante. Há quem fale em intervenção da prefeitura para tirar os comerciantes/ambulantes da via. O secretário de Mobilidade e Controle Urbano do Recife, João Braga, no entanto, negou qualquer plano de intervenção na Guararapes. “Ela não é a bola da vez. A Mathias de Albuquerque, rua paralela, é mais urgente. A crise também afetou a oferta de cursos superiores na Guararapes e isso reduziu o número de usuários na rua”, disse. Braga afirmou, ainda, que os engraxates/sapateiros, mais especificamente, fazem parte do cenário da Guararapes e por isso não há planos de relocá-los em caso de reforma do local. Segundo a PCR, a via tem 70 comerciantes informais cadastrados.

Em 2014 foi anunciada uma intervenção na Guararapes. A proposta previa a união entre a gestão pública e a privada para melhoramento da via. O plano de R$ 1,5 milhão não vingou. Um total de 45 ambulantes seriam relocados para ruas próximas. Também estavam previstas limpeza e pintura das pilastras dos prédios, recuperação de calçadas e até reabertura do Bar Savoy. A velha Guararapes segue viva. Por teimosia de seus trabalhadores.
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