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CINEMA

Brasil disputa Festival de Berlim; Kleber Mendonça Filho está no júri

Por: Uai

Publicado em: 19/02/2020 12:04

 (Foto: EntreFilmes/Divulgação)
Foto: EntreFilmes/Divulgação
Dezenove produções, entre longas, médias e curtas, ficcionais ou documentários, alguns deles coproduções com outros países, tornam a presença brasileira maciça no 70º Festival de Cinema de Berlim, que tem início nesta quinta-feira (20).
 
“É uma participação expressiva em um momento tão complicado, em que a atividade artística vem sofrendo ataques no país. É muito bom não ser exceção e fazer parte da força coletiva, mostrando o resultado de uma construção que está sendo feita há muitos anos”, afirma o diretor paulista Caetano Gotardo.

Todos os mortos, que Gotardo dirigiu com Marco Dutra, é o principal longa nacional no festival alemão. Ele disputa o Urso de Ouro com outros 17 longas de 19 países – há diversas coproduções; incluindo o filme brasileiro, que tem participação da França.
 
A estreia de Todos os mortos na competição está marcada para o próximo domingo (23). O diretor pernambucano Kleber Mendonça Filho (Bacurau, Aquarius) integra o júri oficial, presidido pelo ator britânico Jeremy Irons. A mostra vai até 1º de março.

Ambientado na São Paulo de 1899 e 1900, Todos os mortos acompanha vários personagens que integram duas famílias: os Soares, brancos; e os Nascimentos, negros. A narrativa se situa pouco mais de uma década após a abolição da escravidão (1888) e mostra os Soares já decadentes, mas ainda presos à ideia de superioridade e posse oriunda do período escravista.

São personagens femininas que protagonizam a história, com roteiro dos dois diretores. Uma delas é a ex-escrava Iná Nascimento, que luta para reunir os que lhe são próximos em um mundo ainda hostil a ela. Outra personagem de destque é Isabel Soares, integrante de uma família outrora poderosa.

“(No filme) A gente tenta entender esse Brasil de uma elite que se deu essa chance ao abolir a escravidão, mesmo sendo um dos últimos a fazê-lo. Naquele momento do Brasil república, ele é um dos mais industrializados e está numa espécie de rota comercial internacional. Ou seja, é um país integrado ao mundo e as pessoas não sabiam o que seria do século 20”, comenta Dutra. “É um filme que tenta olhar o passado para entender o presente”, acrescenta Gotardo.

Mesmo sendo um longa de época, os diretores não ficaram preocupados com uma “absoluta reconstrução do período”, comenta Gotardo. Rodaram em São Paulo – a locação principal foi uma casa dos anos 1920 no Bairro da Liberdade – e em Amparo, no interior do estado.
 
“A gente não tinha noção de quão difícil seria fazer um filme de época. A maioria das construções do período que estão bem preservadas são museus ou espaços ocupados e muito ativos, onde não dá para fazer um filme. Foi muito difícil chegar em um consenso para mostrar a São Paulo de 120 anos atrás. Tanto que fizemos uma mistura de tempos”, diz Dutra.
 
Ter quatro mulheres e uma criança como protagonistas em um filme panorâmico foi uma consequência de como a narrativa foi se firmando. “Os personagens homens são muito apegados a uma ideia de que as coisas estão se resolvendo no país. Já as mulheres são mais críticas. Tanto a Iná, que trabalhava para os Soares, quanto a própria Isabel, que reconhece a falência financeira da família antes do marido”, diz Dutra.

No elenco estão atrizes que já trabalharam anteriormente com os diretores, como Clarissa Kiste, que esteve em Trabalhar cansa (2011, primeiro longa de Dutra, codirigido com Juliana Rojas) e Gilda Nomacce (Trabalhar cansa e As boas maneiras, de 2017, outra direção conjunta de Dutra e Rojas). O filme ainda tem participações da atriz portuguesa Leonor Silveira, presente no elenco de produções de Manoel de Oliveira, e da cantora Alaíde Costa.

Uma produção mineira está entre os selecionados de Berlim. Rodado em dezembro de 2018 em Belo Horizonte, a convite da Mostra de Cinema de Tiradentes (onde teve seu lançamento, em janeiro de 2019), Vaga carne é um média-metragem de Grace Passô (que também o escreveu e protagonizou) e Ricardo Alves Jr. O filme terá sua première neste sábado (22), dentro da mostra Fórum Expandido, dedicada a produções mais experimentais.

O filme nasceu da peça homônima, sobre uma voz que, depois de ter invadido substâncias líquidas, gasosas e sólidas, toma posse do corpo de uma mulher. Juntos, voz e corpo procuram por uma identidade própria – Vaga carne também tem uma edição em livro. O filme já foi exibido em Nova York, e o espetáculo foi encenado em Portugal e na Alemanha.
 
