Após dar uma pausa de oito anos na produção de trabalhos autorais para percorrer o país com as turnês Brasil a fora e 30 anos de estrada, os Paralamas do Sucesso se reuniram em estúdio no começo de 2017 para gravar um novo disco de inéditas. Naquele período, as denúncias que expuseram a corrupção de nomes da política nacional deram um ar de esperança para os músicos. Como forma de traçar um rastro de otimismo diante de uma época pessimista, eles batizaram o álbum de Sinais do sim. "A gente está precisando virar o jogo e a ideia é que vamos conseguir depurar isso”, conta o baterista João Barone. A faixa homônima que abre o álbum é uma canção de amor que fala justamente sobre acreditar em algo melhor. “Não tem outro país para a gente sair correndo, não pode ser assim. Temos que deixar um melhor para os nossos”, diz o artista.
Lançado em agosto do ano passado, o trabalho acabou fazendo uma espécie de apanhado do legado do grupo: conta com uma pegada mais roqueira, discursos românticos, engajados, passeando por influências latinas e experimentalismos. A turnê do álbum vem ao Recife neste domingo, com um show no Teatro Guararapes (Avenida Professor Andrade Bezerra, Salgadinho, Olinda), às 19h. Herbert Vianna (voz e guitarra), Bi Ribeiro (baixo), João Barone (bateria e vocais), João Fera (teclados), Bidu Cordeiro (trombone) e Monteiro Jr. (sax) apresentarão um repertório que equilibra as músicas novas com as antigas, a exemplo de Óculos, Aonde quer que eu vá, Lanterna dos afogados, entre outros clássicos de uma banda que já possui mais de três décadas de estrada.
A longeva trajetória, sem dúvidas, cria certa expectativa do público e da crítica com os lançamentos inéditos. Apesar disso, os Paralamas não possuem a intenção de competir com a própria obra. "O que a gente conseguiu anteriormente não se iguala a qualquer coisa que a gente venha a fazer. É uma outra época, um outro momento histórico", admite Barone, que compõe o grupo desde sua gênese. "Temos uma espécie de legado sonoro e uma carta branca para explorar as nossas várias matrizes estilísticas. É o que se reconhece do som dos Paralamas, fazemos isso com o mínimo de ambição artística, nunca tivemos a premissa de fazer música de 'qualquer jeito'".
MEDO DO MEDO
Em Sinais do sim, a faixa que mais explora o potencial "engajado" do disco é Medo do medo, originalmente lançada pela rapper portuguesa Capicua. Os Paralamas fizeram uma nova interpretação da música, adaptando para o português brasileiro com um tom de pós-punk - segmento que foi moda nos anos 1980. Para Herbert, ficou o desafio de cantar a letra quilométrica nos shows. "Ouve o que eu te digo, vou te contar um segredo / É muito lucrativo que o mundo tenha medo", diz um dos trechos da composição, que aborda a forma como o medo é explorado na política, no comércio e em outros alicerces do mundo contemporâneo.
"Gravamos a música por que estamos vivendo, de fato, uma época de medo. É um cenário muito desconfortável, da eleição do Trump, da xenofobia, com grandes potências que continuam fazendo guerra. No Brasil, com toda essa violência, chegamos a ver pessoas usando o medo para surgir com o discurso de 'salvador da pátria'. É um retrato bem atual", explica Barone. O músico ainda afirma acreditar que o país vive uma "guerra não declarada". "Morrem 60 mil pessoas por ano e tá todo mundo fingindo que não tem nada acontecendo. Tem momentos que fingem resolver, como estão fazendo agora. É um negócio tipo assim: 'Temos um problema, então vamos criar um ministério!'. É muita falta de vontade política", diz ele, em referência à criação do Ministério Extraordinário da Segurança Pública por Michel Temer.
O ROCK NÃO MORREU
Ao usar o rock para denunciar uma crise global, os Paralamas resgataram uma característica que sempre acompanhou o gênero. Nos anos 1960 e 1970, quando era o "ritmo da moda" entre os jovens, o rock tentava ser uma espécie de válvula de escape para a tensão social. Os rockeiros norte-americanos, por exemplo, criticavam a Guerra Fria, enquanto os brasileiros tentavam burlar a ditadura militar. Atualmente, mesmo com diversas crises ao redor do mundo, é possível afirmar que o gênero musical perdeu expressão nas paradas musicais, com uma menor adesão das novas gerações - segundo um relatório da Nielsen Music, o gênero mais ouvido nos EUA atualmente é o hip hop.
Para João, essa perda de popularidade se deu devido a um momento representativo da nossa sociedade, que se encontra com um sistema musical mais democrático. "Antes, havia um predomínio do que a classe média queria dentro dos canais midiáticos. Naquele tempo, o jornal que o povo lia era o mesmo que esmagava e saia sangue [risos]. Hoje a música sofreu uma democratização por causa da internet, o modelo das gravadoras sucumbiu. É muito fácil gravar em casa. Assim, os ritmos das classes C e D se tornaram consumidos por uma parcela muito mais significativa da sociedade", analisa.
Apesar disso, ele ressalta que o rock continua, mas "no formigueiro dele": "Continuamos fazendo nossos shows, vemos que funciona. A sobrevivência se dá no bom sentido. Skank, Nando Reis, Titãs, Nação Zumbi e outras muitas bandas que vieram depois da gente continuam ganhando seu peixe da forma mais edificante possível".
Os Paralamas do Sucesso
Onde: Teatro Guararapes (Avenida Professor Andrade Bezerra, S/N, Salgadinho, Olinda)
Quando: Domingo, às 19h
Quanto: R$ 160,00 (plateia), R$ 80 (meia), R$ 120 (balcão) e R$ 60 (meia), à venda no site www.compreingressos.com
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