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OBSERVATÓRIO ECONÔMICO

A luta contra o aquecimento global

Publicado em: 17/02/2020 08:00

Na luta contra o aquecimento global está valendo tudo, até proibir automóveis movidos a combustíveis fósseis. A ideia é interessante, mas the devil is in the detail. A medida precisa de melhor atenção, caso contrário os efeitos podem ser piores do que o esperado. Uma política que considere impostos sobre emissões e sobre o uso da energia não-renovável, atrelado a subsídios na renovável poderia ser uma alternativa.

O projeto de lei 304/2017, do senador Ciro Nogueira (PP-PI), foi aprovado na semana passada pela Comissão de Constituição e Justiça e está agora na Comissão de Meio Ambiente. Se virar realidade, a medida prevê uma redução gradual na venda de veículos novos movidos a combustíveis fósseis, chegando à proibição total a partir de 2060. A medida seria uma resposta necessária para “reduzir o aquecimento global causado pelas diversas atividades humanas”.

Na justificativa apresentada, o argumento é que países como França, Reino Unido, Áustria, Holanda e Noruega adotaram medidas semelhantes. Além disso, o país “possui uma produção de eletricidade relativamente limpa, a troca de veículos movidos a combustíveis fósseis por veículos elétricos, neste contexto, será ambientalmente vantajosa.” Apesar de bem intencionada, a medida pode ter efeitos indesejáveis sobre o meio ambiente.

Em primeiro lugar, os dados das emissões líquidas de CO2 para o Brasil mostram que o maior responsável pelas emissões é o uso da terra (37%), seguido da Agropecuária (29%), enquanto o uso da energia responde por 24% das emissões líquidas. Neste último, o maior peso está na produção e consumo de petróleo (70%), seguido pelo gás natural (17%). O projeto de lei carece, portanto, de estudos que revelem o quanto de CO2 será reduzido, já que “afeta” uma parte apenas das emissões.

Em segundo, se entrar em vigor, a medida terá impactos negativos sobre a indústria do petróleo e do gás natural, com redução na demanda doméstica, e positivos sobre a produção de biocombustíveis, com o aumento na demanda doméstica (sem descartar um aumento nas importações). E é aí que reside o detalhe importante. Se a expansão da produção doméstica de etanol ocorrer, o efeito pode ser menos positivo do que se espera. 

Estimativas recentes de Marcelo Sant’Anna da FGV mostram que a expansão agrícola necessária para produzir mais biocombustíveis pode prejudicar a floresta tropical. Ele mostra que 92% da produção nova de etanol vem de aumentos na área plantada e apenas 8% da expansão da produtividade. Ou seja, para atender a nova demanda que surgiria com a medida, o custo seria o aumento da área destinada à produção de etanol. E é exatamente no uso da terra e na agropecuária que emitimos mais CO2! Portanto, a medida pode não ser tão ambientalmente vantajosa como diz ser. 

Uma forma alternativa seria avançar numa política de incentivos ao uso de biocombustíveis e redução no uso dos fósseis. Em tese defendida no Programa de Pós-Graduação em Economia (PIMES) da UFPE, Yuri Lima e Silva, mostra que uma política ambiental que combine  impostos sobre emissões e sobre o uso de combustíveis fósseis, atrelados a uma política de subsídios (barateamento) no uso de energia renovável pode resultar em maior bem estar social. Tal política poderia gerar os mesmos efeitos de redução de CO2, sem necessariamente, proibir o uso de veículos de forma drástica. Na contramão da discussão recente sobre eliminar impostos federais e estaduais sobre os combustíveis, a medida pode não render dividendos eleitorais, mas certamente seria “ambientalmente vantajosa”.
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