“A dramaturgia que a Grace criou é muito rica em significados, portanto, sempre reverbera diferentes leituras em quem assiste tanto à peça quanto ao filme, seja no Brasil ou fora”, comenta Alves Jr. Para ele, a produção dialoga diretamente com a seção do festival alemão em que vai ser exibida. “Fórum Expandido tem como proposta expandir a compreensão do que é um filme, testar os limites da convenção e abrir novas perspectivas de linguagem. Pois o projeto que a Grace vem desenvolvendo é uma experiência de expansão de linguagem, já que tem literatura, teatro e cinema.”

Karim Aïnouz exibe documentário
Filmado ao longo de um dia com uma câmera de celular, o documentário Nardjes A. é o primeiro filme de Karim Aïnouz desde A vida invisível, que venceu a mostra Um Certo Olhar do Festival de Cannes no ano passado e foi o escolhido pelo Brasil para representar o país no Oscar. Nardjes A. terá sua estreia na mostra Panorama, paralela à competição oficial do Festival de Berlim, neste domingo (23).

“Glauber deve estar se virando na cova. Filmar com telefone não foi uma escolha estética. Foi necessidade mesmo”, afirma o diretor cearense, há muitos anos dividido entre o Brasil e a Alemanha. Ele conta que Nardjes A. nasceu por acaso. Na Argélia para rodar Argelino por acidente (título provisório), filme que remonta à história de seus pais – ele, um engenheiro argelino; ela, uma bioquímica brasileira –, Aïnouz se deparou com um momento histórico. “Há um ano, em 22 de fevereiro, começaram a acontecer manifestações espontâneas no país. É uma galera muito jovem, 1 milhão de pessoas na rua, e acabei meio que 'sequestrado' por isso”, diz. A população argelina se levantou contra a possibilidade de um quinto mandato do presidente Abdelaziz Bouteflika.

Os protestos ocorriam sempre às sextas-feiras. “Foi a primeira vez que as pessoas saíram para as ruas depois da Guerra Civil Argelina (1991-2002). Até então, as pessoas só podiam se reunir em estádio de futebol. Comecei a registrar este momento para talvez integrar meu outro filme, mas com as coisas espontâneas acontecendo na rua, vi ali um sopro de esperança. Daí resolvi fazer o filme.” Aïnouz seguiu durante um único dia em Argel a atriz e ativista Nardjes. Estava acompanhado apenas do celular e de um fotógrafo.

O cineasta participa da Panorama dois anos depois de ter lançado o documentário Aeroporto central na mesma mostra. Ainda em Berlim, concorreu ao Urso de Ouro com Praia do Futuro (2014). “É bacana participar da Berlinale, além do mais porque há uma seleção grande de documentários de denúncia. E a gente vê muito pouca coisa da Argélia na mídia”, afirma. Atualmente, ele está montando Argelino por acidente. Esta participação em Berlim será a primeira de Aïnouz num festival internacional desde a infrutífera campanha brasileira para tentar uma indicação ao Oscar de filme internacional. “Foi muito importante participar da campanha. Acho que o que mais aprendi foi como navegar dentro da indústria.”

TV promove retrospectiva
Até 1º de março, último dia do Festival de Berlim, o Canal Brasil exibe filmes que participaram de edições anteriores do festival. Nesta semana, as atrações serão Mãe só há uma (2016), de Anna Muylaret, vencedor do Teddy (prêmio dedicado a filmes de temática LGBT), que acompanha um adolescente não convencional e seu encontro com sua família biológica (sexta, 21, às 23h10); Greta (2019), de Armando Praça, que apresenta Marco Nanini como um enfermeiro gay que tenta ajudar uma artista trans à beira da morte (sábado, 22, às 23h10); e Synonymes (2019), de Nadav Lapid, coprodução entre Israel, França e Alemanha vencedora do Urso de Ouro de 2019 (domingo, 23, às 23h10).

Confira os títulos brasileiros no 70º Festival de Berlim
MOSTRA COMPETITIVA
- Todos os mortos, de Caetano Gotardo e Marco Dutra

MOSTRA GERAÇÃO
- Alice Júnior, de Gil BaroniIrmã, Luciana Mazeto e Vinicius Lopes
- Meu nome é Bagdá, de Caru Alves de Souza
- Rã, de Julia Zakia e Ana Flávia Cavalcanti

MOSTRA PANORAMA
- Cidade pássaro, de Matias Mariani
- O reflexo do lago, de Fernando Segtowick
- Vento seco, de Daniel Nolasco
- Nardjes A.,de Karim Aïnouz (coprodução)
- Un crimen común, de Francisco Márquez (coprodução)

MOSTRA FÓRUM
- Luz nos trópicos, de Paula Gaitán
- Vil, má, de Gustavo Vinagre
- Chico Ventana tambien quisiera ter un submarino, de Alex Piperno (coprodução)

MOSTRA FÓRUM EXPANDIDO
- (Outros) Fundamentos, de Aline Motta
- Apiyemiyeki?, de Ana Vaz
- Jogos dirigidos, de Jonathas de Andrade
- Letter from a guarani woman in search of her land without evil, de Patricia Ferreira
- Vaga carne, de Grace Passô e Ricardo Alves Jr. 

MOSTRA ENCONTROS
- Los conductos, de Camilo Restrepo (coprodução)
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