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O plebeu virou rei

Professor de Taguatinga mantém a família com dinheiro proveniente de aulas particulares. Nascido na periferia de Aracaju, Davi Nascimento já jogou contra os melhores mestres do mundo na modalidade

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Ensinando “esporte de rei”, um homem de 41 anos leva vida modesta em Taguatinga. Esta é a história de Davi Nascimento, professor de xadrez nascido na periferia de Aracaju (SE) e, hoje, um dos melhores jogadores brasileiros da modalidade. “Muita gente diz que o xadrez é esporte de rei, porque os atletas precisam bancar sozinhos os campeonatos, as passagens de avião e os hotéis. Isso não é barato”, contabiliza.

O sergipano, pai de três filhos, sustenta a família com aulas particulares da modalidade. Cada lição de 1 hora e 20 minutos sai por R$ 50. Entre crianças, adultos e idosos, ele soma 16 alunos. “Não há idade para o xadrez, qualquer pessoa pode aprender”, aponta.

No intervalo das aulas, Davi tira tempo para competir. Há duas semanas, foi o melhor brasileiro no Regional Centro-Oeste, torneio que se limitou a distribuir R$ 800 ao vencedor. Na quarta posição, ficou atrás de três estrangeiros e conseguiu vaga na semifinal do Campeonato Brasileiro, no segundo semestre. E ainda sobra espaço para o voluntariado: ele ensina o esporte a cegos no Centro de Ensino Especial de Deficientes Visuais (Ceedv), na 612 Sul.

O campeão de origem humilde aprendeu a jogar xadrez com o irmão mais velho, quando tinha 6 anos de idade. O irmão, por sua vez, havia tido aulas com um padre belga. Davi se destacou no esporte e não o deixou mais. Pouco antes de completar 18 anos, começou a dar aulas em Aracaju, até que, há 14 anos, decidiu vir para a capital por saber que a cidade contava com um dos melhores clubes do país — o Brasília Clube de Xadrez (BCX), hoje extinto.

O desafio para começar como professor do clube foi tirado de letra: vencer 12 torneios seguidos. “Quando cheguei aqui, eu era uma pedra bruta, que começou a ser polida no BCX. Em Brasília, eu conheci o xadrez de verdade”, recorda. Sempre que algum mestre do esporte vinha à capital, ia ao clube jogar contra os professores. Assim, Davi duelou com os principais nomes nacionais e internacionais da modalidade.

Reconhecimento


O garoto simples de Aracaju nunca imaginou o que o xadrez lhe reservava. Ele viajou em aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) quando levou cegos para jogar no Rio e em Pernambuco, deu aulas a ministros, embaixadores, juízes, filhos de senadores e até às polícias Militar e Federal. Davi jogou contra os melhores mestres do xadrez mundial e, inclusive, venceu alguns. Hoje, é um dos professores do esporte mais experientes do Brasil.

Mesmo com a vinda do reconhecimento, a vida não ficou fácil. Tendo em vista os valores baixos de premiação nos torneios internacionais, nacionais e locais, Davi ainda depende dos R$ 50 de cada aula do “esporte de rei” para sustentar a família. Como nenhuma tevê brasileira transmite as partidas, é mínimo o interesse dos patrocinadores nos enxadristas.

A realização vem nos alunos. O advogado Fábio de Oliveira, 36 anos, tem aulas com Davi há apenas três meses e, em março, venceu um campeonato entre amigos. “Eu uso o xadrez como uma válvula de escape. Quando estou muito tenso ou nervoso, paro e jogo uma partida”, conta. Como o advogado tem jogado muito bem — palavra do professor —, as aulas são diferentes. Agora, eles preparam aberturas que podem ser desenvolvidas ao longo das partidas, mostrando o caminho para a superação de cada desafio.

Às sextas
As aulas para deficientes visuais são dadas às sextas-feiras, das 10h às 12h, no Ceedv, na 612 Sul. Um tabuleiro especial é utilizado, no qual as casas claras têm mais relevo. As peças pretas têm pinos de ferro para distingui-las das brancas. No xadrez tradicional, se o jogador tocar em uma peça, precisa movê-la. No xadrez para cegos, os atletas podem sentir as peças com as mãos. A jogada só vale depois de cantada, ou seja, se o jogador disser em voz alta o movimento que fará.

Lugar ocupado
O Brasília Clube de Xadrez funcionava na 706/7 Norte. Há sete anos, a Federação Brasiliense de Xadrez (FBX) assumiu a função do clube e se tornou responsável por difundir o esporte no Distrito Federal. Alguns clubes da cidade costumam promover eventos da modalidade, como a Ascade e a Apcef, que organizam campeonatos regulares.