O mesmo ocorreu com a novela Por amor, atração do Vale a pena de ver de novo (Globo). A trama de Manoel Carlos também passou de “livre” para “não recomendada para menores de 12 anos”. "É comum isso ocorrer quando novelas são exibidas no período da tarde, não só na Globo, mas com as mexicanas do SBT/Alterosa. Elas são classificadas geralmente “livres” ou “até 10 anos”. Mas, ao longo dos capítulos, constata-se que estão havendo mais cenas de nudez ou de violência, e o ministério as reclassifica para que crianças não tenham acesso a um conteúdo impróprio, sobretudo nesse horário", diz o doutorando em comunicação social pela UFMG Rafael Barbosa Fialho Martins.
Desde que a censura foi extinta pela Constituição de 1988, o Brasil passou a contar com um sistema de classificação indicativa, que informa a qual faixa etária um produto cultural (filmes, programas de TV, jogos) é indicado. A única classificação restritiva é a de 18 anos: mesmo com aprovação dos pais, menores não são permitidos. Patrícia Grassi Osório, coordenadora de classificação indicativa do Departamento de Promoção de Políticas de Justiça da Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), explica que as obras audiovisuais são analisadas levando-se em consideração três eixos temáticos: sexo e nudez, drogas e violência.
Segundo a coordenadora, a análise é feita como um todo, e não somente por partes isoladas, de modo que atenuantes ou agravantes de contexto podem elevar ou diminuir as faixas etárias. Patrícia afirma que não houve mudança na classificação indicativa adotada pelo Ministério da Justiça sob a gestão de Sergio Moro. "Nunca houve qualquer tipo de ingerência por parte de qualquer autoridade nos processos de classificação indicativa, de modo que os processos de classificação indicativa seguem estritamente os critérios técnicos e legais existentes. Todos os critérios, bem como os fatores atenuantes e agravantes, estão previstos no Guia Prático da Classificação Indicativa e na Portaria 1.189, de 3 de agosto de 2018, normativas construídas de forma democrática, com a participação da sociedade civil", diz.
O procedimento de classificação indicativa pode ser feito de duas maneiras. A autoclassificação é atribuída pelo próprio responsável pela exibição da obra, com base nos critérios técnicos definidos pelo Guia Prático de Classificação Indicativa, ficando sujeita ao monitoramento do Ministério da Justiça. "É adotada pelas emissoras de televisão, que inscrevem o processo no MJSP, sem a necessidade, contudo, de enviar, previamente, a obra audiovisual. Após a estreia do programa, haverá o monitoramento pela Coordenação de Classificação Indicativa, que terá até 60 dias para confirmar ou indeferir a classificação pretendida pela emissora", explica a coordenadora. Para as redes de TV aberta, portanto, os pedidos de autoclassificação devem ser referendados pelo Ministério da Justiça.
Análise
A Globo se pronunciou através de uma nota que reforça a orientação do Ministério da Justiça. "A classificação indicativa tem caráter informativo, sendo um instrumento à disposição dos pais ou responsáveis para a orientação das crianças e adolescentes, da maneira que compreenderem mais adequada. No que se refere às obras audiovisuais exibidas na televisão aberta, estas são autoclassificadas e, após o período de monitoramento, o Ministério da Justiça, por meio da Coordenação de Classificação Indicativa, atribui ou não a classificação pretendida, neste último caso, reclassificando-a. No caso de Por Amor, a novela já havia sido considerada “Livre” quando da primeira exibição, pelo próprio Ministério, tendo sido recentemente reclassificada, em razão de novos critérios de aferição da classificação indicativa por aquele órgão.".
"Durante uma cerimônia, Bela Gil experimenta a bebida e diz que foi uma das melhores experiências da sua vida. Ela conta, em detalhes, o que viu e sentiu, motivo pelo qual a ocorrência foi agravada por valorização de conteúdo negativo. Essa cena foi definidora para o aumento na classificação, já que, ainda que inserida em um contexto cultural, é protagonizada por uma não indígena e pode incentivar o uso da droga feita do cipó. Ressalta-se, ainda, que, de acordo com o Guia Prático de Classificação Indicativa, o uso ritualístico de substância alucinógena amolda-se à tendência de droga lícita. Diante do exposto, sugeriu-se classificação indicativa de "não recomendado para menores de 12 anos", afirma.
