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Livro de fotógrafo pernambucano expõe 'modernização urbanística' desordenada do Recife

Boa Viagem. Ao fundo, centro da cidade. 2016

O fotógrafo pernambucano Fred Jordão nasceu no Recife e, quando criança, foi morar em Porto Alegre e depois em Brasília. Retornou para a capital pernambucana com 21 anos, deparando-se com a deterioração de ícones arquitetônicos da cidade de sua infância. Fred passou a se dedicar à fotografia de rua, inclusive sendo repórter fotográfico do Diario de Pernambuco por algum tempo. Durante 30 anos, captou as transformações urbanísticas aceleradas do território, realidade comum nas grandes cidades da América Latina. Parte dessa produção agora está catalogada no fotolivro Recife (Cepe, 192 páginas), cuja narrativa procura lançar luz sobre esse "processo de modernização". O lançamento será nesta terça-feira (7), às 18h, no Bar Central, em Santo Amaro.

O livro é composto por 175 fotos que trazem certa beleza paisagística do Recife, mas também expõem como a “Veneza Brasileira” passou a ganhar apelidos vexatórios, a exemplo de “Hellcife”. Os professores Luiz Amorim e José Afonso Jr. assinam os prefácios. "A publicação de livros é um grande objetivo meu. A princípio, a ideia era reunir vários ensaios sobre o Recife”, diz Fred Jordão, que já expôs em sete mostras individuais, 13 coletivas e publicou sete livros, em parcerias com outros fotógrafos. 

Rua Velha, Boa Vista. 2014

Ele também já organizou uma exposição de Alcir Lacerda, importante fotógrafo recifense, e recentemente escreveu sobre a obra fotográfica de Lula Cardoso Ayres. Com o tempo, percebeu como aquele Recife capturado por esses nomes canônicos já não existia mais. "Tive a ideia de embaralhar esses ensa ios em outra narrativa, em que eu pudesse apresentar esse Recife contemporâneo do século 21. Trabalho com lugares que julgo serem particulares da cidade, ícones e signos, capturando essas transformações. Podemos perceber que alguns desses ícones estão sendo abandonados, rejeitados e esquecidos, ao mesmo tempo em que outros surgem”, continua o autor. 

O trabalho é divido em três partes. A primeira tem enfoque no mar. "Muitos historiadores afirmam que a trajetória do Recife surge pelo mar, então começo o livro por ele. Depois entramos nos lugares da cidade, suas paisagens. Por fim, temos as pessoas. Pessoas que não são famosas, mas que traçam esse conteúdo identitário da cidade. Pessoas do entorno do Mercado de São José, vendedores ambulantes, índios que trabalham em lugares como padarias", explica Fred. 

Como a intenção é exibir e refletir sobre transformações, duas áreas da cidade acabam tendo maiores enfoques: a Zona Sul, com seus edifícios e arranha-céus bastante similares, e uma região central "evacuada", sobretudo bairros como Santo Amaro, Boa Vista e São José.

Bacia do Pina. 2014

"A principal mudança urbanística do Recife nos últimos 30 anos talvez tenha sido justamente o abandono do Centro em detrimento aos prédios da Zona Sul. Isso acaba aparecendo bastante porque é a realidade. As fotos não foram feitas nessa intenção, mas é papel do fotógrafo estar pensando a cidade, refletindo sobre. Existe um processo de transformação muito ágil que é destrutivo em ambos os lados. Boa Viagem se tornou um lugar incrivelmente adensado, com consequências para o f luxo de pessoas e vários problemas ecológicos. Isso enquanto a memória da cidade vai se perdendo, ficando no passado. Os movimentos econômicos e sociais têm um poder muito grande nesse sentido, relegando algumas áreas a uma situação de penúria”, avalia o fotógrafo.

Obra levantar questões atuais

Obra será lançada hoje, em evento no Bar Real, em Santo Amaro O debate que o livro levanta, além de ser bem recente na América Latina, inevitavelmente traz à tona o caso do Cais José Estelita, no qual o consórcio Novo Recife, formado por grandes construtoras da cidade, comprou em leilão a área da antiga Rede Ferroviária Federal (RFFSA) para a construção de grandes prédios residenciais. Fred Jordão não colocou nenhuma imagem dessa área justamente para o livro não ser taxado como um “panf leto” do Movimento Ocupe Estelita, contrário à proposta. Para o fotógrafo, o teor do livro já diz bastante sobre o episódio e o posicionamento do autor.


“Fala-se muito do Estelita, mas em um passado recente existia uma ideia de construir vários viadutos na Agamenon Magalhães, algo que espantou muitos urbanistas e só não foi feito porque não tinha dinheiro. Também temos as constantes reformas da Avenida Conde da Boa Vista, sempre buscando solucionar defeitos de projetos anteriores. São episódios que mostram a transformação muito acelerada e que não damos conta do problema. Precisamos pensar a cidade de forma mais humana. A curto prazo, já temos uma dinâmica terrível, imagina no futuro? A narrativa do livro questiona: que Recife é esse de agora e para onde ele vai? Quais as implicações? Espero que essa visão autoral abra porta para os outros artistas também trabalharem em cima disso."

Confira mais fotos:

Bairro do IPSEP. 2010

Conde da Boa Vista. Praça da República. 1989

Capa de Recife, pela Cepe.

SERVIÇO
Lançamento de Recife, de Fred Jordão
Quando: nesta terça-feira (7), a partir das 18h
Onde: Bar Central (Rua Mamede Simões, 144, Santo Amaro)
Valor do livro: R$ 90 (impresso) e R$ 27 (e-book)

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