"A cidade que eu atravesso é a mesma que me atravessa." A frase colada em uma parede no Centro da capital pernambucana foi o ponto de partida para a exposição Atravesse, do coletivo homônimo, em cartaz até 1º de junho na Livraria Jaqueira, no Bairro do Recife. A mostra é um convite às memórias do cotidiano da cidade, com desenhos e intervenções sobre imagens das décadas de 1930 e 1940. A princípio, o acervo circulou de forma digital no Instagram e Facebook, e agora, depois de um mês, ganha espaço físico. As peças têm tamanhos grandes e versões em proporção de cartão-postal.
"Atravesse é um conceito. Uma conexão entre a gente e a cidade, de imersão nas temporalidades, nas vidas presentes, passadas e futuras. A nossa primeira coleção é dedicada às pontes do Recife. Elas conectam a cidade, criam um chão sobre as águas, contam histórias de outros tempos, outras vidas e outras pontes”, explica a arquiteta Cicília Oliveira. Ao lado do historiador Dirceu Marroquim e do designer Raul Kawamura, ela integra o coletivo Atravesse, criado em meio à pandemia, como um respiro e resgate de um Recife que passa por momentos difíceis.
Para o curador Enrique Andrade, o coletivo se coloca na guerrilha da disputa cotidiana pela cidade e seus usos justos, plurais, humanos e democráticos, construindo um diálogo entre os campos artísticos, arquitetônicos, históricos e patrimoniais. “Aqui não cabe pensar esta disputa de memória como um ato sem sentido e exclusivamente individual, mas como uma dança política entre lembrar e esquecer. Uma dança envolvente entre a cidade e seus fazedores. Dança esta que é formada por agentes de várias gerações, se desenrolando no palco do território. Utiliza as fotografias do Recife e suas mudanças como um convite ao olhar atento”, define.
Moradores do Recife e pesquisadores, Cicília e Dirceu dedicaram parte da suas vidas aos estudos sobre patrimônio. “Eu e Dirceu tínhamos essa vontade quase inquietante de discutir a cidade. E temos a ideia de expandir para outros locais. A gente costuma dizer que a Atravesse é um conceito, uma ponte entre a gente e a cidade na busca de discutir as temporalidades e vivências e, a partir daí, criar novas narrativa”, define a arquiteta.
Para dar vazão à discussão, a dupla convidou o designer Raul Kawamura para dar forma a produtos que expressassem o Recife, principalmente as pontes. Assim foi criada a coleção Pontes do Recife. “Escolhemos trabalhar nesse momento com as pontes, pois encontramos nelas a tradução de muitos dos nossos pensamentos: travessia de tempos e pessoas num cotidiano. A ideia de criação de produtos vem para aproximar o cidadão ou visitante do Recife que faz parte do dia a dia, mas ao mesmo tempo pode estar longe, por diversos motivos: pandemia, insegurança e a falta de tempo. Então, que tal trazer um pedacinho do Recife para dentro de casa?”, provoca Cicília.
Ela, assim como Dirceu, teve a vida permeada por arte. “Muito mais do que decorrente das nossas profissões, a arte sempre nos encantou. Tanto eu como Dirceu sempre fomos apaixonados por cartões-postais, inclusive costumávamos nos presentear mutuamente”, revela a arquiteta. Guiados pela memória afetiva, os primeiros quadrinhos produzidos pelo coletivo tiveram o tamanho de cartões para que resgatassem a ideia de enviar para alguém uma espécie de carinho, hábito que faz parte do passado da dupla.
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