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Épico em escala e duração, 'Oppenheimer' alia impacto sonoro e visual à história do pai da bomba atômica

Poucos acontecimentos da história americana se equiparam à criação da bomba atômica – e às tragédias que ela acarretou – do ponto de vista do impacto mundial, o que faz do físico J. Robert Oppenheimer uma das figuras mais decisivas do século passado. O nova-iorquino formado em Harvard se destacou cedo nos estudos de partículas subatômicas e física quântica, envolvendo-se também na política dos anos 1930 para fortalecer grupos antifascistas. Sua importância se revelou, porém, durante a fase crítica da Segunda Guerra, quando, alertados da possibilidade de os alemães desenvolverem uma arma nuclear, o governo dos Estados Unidos lhe incumbiu a direção do Projeto Manhattan, no qual físicos foram levados junto com suas famílias ao laboratório de Los Alamos para trabalhar na construção de bombas com poder incalculável de destruição em massa. Sabidamente, o projeto levou à dizimação das cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, em agosto de 1945.

Recortando fragmentos que vão desde as pesquisas do personagem histórico até consequências políticas enfrentadas por ele anos após a guerra, Oppenheimer, em cartaz, com Cillian Murphy no papel do biografado, baseia seu principal apelo na expectativa pela primeira grande explosão do Projeto Manhattan (conhecido como Teste Trinity), captado em doses assustadoras de realismo durante as rodagens. 

Christopher Nolan, célebre pela trilogia Cavaleiro das trevas e por blockbusters cerebrais lotados de conceitos físicos (A origemInterestelarTenet), parece sob encomenda para dirigir esta adaptação de Oppenheimer: O triunfo e a tragédia do Prometeu americano, de Kai Bird e Martin J. Sherwin, livro vencedor do Prêmio Pulitzer. O apreço a efeitos práticos, quebras da cronologia e pela dilatação dos climaxes, construídos com som crescente e montagem paralela; todos esses traços do diretor estão presentes aqui e mais um pouco, vide as 3 horas de duração.

O filme não foge à regra do excesso de diálogos expositivos tão criticados na filmografia de Nolan, mas suas explicações se resumem ao necessário para a plateia não se perder na quantidade de detalhes (a extensa tramoia política rodada em preto e branco, felizmente, toma um espaço grande do que poderia ser pura pedagogia científica). Fãs do cineasta talvez se surpreendam com a falta de ação do projeto que, paradoxalmente, não para quase nunca e, salvo raras exceções, têm grande dificuldade em lidar com silêncios. Para um pretenso mergulho emocional num personagem tão complicado, é notável a ausência de um olhar pontualmente mais humano e menos voltado ao gigantismo.

A escolha pelos saltos no tempo e ações paralelas também prejudica o envolvimento na primeira hora, que busca colocar o espectador à força no ‘estado de espírito’ apavorado do protagonista utilizando som alto e flashes abstratos como recurso de impacto fácil. Nolan se sai melhor mapeando a parte histórica e política do que estabelecendo relações entre personagens – a amante vivida por Florence Pugh é dispensável ao drama central e a esposa interpretada por Emily Blunt merecia uma construção que justificasse melhor sua importância adiante.

À medida em que essa estrutura de fragmentos encaminha o filme para seus dois ápices dramáticos (o teste Trinity e os minutos finais), ele fica admiravelmente intenso, como numa sinfonia prolongada em que o auge está sendo sempre adiado – coisa que ele já havia feito sem o mesmo sucesso em Dunkirk. A ideia principal que fica, para além dessa proposta de imersão do IMAX e no estrondo da destruição, é que Oppenheimer quer fazer jus à atmosfera de catástrofe iminente que mudou o mundo através de sua própria grandiloquência. 

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