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Anos de terrorismo do ETA são revistos por escritor basco

Por: FolhaPress

Publicado em: 15/09/2019 14:47 | Atualizado em: 15/09/2019 14:52

Foto: AFP PHOTO / ANDER GILLENEA

"Pátria", de Fernando Aramburu, tem a qualidade mágica do grande romance europeu do século 19: seduzido pelo modo de narrar, o leitor sente-se dentro das páginas do livro, como se experimentasse as ações e as emoções das personagens e a leitura fosse a própria vida na qual se mergulha sem perceber.

Aramburu nasceu há 60 anos em San Sebastián, capital da província de Guipúzcoa, no País Basco espanhol. Experiente autor de oito romances, quatro coletâneas de contos, cinco de poemas, obras infantis e ensaios autobiográficos, esperou o momento certo para dar seu testemunho em forma de ficção sobre o ETA, o grupo militar separatista, e o trauma que meio século de terrorismo deixou na sociedade espanhola.

"O livro é um projeto que esteve dentro de mim, sem forma definida, por um longo tempo. Os eventos eram tão dolorosos que eu sabia que, mais cedo ou mais tarde, dedicaria atenção literária a eles", conta o escritor, que desde os 23 anos vive na Alemanha.

"Quando o ETA anunciou em 2011 o fim da luta armada, achei que era hora de escrever um romance volumoso, com vários protagonistas. Passei três anos trabalhando duro."
Lançado em 2016, "Pátria" virou fenômeno. Vendeu mais de um 1 milhão de exemplares em espanhol, foi publicado em 29 países e colecionou prêmios. Promoveu debates e fez de Aramburu midiático.

Até o fim do ano sairá na Espanha uma versão em quadrinhos e, em 2020, será exibida a série da HBO baseada no romance. No Brasil, chega às livrarias na quarta (18). O volume apresenta um glossário com palavras em "euskera" e modismos do País Basco.

"Talvez o fator humano explique o sucesso", arrisca. "Enquanto o contrário não for provado, ele constitui a matéria-prima do gênero romanesco."

"O que eu não queria era teorizar ou escrever um tipo comum de livro histórico. Tudo gira em torno das ações, pensamentos e palavras de um elenco de nove protagonistas, cada um com sua conformação psicológica particular, seu modo de se expressar e sua evolução vital ao longo dos anos trágicos do terrorismo."

Em uma das cenas iniciais, uma viúva retorna ao povoado onde nasceu e sobe até o cemitério. Conversa baixinho diante da lápide: "A outra coisa que eu queria contar é que a quadrilha decidiu parar de matar. Ainda não se sabe se é sério ou um truque para ganhar tempo e se rearmarem. O fato de matarem ou não faz pouco diferença para você."

Não há heróis nem vilões. Destacam-se duas mulheres de pulso forte, Bittori e Miren, que lideram suas famílias. Antes inseparáveis, tornam-se inimigas quando Txato, marido da primeira, é assassinado com cinco tiros pelas costas, e as suspeitas recaem sobre Joxe Mari, filho da segunda.

"Não há dúvida de que as personagens femininas desempenham um papel fundamental no meu romance. Os homens causam os problemas, sofrem os infortúnios, e elas têm de resolver as coisas", diz Aramburu.

O autor classifica "Pátria" como "um romance coral". Cada personagem tem uma voz íntima e a sua visão da história, podendo assumir e até interferir na do narrador.

São capítulos e episódios curtos que se sucedem aos saltos, fora da ordem cronológica, para trás e para frente, mas de maneira facilmente compreensível pelo leitor. Nesse aspecto a obra se distancia do modelo do século 19 e se aproxima das sutilezas e ambiguidades da experiência moderna.

"Eu não teorizo nem ensino nada. Não escrevo com responsabilidade científica. Faço o que muitos fizeram antes de mim e outros ainda farão: representar a intimidade do homem", diz o escritor.

Como acontece no Brasil atual, onde famílias brigam e amizades se desfazem num cenário de intolerância política, "Pátria" mostra como o ódio se instala nas relações humanas: "O ódio, que muitas vezes se traduz em agressão, é um dos mais antigos impulsos do homem. 

Não está longe da nossa natureza. Afastar-se progressivamente da condição animal é o que chamamos de civilização", diz Aramburu.

"A democracia não é um modo natural de se conviver. Requer uma pedagogia constante e condições básicas de bem-estar. Se isso falhar, a porta se abre para a lei do mais forte e tomamos a direção de nossa animalidade ancestral."

PÁTRIA
Autor Fernando Aramburu. Trad. Ari Roitman e Paulina Wacht
Editora Intrínseca. R$ 64,90 (512 págs.)
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