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CINEMA

Após seis anos, #BlackLivesMatter e #OscarsSoWhite marcam mudanças no cinema

Publicado em: 04/06/2020 14:25 | Atualizado em: 04/06/2020 15:14

 (Foto: Reprodução/Youtube)
Foto: Reprodução/Youtube

Pelas redes sociais, no último domingo, o diretor norte-americano Spike Lee compartilhou um curta que entrelaça as imagens da ficção e não-ficção, entre a violência policial sofrida por Radio Raheem, em seu célebre Faça a coisa certa (1989), ao lado de Eric Garner, em 2014, e George Floyd, agora em 2020, ambos assassinados pela polícia. O título é 3 brothers: Radio Raheem, Eric Garner e George Floyd. Muito está ali: a angústia de uma opressão centenária, os gestos do desespero pela sobrevivência, a falta de ar e o golpe desmedido por parte de uma instituição do estado.

O assassinato de Eric por um policial branco foi o estopim para uma série de protestos, que representa também o início do movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam). Entre movimentações políticas, sociais e econômicas, o movimento teve impacto no cinema mundial. Desde a hashtag #OscarsSoWhite (Oscars Muito Brancos), que modificou para sempre a premiação e neste ano completa cinco anos, até um movimento mais amplo que coloca no centro do debate a questão do racismo, também, através dos filmes.

Quando o #BlackLivesMatter explodiu pela primeira vez nos Estados Unidos, também se criou um terreno fértil para movimentos dentro da grande indústria, desde a luta por representatividade asiática, até as campanhas #metoo e Time’s Up, ambas em busca de equidade entre gêneros. Mas, mesmo nesse contexto de busca por mudanças no status majoritariamente branco da indústria de Hollywood, 2015 foi um ano de reação por parte dos conservadores: 20 atores brancos foram os candidatos nas categorias de atuação, pelo segundo ano seguido. Ainda em abril daquele mesmo ano, veio para a indústria cinematográfica um sopro dos novos ares, quando estourou a campanha #OscarsSoWhite, que desencadeou nos anos seguintes uma série de lampejos de melhoras.

 (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação

Vale pontuar dois filmes da grande indústria que, mesmo de anos anteriores à campanha viral, foram importantes para a construção narrativa e efetiva da campanha: 12 anos de escravidão, que em 2013 ganhou o prêmio de Melhor Filme, Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Atriz Coadjuvante (Lupita Nyong'o), e Selma, cinebiografia baseada na marcha histórica de Martin Luther King, dirigido Ava DuVerney.

São obras que sempre existiram, mas que eram barradas da maioria das instâncias de consagração da indústria. Uma das ações fundamentais para a mudança foi a diversificação dos próprios integrantes da Academia, que segundo informações “dobrou o número de membros diversos”, e também a boa recepção do público para essa nova leva de produções. Desde então, a indústria firmou uma reforma multicultural, tanto em forma de corrida pelo estouro de arrecadação de bilheteria, quanto através de um diversificação do catálogo e da parceria com os realizadores. No Oscar, o ápice foi a premiação de 2019, que teve 13 pessoas premiadas entre negros, asiáticos e latinos.

Mas a cerimônia de 2020 provou que uma indústria tradicional como Hollywood entra em seu próprio processo de negociação com as mudanças e inclusão. Até hoje o número de votantes de alguma minoria representa apenas 16% do total. Ainda que o grande vencedor da noite tenha sido Parasita, de Bong Joon-ho, na lista de Melhor Direção houve mais ausência de mulheres, a exemplo de Greta Gerwig por Adoráveis mulheres, Lorene Scafaria por As golpistas ou Lulu Wang por A despedida. Neste ano, Cynthia Erivo apresentou uma canção original para Harriet, filme sobre uma mulher negra abolicionista, mas que foi uma das poucas presenças de pessoas negras na cerimônia e na lista de indicações.

Pós-BlackLivesMatter e OscarSoWhite

Moonlight
(2016)
Infelizmente mais lembrado pela gafe que anunciou o prêmio por engano a La la land, Moonlight consagrou o diretor Berry Jenkins. Com narrativa sensível, o drama traz a história do garoto negro Chiron, que explora afetivamente seu processo de mapeamento de identidade e sexualidade, retratando também a dureza da violência física e emocional. O longa marca também um dos primeiros ápices da produtora independente A24.

Corra! (2017)
O longa, o primeiro de Jordan Peele como diretor, teve destaque em premiações, mas seu verdadeiro impacto foi no público conquistado. É um filme de terror, marcado pela veia social que faz parte da história do gênero, ao mesmo tempo que atualiza isso para o universo dos EUA pós-Black Lives Matter.

 (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação

Infiltrado na Klan (2018)
Spike Lee escancara o racismo das estruturas de poder através do seu cinema há mais de três décadas - muitas vezes de forma pedagógica. Infiltrado na Klan é estrelado por John David Washington e Adam Driver, em uma espécie de sátira do gênero policial e black exploitation dos anos 1970. O filme conta a história de um detetive negro que se infiltra na Ku Klux Klan para desmontá-la. Ao fim da obra, que rendeu a Lee o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado, imagens reais da violência policial e dos movimentos.

Pantera Negra (2018)
O longa da Marvel Studios surpreendeu. O personagem existe nos quadrinhos desde os anos 1960, mas a produtora já tinha se mostrado indisposta a produzir um filme com herói negro ou uma mulher. O resultado foi um fenômeno de bilheteria, com bastante repercussão principalmente entre crianças, além de sete indicações ao Oscar.

Watchmen (2019)
A série da HBO reconfigurou a história de Alan Moore e Dave Gibbons. Com Regina King, Don Johnson, Tim Blake Nelson, Yahya Abdul-Mateen II e Andrew Howard no elenco, ela parte do universo de Watchmen para falar de temas como violência policial, apagamento da fundação do continente americano a partir da violência racial e um debate sobre vigilância dos corpos e da policia.

No Brasil
Mesmo baseado em um outro circuito de produção, o cinema brasileiro tem obras recentes que refletem a situação da população negra no país ea violência policial

Branco sai, preto fica (2014)
O longa de Adirley Queirós trata, com contornos que vão do documentário à ficção científica, da história de dois homens feridos em um baile funk em Brasília. Um viajante do tempo volta para esse momento decisivo na história dos dois para investigar a ação criminosa da polícia e provar a situação como localizada nas opressões firmadas pela sociedade.

 (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação

7 anos em maio (2019)
O média-metragem de Affonso Ûchoa se baseia no relato experiencial para contar uma história de violência do estado sobre um homem negro. Rafael dos Santos Rocha foi pego em uma emboscada policial, preso e sofreu tortura. O filme é um dos fortes exemplos da nova leva de realizadores mineiros.
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