O azar acompanha o assassino de aluguel conhecido como Joaninha (Brad Pitt) em todas as missões, ou pelo menos ele pensa assim sobre si mesmo. Em Tóquio para seu novo trabalho, que consiste em pegar uma maleta prateada dentro de um trem com destino a Kyoto, ele está disposto a ficar desarmado e cumprir pacificamente a missão. Seu caminho vai se cruzar com o de vários outros passageiros de interesses antagônicos, mas envolvidos numa mesma teia de vingança cujo ponto de ligação é um temido chefe de gangue de nome Morte Branca.
Baseado no livro japonês Maria Beetle, de Kotaro Isaka, Trem-bala, que acaba de entrar em cartaz, tem um elenco estrelado e numeroso, com Brian Tyree Henry, Aaron Taylor-Johnson, Andrew Konji e Joey King em cena na maior parte do tempo e participações de Logan Lerman, Hiroyuki Sanada, Zazie Beetz, Michael Shannon e Sandra Bullock, além de aparições que surgem mais pela surpresa da sessão do que exatamente por propósito narrativo.
Em mais um trabalho de ação, o diretor David Leitch (Atômica e Deadpool 2) - muito requisitado após sua não-creditada codireção do primeiro filme da saga John Wick – resgata de sua experiência em adaptações adultas de HQ a estética de altos contrastes cheia de luzes fosforescentes e a violência publicitária cínica e desencanada. Filmado como um quadrinho, então, Trem-bala nomeia seus personagens com letreiro assim que eles aparecem e, frequentemente, pausa a trama para explicar a presença de cada um, utilizando arranjos japoneses de Bee Gees e Bonnie Tyler e uma edição frenética que reflete bem, diga-se, a pressa do público em voltar para o enredo principal.
A quantidade exorbitante de subtramas que se entrelaçam é responsável pelas forças e por algumas das fraquezas do longa de Leitch. Grande coreógrafo de luta, o diretor felizmente não resiste a usar tudo o que está à sua disposição entre os 16 vagões do trem e transforma o espaço nitidamente virtual do lado de fora em inúmeras possibilidades luminosas – culminando numa sequência final que rejeita qualquer verossimilhança e se entrega totalmente ao absurdismo.
Mas entre esses momentos inspirados, Trem-bala faz esforço excessivo para se enxertar de uma história que, em última instância, é genérica e convoluta. Algumas reviravoltas parecem existir só como artifício de efeito instantâneo e a pontual tentativa de conexão emocional fica perdida no meio do cinismo da comédia.
Brad Pitt, que também estrelou este ano ao lado de Sandra Bullock na comédia Cidade perdida, se mostra novamente à vontade tanto nesse humor descompromissado quanto nos combates corpo a corpo. E, mesmo com o excesso de aparições tiradas da cartola, que por vezes tiram o filme dos trilhos, a participação do veterano Hiroyuki Sanada evoca bem as tradições exageradas e propositalmente artificiais do cinema asiático contemporâneo, libertando Leitch de qualquer realismo anunciado pelas primeiras lutas.
O filme certamente tem graça e ritmo suficiente para divertir a maior parte da plateia, mas deixaria uma marca mais significativa se sua aposta fosse concentrada menos nas idas e vindas da história e mais na aptidão de seu diretor para encenar confrontos de modo direto e sequencial. Curiosamente, para efeito de comparação, o primeiro John Wick e Atômica custaram respectivamente 20 e 30 milhões de dólares, enquanto Trem-bala é orçado em cerca de 90 milhões. Ainda que todo esse dinheiro esteja visível na tela e nomes caros e efeitos, o resultado demonstra que menos (às vezes) pode ser mais.
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