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A Rainha da Pop comemora seis décadas de vida e segue quebrando tabus

Após ser alvo de críticas por levantar bandeiras progressistas durante sua carreira, Madonna agora enfrenta preconceito por continuar na ativa aos 60 anos de idade

Publicado em: 16/08/2018 08:10 | Atualizado em: 17/08/2018 08:52

Seus álbuns, clipes e turnês ajudaram a criar a cultura popular massiva como conhecemos hoje. Foto: Madonna/Divulgação


O cotidiano no subúrbio de Detroit, no Michigan, era como uma coerção ao espírito criativo e rebelde da jovem Madonna Louise Ciccone. No verão de 1978, aos 20 anos, ela fez as malas e, só com US$ 35 no bolso, embarcou para Nova York com a pretensão de ganhar o mundo. E conseguiu. Nesta quinta-feira (17), a Rainha do Pop completa 60 anos, carregando o título de artista feminina mais bem-sucedida da história da música. Foi a que mais vendeu discos (300 milhões de cópias) e a que mais lucrou em turnês (US$ 1,31 bilhão), de acordo com a Billboard. 

Seus álbuns, clipes e turnês ajudaram a criar a cultura popular massiva como conhecemos hoje. Madonna também usou de sua visibilidade midiática para lutar contra o sexismo, a homofobia e estimular algumas importantes transformações sociais na segunda metade do século 20.

Uma vez em Nova York, a descendente de italianos passou quatro anos perambulando por salões de danças - inicialmente, seu sonho era ser bailarina - e clubes noturnos até conseguir sua primeira gravação, como conta Lucy O’Brien na biografia Madonna 60. O disco que marcou sua estreia, Madonna (1983), teve repercussão nas boates com os singles Everybody e Lucky star. Seu timbre singular e as batidas do pós-disco podiam até despertar curiosidade do público, mas não tanto quanto seu visual: cabelo embaraçado, maquiagens fortes, trajes punk e com lingeries à mostra.



O jornalista e crítico cultural pernambucano Talles Colatino conta como a cantora causou estranhamento na mídia e no público. “Madonna era a cara de Detroit, cidade onde cresceu e berço de uma cultura influenciada pela cena punk, marcada pelo capitalismo industrial. Ela cantava sobre as expressões culturais da cidade (Everybody), sobre a influência do capitalismo nela (Material Girl) e se conectava com os adolescentes através da moda urbana. A mídia massacrou a ausência do seu virtuosismo musical, mas os canais pelo qual Madonna provaria sua pertinência seriam outros e estão sendo provocados até hoje: suas personas.”

A cada disco, a cantora aparece com novo comportamento, aparência e musicalidade, também aproveitando desses personagens para quebrar tabus. Em Like a virgin (1984), ela explora a questão da virgindade. No clipe, aparece vestida de noiva, enquanto simula movimentos sexuais. Em Like a prayer (1989), traz a estética católica para o universo pop e, no vídeo da faixa-título, beija um santo negro e canta rodeada de cruzes pegando fogo. Provocou a ira da Igreja Católica e foi excomungada pelo Papa João Paulo II.



Houveram outras controvérsias, como o disco Erotica (1991), projeto com forte apelo sexual, e o American life (2003), disco feito para criticar Guerra ao Terror promovida por George Bush no Oriente Médio. Em ambas ocasiões, foi rechaçada pela mídia e pelos conservadores. Mesmo assim, sempre conseguiu reconquistar o público se reinventando. 

“Madonna soube, melhor que ninguém, se aproveitar das contradições da sua imagem para se fixar no imaginário da cultura pop. Ela se aproximava de uma parcela da população pelos mesmos motivos que a afastava de outra”, diz Talles.

A ideia de que Madonna usou da arte para levantar bandeiras políticas é reforçada por Mariana Lins, pesquisadora em cultura pop e mestre em Comunicação pela UFPE. “Ela tem uma ligação muito forte com uma estética queer, que contribuiu muito para a discussão de questões ligadas ao universo gay daquela época. Também conseguiu trazer a questão da liberdade feminina com mais ousadia”, diz, destacando como exemplo o livro Sex. “Ela teve a ousadia de colocar seu corpo a serviço de discussões, mesmo correndo o risco de jogar a carreira no lixo.”

Talles, por sua vez, destaca o álbum Confessions On A Dance Floor (2005) como última grande expressão estética da cantora. No projeto, ela traz a dance music retrô para o contexto pop dos anos 2000. "Uma mulher de meia idade, de collant rosa, eternizando uma ode à disco music, sem soar saudosista ou antiquada. Uma grande crítica ao tempo ("time goes by so slowly for those who wait/ no time to hesitate"), uma reflexão contundente sobre envelhecer. Falando do passado sem soar complacente".



O ATUAL TABU
Hoje, Madonna causa incômodo justamente pelo tempo: continua na ativa aos 60 anos. "Existe um estranhamento no envelhecimento de Madonna, porque ela coloca um corpo completamente abjeto para a cultura pop, que glorifica a juventude o tempo todo”, diz Mariana, que atualmente realiza uma pesquisa intitulada O Envelhecimento Como Incômodo na Música Pop - sua tese de doutorado.

Talles reforça que, apesar de sua faixa etária, a cantora tem mostrado almejar um público jovem. “Vimos, nos últimos discos (MDNA e Rebel heart), Madonna realizar várias parcerias com artistas jovens, que estão no topo da Billboard, e que se beneficiaram muito mais dela do que ela deles. Há um público fiel que a acompanhará até o fim. O desafio está na renovação desse público.”

Para Mariana Lins, por enquanto, trajetórias da música pop têm sido curtas e breves, mas Madonna sempre foi regular o tempo inteiro. "Ela nunca parou, nunca foi embora. E isso nunca aconteceu na música pop.” De fato, Madonna não quer parar. Está trabalhando em um novo álbum com influências de fado e kuduru. Aos 60 anos, ela continua tão rebelde quanto aquela garota que deixou Detroit em 1978.

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