Embora seja também tristemente lembrado como marco inicial da 2ª Guerra Mundial, é o período de clássicos absolutos nas telas. "A indústria do cinema vivia um período de ascensão nos anos 1930 e o ápice foi 1939. O sistema de produção em Hollywood ganha força muito grande. Tudo é pensado em larga escala. Os estúdios dominavam o sistema desde a produção, passando pela distribuição, até as salas de exibição.
A vasta produção desse ano caracteriza um amadurecimento da indústria cinematográfica hollywoodiana, que se firmou como um dos mais importantes meios de entretenimento de massa da década de 1930, a primeira do cinema falado. A popularidade dos estúdios, as condições técnicas favoráveis e a grande inventividade dos diretores permitiram o aprimoramento narrativo da linguagem e um apuro estético que marcam o imaginário do público até os dias de hoje. São desse ano os títulos No tempo das diligências, com John Wayne; O corcunda de Notre-Dame, com Charles Laughton; O morro dos ventos uivantes, de William Wyler; Carícia fatal (baseado na obra Ratos e homens, de John Steinbeck); e A mulher faz o homem, de Frank Capra.
Outras duas obras-primas da sétima arte se inserem neste contexto: O mágico de Oz, lançado em agosto de 1939, e E o vento levou, que chegou aos cinemas quatro meses depois. Além de serem do mesmo ano, outras coincidências marcam esses filmes. Os dois foram produzidos pelo mesmo estúdio, a MGM, (apesar de E o vento levou ter contado com a parceria da Selznick International Pictures, do visionário produtor David O. Selznick), foram dirigidos pela mesma pessoa: o consagrado diretor Victor Fleming. (Fleming teve que abandonar as filmagens de O mágico de Oz para trabalhar em E o vento levou. E quem rodou grande parte das cenas foram Mervyn Leroy e King Vidor.)
Além disso, as duas produções se originaram de livros. E o vento levou, de Margaret Mitchell, lançado em 1936, se tornou best-seller. As semelhanças não param por aí. Os protagonistas ficaram imortalizados justamente pelos personagens que interpretaram nesses clássicos: Judy Garland, como Dorothy, e Vivien Leigh e Clark Gable na pele do inesquecível casal Scarlett O’Hara e Rhett Butler.
"São duas superproduções que representam dois gêneros que se desenvolviam na época e que são fundamentais nesse sistema de estúdio de Hollywood: o musical e o melodrama épico", comenta Ana Lúcia Andrade, professora de cinema da Escola de Belas Artes da UFMG. Ela acrescenta que naquele cenário os EUA se solidificaram como polo do cinema industrial exportando e construindo um padrão de narrativa e de realizações de filmes que se tornou referência. "É nessa conjuntura que o cinema se consolida como entretenimento popular que vai se perpetuar, de certo modo, até hoje com uma qualidade ímpar, excelentes interpretações, grandes profissionais sejam atores, diretores, técnicos e que vai influenciar tantas cinematografias ao redor do mundo", frisa.
‘‘Não há lugar como o nosso lar"
"Esse filme foi um marco em vários aspectos. Seja a história, a trilha, os personagens carismáticos, a fotografia e foi um dos primeiros a ter experiência de technicolor. Aquela coisa de começar preto e branco e de repente se tornar colorido foi impactante. A visualidade e a estética dele ainda impressionam", enfatiza Bruno Hilário. Ele ressalta que mesmo sendo uma história de fantasia, o espectador norte-americano se reconheceu ali e conseguia tirar lições para continuar seguindo, apesar do contexto desfavorável. "O universo de esperança que contamina o mundo está presente ali. A icônica frase da Dorothy – "Não há lugar como o nosso lar" – carrega os valores da vida, da família, da casa", diz.
‘‘Afinal, amanhã é um novo dia’’
Retratado no Sul dos EUA do século 19, E o vento levou narra a história da temperamental Scarlett O'Hara (Vivien Leigh), filha do proprietário de uma plantação, e sua perseguição romântica a Ashley Wilkes (Leslie Howard), que é casado com a prima dele, Melania Hamilton (Olivia de Havilland, aliás, única do elenco ainda viva e que completou 103 anos no começo de julho), e seu casamento subsequente com Rhett Butler (Clark Gable). A história se passa durante a Guerra de Secessão e da reconstrução dos Estados Unidos, e é contada a partir da perspectiva dos sulistas brancos.
