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Conheça Transalien, multiartista pernambucana que abrirá show de Azealia Banks no Recife

Referência na luta pela inserção do público trans, Ana Giselle tem ganhado destaque ao apostar na sinestesia das linguagens artísticas

Publicado em: 05/11/2018 09:55 | Atualizado em: 08/06/2020 00:15

A multiartista e produtora cultural dá vida à Transalien, uma identidade 'pós-humana'. (Foto: JE AN/Divulgação)
A multiartista e produtora cultural dá vida à Transalien, uma identidade 'pós-humana'. (Foto: JE AN/Divulgação)


A sociedade fez Ana Giselle entender que era um “corpo estranho” antes mesmo que ela pudesse compreender que era, na verdade, uma travesti. “Nunca me senti pertencente deste mundo, tanto nas ideias, quanto em crenças ou convicções mundanas. Me sinto uma estrangeira em qualquer lugar onde esteja que não o meu ninho ou ao lado de minha mãe”, diz a pernambucana. Ao passar dos anos, esse sentimento de “mochileira” em terra de estranhos encontrou uma necessária válvula de escape: a arte. 

Hoje, a multiartista e produtora cultural dá vida à Transalien, uma identidade "pós-humana" que se baseia no senso errôneo de "anormalidade" das pessoas trans para construir uma figura que articula artes sonoras, visuais, teatrais e performáticas de forma potente, além de levantar questões políticas. "A ideia é ressignificar esse pressupostos equivocados de abjeção do que é incomum, estranho, feio, sujo, impróprio. Todos esses signos ditos errados ou proibidos. É sobre construir um corpo livre de padrões e cis-normatividades", diz a artista.

Atualmente, Ana vive na capital paulista, onde participa do Coletividade Námíbià, um coletivo de artes visuais e música eletrônica que procura aumentar a visibilidade da produção artística negra no país, garantindo reconhecimento e remuneração justa para o grupo. No dia 15 de novembro, aterrissa em Pernambuco com a nave de Transalien para abrir o show da rapper norte-americana Azealia Banks, uma prévia da 15ª edição do Festival No Ar Coquetel Molotov no Baile Perfumado - a edição oficial será no dia 17 de novembro, no Caxangá Golf Country Club.

 (Foto: JE AN/Divulgação)
Foto: JE AN/Divulgação


No Recife, a trajetória de Ana Giselle com a arte começou em 2014, quando foi convidada pelo produtor Nuno Pires para ser DJ na festa pop Carola, popular entre a comunidade LGBT+ recifense. Mesmo tímida, a pernambucana aceitou o desafio. “Não era uma ambição me tornar DJ ou conhecida na noite, mas acabou dando tão certo que, na mesma semana, fui chamada para tocar em outras duas festas. A partir dessa porta, estou aqui até hoje”, explica a artista, que acredita ter se destacado pelo seu jeito peculiar e “estranho” de ser.

Ao crescer no país conservador que mais mata pessoas LGBTs no mundo - segundo  sondagem da entidade Grupo Gay da Bahia (GGB) -, a identidade desconforme de Ana a fez conhecer de perto a violência e a discriminação. “Sou travesti e a nossa existência no Brasil por si só já é um ato político. Logo, minha arte é tão política quanto meu corpo, pois é toda pautada na resistência de um corpo que nasceu para morrer, mas sobrevive sendo e fazendo arte.” 

No palco, Transalien tem cativado o público da noite paulista ao fugir de categorizações convencionais, até mesmo a de “performer”. Ela parece apostar em uma espécie de apreciação do mistério e da sinestesia das linguagens. “Assim como todos, estou num processo de busca e autoconhecimento contínuo que só vai parar quando eu morrer. Até lá, estou incansavelmente procurando novas formas de existência, profissional e pessoal”. Na hora de mapear referências, cita Elke Maravilha, a cantora islandesa Björk e a artista visual pernambucana Maura (@aoruaura). “São artistas tão livres quanto eu.”

Entrada gratuita para público trans
 (Foto: Transalien/Divulgação)
Foto: Transalien/Divulgação


Como produtora, o feito notório de Transalien foi estimular a implantação da lista transfree (trans livre) em festas destinadas ao público LGBT . O propósito é reparar, ainda que paliativamente, problemas de inserção dessa população em espaços pagos de lazer e entretenimentos. A política foi criada no Recife em 2015 por Ana e mais três amigas travestis: Maria Clara Araújo, Ana Flor Fernandes e Mayara Cajueiro. “Pensamos, primeiramente, em acessibilidade. Sobretudo para que produtores usassem de seus privilégios para oferecer oportunidades reais de permanência e emprego para a população T nesses espaços. É uma política sobre inserção de corpos que, historicamente e contextualmente, não conseguiriam habitar determinados espaços, e não sobre isenção de um ingresso”, explica.
 
Em março, Ana levou o transfree para a conhecida festa Mamba Negra, dando início a uma nova fase de presença de pessoas trans em eventos pelo país. "Recebi mensagens de produtores de todo Brasil pedindo consultoria. Desde então, a adesão da política tem sido cada vez mais frequente não só em festas, mas também shows, festivais e diversos eventos, o que me deixa extremamente feliz e orgulhosa.” O Coquetel Molotov, por exemplo, é um dos festivais que aderiram à política. Nesta edição, ainda contará com ações da startup social Todxs e da ONG Gestos, ambas voltadas à conscientização da população LGBT .

Para Ana Giselle, abrir o show para Azealia Banks, uma das rappers mais famosas do mundo, é como um ciclo que se completa. “Estando há um ano em São Paulo, passando por diversos festivais, é realizador voltar para minha cidade para o palco do primeiro festival que participei em 2016 e que frequento desde 2013. Sobretudo abrindo o show para uma artista que sempre esteve conectada comigo, seja em sets ou performances marcantes da minha carreira.” 

Serviço
Show de Azealia Banks e Transalien, em prévia do Coquetel Molotov
Onde: Baile Perfumado (Rua Carlos Gomes, 390, Prado)
Quando: 15 de novembro, às 21h.
Quanto: R$ 200, R$ 140 (meia social, levar 1kg de alimento não-perecível), R$ 100 (meia), à venda no site Sympla.
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