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Em tempos atípicos, o cinema explica nosso fascínio pelo 'fim do mundo'

O diretor norte-americano Steven Spielberg aborda a finitude da condição humana com o filme Guerra dos mundos, de 2005, um grande sucesso de bilheteria da época

A explosão definitiva de filmes de fim do mundo na cinematografia mundial certamente foi nos anos 1950. Mas, provavelmente, o primeiro filme apocalíptico foi o dinamarquês O fim do mundo (1916), de August Blom, que explora a passagem de um cometa pela terra, causando pânico, agitação social e destruição do planeta. Na época, o filme atraiu um grande público por conta dos efeitos visuais impressionantes, além de contextos como a passagem do cometa Halley, seis anos antes, além das turbulências e das incertezas da Primeira Guerra Mundial.

Noite dos mortos-vivos (1968), de George A. Romero, que antes de tudo é uma grande reflexão sobre o modelo de sociedade estadunidense.

A paranoia nuclear foi a tônica dos anos 1970. Mas nos anos 1980, um importante agente do caos no cinema foi John Carpenter, apresentando uma visão mais “anárquica” e anticontrole dos corpos. O cinema de Carpenter deslocou o medo do anticomunismo e do “outro” para o fim através das ambições, pensando a paranoia do isolamento social na celebrada “trilogia do apocalipse”, com Príncipe das sombras (1987), À beira da loucura (1994) e O enigma de outro mundo (1982).

Mesmo baseada em uma história real, a produção da HBO afeta nossa relação com o visual de pessoas com máscara, o caos social acerca de uma ameaça invisível e o medo do próprio contato com outro.

O estado de alerta atual para o coronavírus se relaciona com os símbolos e repertórios visuais de outros tempos. “O imaginário de pandemia vem muito de um medo do invisível. O que vivemos agora com o coronavírus remete muito à peste negra, por exemplo, uma catástrofe que as pessoas não sabiam como parar. É muito voltado para a falta de controle em torno do mundo que habitamos. Um clima de paranoia constante que, de certa forma, é sobre uma estrutura biológica capaz de superar o homem”, explica. Não à toa, uma das séries mais comentadas e premiadas do ano passado foi Chernobyl. Mesmo baseada em uma história real, a produção da HBO afeta nossa relação com o visual de pessoas com máscara, o caos social acerca de uma ameaça invisível e o medo do próprio contato com outro.

Ainda segundo Alan Campos, é nesse repertório de medo que achamos uma das fundações da sociedade ocidental, que é o pensamento cristão, pautado em uma história com começo, meio e fim. E esse fim é justamente o fim da história. Fim que é chancelado pelas nossas próprias escolhas erradas, nossos pecados. Essas narrativas não fecundam apenas nossa imaginação, mas também nos levam diretamente para fraturas históricas de eventos que nos constituem como cultura, que nos defronta com essas recorrências. E que insistem em nos fazer acreditar que o momento que vivemos tem roteiro de cinema.

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