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Filmes nacionais recém-lançados testam comunicação com traços autorais

Publicado em: 01/07/2019 09:33 | Atualizado em: 01/07/2019 14:51

Paulo Sacramento, ao lado do ator Rodrigo Lombardi. Foto: Victor Alexis/Divulgação

A crise é efetiva e não apenas monetária quando o assunto é cinema brasileiro, e abarca o contato com o público e a capacidade de criação. “Estamos empobrecendo o horizonte da produção nacional. Apostamos, com o filme O olho e a faca (em cartaz), num produto que não existe mais, o tal do filme médio. Hoje em dia, se tem o filme de nicho, muito pequeno, ou, noutro extremo, se aposta nos filmes gigantes que entraram com 200, 300 cópias”, explica o diretor Paulo Sacramento, na condução do terceiro longa. O lançamento de O olho e a faca foi em 14 salas de cinco cidades. A fita aborda o cotidiano de um homem ausente, racional, pragmático e talhado para trabalhar numa plataforma petrolífera. O papel é vivido por Rodrigo Lombardi.
 
Partidário da época em que os cineastas se desdobravam em várias funções (fotografia, produção, montagem e roteiro), Sacramento percebe “que o mundo mudou, muito rápido”. Antes de restrições no público (há por volta de mil espectadores para cada título mais modesto do cinema nacional), o diretor viu 30 mil pagantes se interessarem, por exemplo, pelo documentário O prisioneiro da grade de ferro e 140 mil pagarem para ver Amarelo manga, produzido por ele.
 
Repensar o tempo do fluxo para as realizações — “os filmes demoram muito tempo para serem feitos”, opina — e a dura realidade atual de divisões de horários com outros filmes em cartaz nos cinemas embaça o campo para os filmes menores. “Hoje em dia, se tem dois horários: um à noite e outro, no meio da tarde, que não rende nada significativo de público. Como os números mostram, e apostamos num público de 10 mil pessoas, o mercado está muito complicado. Filmes de arte, ou não, têm trazido elementos misturados. Antes, eu fazia filmes mais radicalmente experimentais. Este de agora é um longa mais aberto; poderia ser lançado de uma maneira maior. Tem elenco (Caco Ciocler e Maria Luisa Mendonça) que rende mais visibilidade”, explica Sacramento.
 
Escolado na troca de conhecimentos com demais diretores que trabalhou, em lista que inclui propagadores de filmes com teor mais artístico, caso do pernambucano Cláudio Assis, José Eduardo Belmonte, Anna Muylaert e Sérgio Bianchi, Sacramento experimentou, com o novo filme, complicações logísticas e redesenhou estratégias e mecanismo para um cenário modificado. “Há uma cobrança para que todos os filmes tratem dos mesmos assuntos e que, claro, são importantes: a questão feminina, negra, LGBT. Mas não é interessante que todos os filmes tenham que passar por este caminho. A proclamada diversidade tem que ser respeitada. É possível fazer um filme também sobre o universo masculino. Isso também estimula discussões e reflexões”, comenta, ao defender o caos na vida do personagem Roberto, isolado numa plataforma de petróleo e com relações fragilizadas.
 
Mulheres anuladas 
 
Para Paulo Sacramento, há quem se incomode com o espaço que as mulheres têm no universo do protagonista. “É importante mostrar um personagem que traga uma relação afetiva muito tênue. Isso é mostrado na relação com a mãe, com a esposa e com a amante. A miopia dele vai crescendo. Nas grandes perdas é que Roberto percebe a realidade afetiva que deixou de construir”, observa o realizador, que fez o roteiro ao lado de Eduardo Benaim.
 
Escrito há 13 anos, o filme guarda semelhanças com a série Ilha de ferro. “Ninguém tem exclusividade das ideias: há produtos e públicos bem diferentes. Na série, há explosões, brigas, sendo mais de mercado; tem helicóptero caindo na água, mais no estilo americano”, comenta.
 
Apoiado numa coprodução, O olho e a faca teve orçamento de R$ 4,5 milhões. “Na televisão, o filme terá milhões de espectadores. Pensávamos em ter 100 cópias, mas os espaços estão acabando. Para a meta, teríamos que trocar o roteiro, trazendo um filme totalmente de mercado, com linguagem mais facilitada, e bem distante de um puro sangue de arte”, conta o realizador. Dos esforços, ao menos, o diretor pode se gabar: foram 14 dias de filmagens em alto-mar e transporte de 22 profissionais, em helicópteros, por 40 minutos, rumo ao horizonte da plataforma das filmagens.
 
Duas perguntas // Gabriel Mascaro, diretor 

Ser autoral, como você em Divino amor, requer coprodução internacional? 
Coprodução traz soma de forças. Viabilizar e possibilitar um intercâmbio criativo são as premissas. Quanto a assegurar marca do que seja autoral é difícil. Vemos uma falta de clareza nas políticas públicas dentro da administração recente. Fizemos um filme sem concessões, com liberdade total de criação.

Divino amor pode soar à provocação a igrejas?
As pessoas nem assistem ao filme e já partem para um debate de o que ele seja. Antes de se confrontarem com o filme, já definem o que ele é. Falam em distopia; mas, na verdade, a personagem central vive uma utopia. Ela acha que o mundo pode ser bom se houver mais religião no Estado. Deposita esperança nele. Não julgamos a visão do personagem. Não consigo pensar, calculadamente, em público. Fiz um filme de coração aberto. Prevalece a visão humanista de uma mulher que quer pertencer a grupo de fiéis da Igreja e ter uma família completa. Queremos nos comunicar.



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