"Ainda é a maior bilheteria do cinema se você atualizar os números para os dias atuais. O longa é um épico e tem um arco dramático incrível; talvez um dos mais bem construídos da história do cinema. Tem um personagem feminino extremamente forte, tanto que deu a Vivien Leigh o seu primeiro Oscar. Foi um filme grandioso em tudo, mas acredito que aquele modo de estrutura não seria mais viável hoje em dia. No entanto, sem a experiência de produções como E o vento levou não teríamos Titanic, Avatar ou Vingadores", frisa Bruno.
Racismo explícito
A pesquisadora ressalta que há sim uma discriminação mesmo que velada em E o vento levou e que Hollywood tentava parecer politicamente correto e liberal – assim como toda a América –, mas só até a "página 2". "Não acho que seja um filme tão racista como O nascimento de uma nação, por exemplo. Mas os negros em E o vento levou poderiam ter uma expressividade e um valor diferenciados. O filme não aborda com a dignidade que seria preciso. Se ele fosse feito hoje, certamente seria revisto", opina Ana Lúcia.
5 curiosidades
O Mágico De Oz
2 - Diferentemente dos filmes de hoje, que usam e abusam dos cenários em CGI, O mágico de Oz foi todo rodado num gigantesco estúdio. O set de filmagens era tão grande e detalhado que a MGM usou nove câmeras para rodar o longa. Muitas delas, aliás, eram escondidas em árvores, arbustos e vasos, para fazer close-ups e takes mais fechados.
3 - Na época em que foi rodado, a tecnologia não ajudava e os diretores e produtores precisavam ser extremamente criativos. Assim, para fazer o furacão do início do longa – que leva a casa de Dorothy (Judy Garland) para Oz –, a equipe responsável pelos efeitos especiais usou uma meia-calça para dar vida ao tornado.
4 - Uma lenda que envolve o filme é uma possível relação entre as cenas com o disco The dark side of the moon, da banda Pink Floyd. Algumas pessoas asseguram, inclusive, que se ouvirmos o disco ao mesmo tempo em que assistimos ao filme, as cenas e as músicas se encaixam perfeitamente.
5 - Por muito pouco o personagem do Leão Covarde não foi interpretado por um animal real. A MGM queria muito usar o leão símbolo do estúdio como protagonista e que fosse dublado, tendo uma participação reduzida. A ideia acabou não vingando e, então, o ator Bert Lahr entrou em cena. A fantasia usada por ele era feita de pele de leão e pesava 90 quilos.
E o vento levou
2
- Apenas o segundo pedido foi atendido, mas a estatueta já não se encontra mais na universidade. O troféu está sumido desde o começo dos anos 1970 e várias teorias rondam sobre seu paradeiro, como a de que um grupo de estudantes teria pego o prêmio, que estava exposto no departamento, e jogado no Rio Potomac em protesto contra o assassinato de Martin Luther King Jr., em 1968.3
- Em 2011, a historiadora W. Burlette Carter conduziu um estudo de um ano e meio para tentar descobrir o paradeiro do Oscar de Hattie. Uma das conclusões é de que o troféu apenas foi guardado e está "perdido" em algum lugar nos arquivos dentro ou fora da universidade. Carter ainda descobriu que a universidade não tem nem mesmo um registro sobre ter recebido a estatueta.4
- Foram entrevistadas 1.400 atrizes para o papel de Scarlett O’Hara: o maior teste de atrizes da história do cinema. Dessas, 400 foram selecionadas para fazer uma audição. Gastaram-se US$ 92 mil para o penúltimo teste, com as 90 atrizes classificadas. Duas foram escolhidas para a seleção final: Paulette Goddard e Vivien Leigh, que acabou ficando com a personagem que a imortalizou.5
- Entre as atrizes cotadas para o papel estavam grandes estrelas de Hollywood, como Katharine Hepburn, Joan Crawford e Bette Davis, que chegou a ser convidada, mas recusou por achar que teria que contracenar com Errol Flynn, que terminou também não fazendo parte do elenco.