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OBSERVATÓRIO ECONÔMICO

Cavalo de Troia

Publicado em: 01/04/2019 10:11

Reza a lenda que os gregos decidiram recuperar Helena (esposa de Menelau, rei de Esparta), que se encontrava em Troia. Esta era uma cidade com altas muralhas e que impediam as investidas gregas. Mesmo após um período longo de embates, a cidade não demonstrava que cairia nas mãos dos gregos. Foi quando tiveram a ideia de construir um grande cavalo de madeira, que serviria como esconderijo para soldados, e deixar de “presente” para os troianos. Após uma suposta retirada da batalha dos gregos, os troianos são convencidos a receber o “presente”. Animados, os troianos resolveram celebrar. Só que, durante a noite, quando todos dormiam, o “presente” revela a sua natureza. Os soldados gregos, escondidos no cavalo, saem e facilitam a entrada do restante do exército. Ao final, a cidade é destruída e saqueada. 

Talvez inspirados pela estratégia militar dos gregos, os proponentes da “reforma” da previdência dos militares resolveram entregar uma versão moderna do Cavalo de Troia para os brasileiros. A versão tupiniquim se apresenta como uma reforma da previdência, mas dentro tem uma bomba fiscal. Os militares atuais possuem uma série de privilégios previdenciários. Apenas para ilustrar, a contribuição para o regime de previdência é de apenas 7,5% do rendimento bruto, enquanto os servidores civis já contribuem com 11%. Ademais, os militares contam com o privilégio de se aposentar com integralidade (o valor da aposentadoria é o do último salário) e paridade (recebem o mesmo valor que um militar da ativa), algo não mais permitido para os civis desde 2003. Muitos se aposentam ainda jovem, vão para a reserva na linguagem militar, com um custo razoável para a sociedade. 

O resultado dessa brincadeira é que o déficit previdenciário per capita é maior entre os militares do que entre os servidores civis. Apenas em 2018, o déficit total foi de R$ 43,9 bilhões para pouco mais de 630 mil beneficiários. A proposta de reforma dos militares atenua o problema, ao elevar o percentual e o tempo de contribuição, mas pasmem – diferentemente dos servidores civis – a alíquota de contribuição passará para 10,5% (abaixo da contribuição atual dos servidores civis) apenas em 2022! Já para os civis, a alíquota efetiva será de até 16,79% logo após a aprovação da reforma. Sem falar que os militares continuarão a se aposentar por tempo de contribuição (35 anos), algo que não será possível para o resto da sociedade. O “presente de grego” é que embutiram uma proposta de reestruturação da carreira. Essa proposta reduz o potencial de economia aos cofres públicos de algo em torno de R$ 100 bilhões, como na proposta original do governo, para algo em torno de R$ 10 bilhões em 10 anos! Uma mixaria diante do problema fiscal.

Diante do agravamento do quadro fiscal e na tentativa de convencimento da sociedade e do Congresso sobre a necessidade e urgência da aprovação da reforma da previdência, o governo parece sinalizar duas coisas: que não está muito convencido dessa necessidade e urgência; e que possui uma classe de servidores superior a todos os demais cidadãos, que não possuem o privilégio de se aposentar com integralidade e paridade, e tampouco de contribuir pouco para isso. Espero que o Congresso, num lampejo de racionalidade e justiça, derrube essa proposta de reestruturação da carreira militar, focando apenas na questão previdenciária e indo além, tornando a proposta de reforma de previdência semelhante ao que está sendo proposta para o resto da sociedade. Se é para entrar no sacrifício, todos devem dar sua colaboração. 

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