João Alegria, diretor do Canal Futura, diz que a reclassificação do programa foi recebida de uma maneira muito "tranquila". "É comum existirem diferentes pontos de vista sobre essas questões, e reafirmamos o respeito do Futura à capacidade técnica do Ministério da Justiça, estando aberto a esse processo de mediações e formação de consenso. Nesse caso em especial, a reclassificação não altera a estratégia de programação da série, mesmo porque todos os episódios inéditos já foram exibidos."
Rotina
Ele salienta que a autoclassificação indicativa é resultado de uma construção da sociedade, num processo iniciado nos anos 2000, a partir do entendimento de que a sociedade é corresponsável por algum tipo de gestão sobre o conteúdo a que crianças e jovens têm acesso. "É muito saudável que haja variados tipos de regulação no ecossistema midiático no Brasil, de forma a deixar a sociedade tranquila. O sistema de classificação criou uma régua, um conjunto de parâmetros construídos socialmente, e isso é muito positivo."
Cada faixa de classificação tem uma indicação de horário a ser exibido. Em 2016, uma decisão do Supremo Tribunal Federal determinou que “não há horário autorizado, mas horário recomendado" e declarou inconstitucional o artigo 254 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que estabelece multa e suspensão de programação às emissoras de rádio e TV que exibirem programas em horário não autorizado pela classificação indicativa.
"As próprias emissoras fazem essa regulamentação. Repercutiria muito mal exibir uma cena de sexo ou de violência extrema de manhã ou à tarde, tanto que muitas novelas, como a própria Por amor, foram editadas e tiveram cenas cortadas antes mesmo da reclassificação. É uma questão não só de preservar o público infantil, mas de autoimagem", opina Rafael Barbosa Fialho Martins.
O cinema também tem que passar por essa regulamentação. As distribuidoras de filmes enviam, junto com a cópia da obra para avaliação, uma sugestão de classificação etária desejada. A opinião das distribuidoras e dos avaliadores coincide na maioria dos casos. Episódios de reclassificação são raros. Um desses casos pontuais ocorreu com o longa-metragem Aquarius (2016), de Kleber Mendonça Filho. Inicialmente, o filme foi classificado como "recomendado para menores de 18 anos". Após reclamação dos produtores e do próprio cineasta, que considerou "a classificação injusta, porque apenas filmes com forte conotação sexual recebem o selo de 18 anos, proibido para menores dessa idade", o Ministério da Justiça reavaliou a obra para 16 anos.
Daniel Queiroz, que comanda a Embaúba Filmes, distribuidora sediada em Belo Horizonte, afirma que, nos títulos que lançam, eles seguem a classificação oficial fornecida pelo Ministério da Justiça, mesmo quando a acham um pouco exagerada, e ressalta a importância da classificação indicativa como parâmetro para pais ou responsáveis. "Lembrando que ela é 'indicativa', ou seja, os pais ou responsáveis têm a prerrogativa de decidir por si e levar os filhos para os cinemas (ou permitir que assistam em casa, claro), mesmo que tenham idade menor do que a indicada.
A exceção é para filmes ou espetáculos com classificação 18 anos, pois neste caso ela é impositiva, já que o cinema não pode autorizar a entrada de menores, mesmo acompanhados dos pais", diz.
Duas perguntas para Patrícia Grassi Osório (coordenadora de classificação indicativa do Departamento de Promoção de Políticas de Justiça da Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça e Segurança Pública)
Qual a principal função da classificação indicativa?
No caso da TV, que o 'acesso é digamos mais livre', adianta ter classificação? Ou esse papel de regular cabe aos pais?
Vale ressaltar ainda que o trabalho realizado pela Classificação Indicativa não restringe nenhum conteúdo de ser veiculado, tampouco é de ordem qualitativa ou examina a precisão da informação prestada pelas obras. A livre expressão e a liberdade artísticas são intrínsecas à produção de obras de televisão, cinema, aplicativos e jogos de RPG. Cabe estritamente aos canais de veiculação escolherem o que será transmitido. O processo de classificação indicativa adotado pelo Brasil considera a corresponsabilidade da família, da sociedade e do Estado na garantia à criança e ao adolescente dos direitos à educação, ao lazer, à cultura, ao respeito e à dignidade. Essa política pública consiste em indicar a idade não recomendada, no intuito de informar aos pais, garantindo-lhes o direito de escolha. Para mais informações, recomendamos o acesso ao nosso site: www.justica.gov.br/seus-direitos/classificacao.
Confira quais são as faixas de classificação adotadas pelo Ministério da Justiça
Livre para todos os públicos:
10 anos – Não recomendado para menores de 10 anos:
18 anos – Não recomendado para menores de 18 anos: