literatura
Recifense traduz e busca lançar obra de autor francês inédito no Brasil
Por: Juliana Aguiar
Publicado em: 29/01/2020 14:42
Camila Alves, 18 anos, traduziu romance de Pierre Loti, datado de 1850, e procura editora para publicar a obra. (Foto: Acervo Pessoal) |
“Mimada, bem mantida, sufocada pela afeição dos entes queridos, a criança olha tão cedo quanto pode acima dos muros de sua prisão dourada para sonhar com países distantes, com outros lugares inundados de sol...”. Enxergando-se nas primeiras linhas do livro O romance de uma criança, escrito pelo francês Pierre Loti, a universitária recifense Camila Alves, de 18 anos, retirou a obra datada de 1850 da pilha de títulos que seriam descartados por uma livraria em Londres, na Inglaterra, e deu seguimento a uma leitura quase biográfica.
A infância resguardada e acompanhada de perto pelos olhos atentos dos avós levou a jovem a se identificar rapidamente com os escritos do francês. As páginas de língua francesa foram, ao longo de um ano, traduzidas para o português com o intuito de presentear a melhor amiga, Ana Caroline Chaves. O feito da estudante de Letras - licenciatura em português da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) foi destaque nos jornais franceses Sud Ouest e Le Littoral nas últimas semanas. Com todas as páginas já traduzidas, Camila espera agora encontrar uma editora brasileira interessada em editar e publicar o material.
“Quando li o título e comecei a ler logo, pensei que tivesse sido escrito por uma criança, como uma espécie de diário infantil. Eu não conhecia o escritor, mas achei interessante e comprei. Ao longo da leitura, achei a obra extremamente sensível ebonita, então pensei em dar para uma grande amiga. Fui em busca do título nas livrarias e vi que o autor nunca havia sido traduzido no Brasil”, conta Camila, que encontrou o livro enquanto procurava literaturas francesas durante viagem à capital inglesa em janeiro do ano passado.
“Eu fui lendo e sentindo como se o autor conversasse comigo, porque a história dele encaixava na minha. Há um lado místico entre mim e o livro. Eu sempre fui uma criança muito presa, de rédea curta, como costumam dizer. Ele fala sobre isso e brinca sobre ter pais muito mais velhos, como nessa frase: ‘Meu erro foi ter nascido muito novo ao lado de pessoas mais velhas’”, parafraseia a jovem.
Como uma carta de amor à infância, o livro autobiográfico foi escrito por Pierre Loti após a morte prematura de seu filho. Na obra, ele visita a sua história de vida como um saudosismo do que ele queria como a trajetória de seu filho. Nascido em Rochefort, uma cidade protestante e militar no sudoeste da França, Loti queria conhecer o mundo, as colônias francesas e uma centena de países. Pelas imagens e gravuras que encontrava em livretos e quadros, era atraído também pelo Brasil. “Todo mundo que teve uma boa memória familiar, vai se ver no autor. É uma carta de amor à infância, é natural se colocar no lugar do autor e lembrar do que viveu”, pontua Camila.
VIAGEM
Para iniciar o processo de tradução, a estudante viajou por um mês até as cidades francesas retratadas no romance. “Quando cheguei na França, tive dificuldade de encontrar a casa que Loti costumava passar as férias, então mandei e- mail para a prefeitura da cidade Échillais, a 5 km de Rochefort, pedindo as coordenadas e fui surpreendida pela resposta do próprio prefeito Michel Gaillot, que me recebeu e me guiou por todos os locais citados pelo autor ao longo do livro”, conta Camila. De acordo com a jovem, o prefeito ficou surpreso com a iniciativa e a levou para conhecer a casa onde morava Loti, a residência de verão e os manuscritos do livro que estava estudando.
A viagem e o contato com as pessoas da região ajudaram Camila a entender os locais descritos e as expressões da época. “Loti era marinheiro e adorava narrar as suas histórias da marinha para todo mundo ler. Então, ele tinha esse apelo pelas expressões regionais. E isso foi o mais difícil”, ressalta a jovem. Ao longo do processo de tradução, ela encontrou expressões como “hora do cão e do lobo”, que entendeu depois que se refere ao horário em que não é possível discernir entre a sombra de um lobo ou de um cão. Por isso, de acordo com a universitária, foi preciso escrever várias de notas de rodapé.
Confira o prefácio do livro, escrito por Roxane CasaViva:
“O romance de uma criança é mesmo um romance? Não seria ele, na verdade, uma autobiografia? O que quer que seja, essas ‘anotações’ possuem o caráter de serem sinceras. Elas revelam um ser solitário, às vezes sonhador, às vezes tomado de um impulso de vida tumultuado. Esse livro ensina a se interrogar sobre o processo autobiográfico. Ele contém em suas páginas uma escritura que chega a traduzir de forma simples os sentimentos mais difusos da infância.”
Mais notícias
Mais lidas
ÚLTIMAS