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OBSERVATÓRIO ECONÔMICO

Don Quixote?

Publicado em: 02/12/2019 09:43

De alguma forma, todo mundo já ouviu falar de Don Quixote. Personagem principal da obra de Miguel de Cervantes escrita no início do século XVII, o cavaleiro, acompanhado do seu escudeiro Sancho Pança, vive num mundo fantasioso. Luta contra inimigos imaginários. Faz tempo que li o livro e não lembro dos detalhes, mas uma das imagens mais marcantes, pelo menos para mim, é quando ele tenta lutar contra um moinho de vento.  A cena tem algo de cômico e de trágico. Pança enxerga o moinho. Don Quixote vê um cavaleiro adversário. 

Por alguma razão, fiquei com essa imagem na mente. O livro é uma fantástica obra de ficção. Mas, quase sempre, a realidade tenta imitar a arte. Há muitas pessoas que caçam moinhos de vento na vida. Criam inimigos ou dificuldades imaginárias e gastam grande energia lutando contra elas. Não precisa dizer que essa é uma luta inglória e sem chance de vitória. 

Acompanhando os eventos dos últimos meses e, especialmente, das últimas semanas, a lembrança de Don Quixote me veio à mente. De uma hora para outra, temos muitos inimigos imaginários no Brasil. O governo, ou um grupo dentro do governo, resolveu que o comunismo está pronto para tomar conta do Brasil. É preciso combater o inimigo de todas as formas. Ele está em todos os lugares. Na cultura, na educação, nas ruas. 

Enquanto as ideias pareciam ser apenas sugestões de pequenos grupos, a coisa parecia engraçada. Visões estranhas associadas a monstros fantasiosos e a ideias malucas, como a de que a terra é plana, não afetavam ninguém. 

A coisa ficava ainda mais tranquila quando havia um grupo de pessoas no governo que tinha um pé na realidade. Enquanto o grupo político do governo criava seus inimigos imaginários, o grupo da economia trabalhava nas mudanças desejadas pela gestão. 

A situação começa a ficar mais complicada quando aqueles que deveriam ver a realidade começam a ver moinhos e defender o indefensável. Já era muito ruim quando o grupo político falava em reagir aos opositores com medidas antidemocráticas, como reestabelecer o Ato Institucional no 5 (AI5). Mas, o que dizer quando os técnicos também o fazem?

O governo vem flertando com a ideia do AI5 faz algum tempo. Nada justifica a menção a algo que implica em suprimir a democracia no país. Mas, ao se deparar com os inimigos imaginários, nesse caso possíveis protestos de rua, as ameaças de suprimir a democracia surgem de todos os lados dentro do governo. 

A resposta do chamado mercado foi rápida: queda na confiança e o aumento do dólar. Claro que o dólar também está subindo por questões externas, mas o flerte com a repressão assusta. E deveria assustar mesmo. 

Vivemos numa democracia. Devemos preservá-la. O atual governo foi eleito de forma democrática. Tem o direito de propor as suas ideias. A população tem o direito de ir às ruas apoiar ou criticar as ideias. Na próxima eleição temos o direito e o dever de dizer se queremos a continuidade ou a mudança das políticas atuais. Sem ameaças de derrubada do governo ou atos como o AI5. Sem moinhos de vento.

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