Diario de Pernambuco
Busca

Celebração

No aniversário do Recife, artistas propõem como a cidade poderia ser retratada pela arte em vários formatos

Capital pernambucana completa 481 anos neste 12 de março

Publicado em: 12/03/2018 15:30 | Atualizado em: 12/03/2018 15:34

Silvério, Augusta e Romero: várias histórias para o mesmo Recife. Foto: Arquivo/DP
 
Se for para ser justo com a complexidade da capital pernambucana, é preciso falar do Recife sempre no plural. São muitas as cidades a serem celebradas neste dia 12 de março, aniversário de 481 anos: a “manguetown” de Chico Science, a “menina dos olhos do mar” de Lenine, a “cidade lendária” de Capiba, o “paraíso tropical” de Reginaldo Rossi. Tem a Zona Sul dos filmes de Kleber Mendonça Filho, a periferia registrada por Cláudio Assis, a cena brega traduzida por Renata Pinheiro e Sergio Oliveira. Infindáveis Recifes, palcos de expressões as mais diversas. 

Siga o Viver no Instagram 

Provocados pela reportagem, artistas de várias linguagens imaginaram um Recife particular para ser retratado pela ficção. O escritor Raimundo Carrero frisou o viés boêmio do município, hoje “um tanto enfraquecido” (será?). O artista plástico Romero de Andrade Lima ressaltou a beleza da cidade, relembrando o afeto com o qual a “cidade-musa” tem sido retratada por pintores desde o tempo do holandês Frans Post (1612-1680). Já o cantor Silvério Pessoa resgatou uma composição própria para descrever o “ruge-ruge” recifense, que ganharia um ar pós-apocalíptico no filme imaginado pela cineasta Adelina Pontual.

Bar Savoy foi resgatado por Raimundo Carero. Foto: Arquivo/DP


Nas letras
O RECIFE de Raimundo Carrero, escritor
O Recife reclama uma noite mais ampla e mais aberta porque anda muito fechada a grupos e tribos, sem abertura para a diversidade boêmia, fechando-se em círculos e situações. Bares noturnos reclamam vida solta, com personagens e movimentos. Com o desaparecimento do Bairro do Recife, e dos pontos de encontros na Boa Vista, Santo Antônio e São José, o Recife perdeu o som da madrugada, seus encantos e seus mistérios. Entre as décadas de 1960 e 1980, a vida noturna encolheu. Por este tempo era possível entrar na noite com um chope no Savoy, alguns uísques no Canavial, com direito a uma noite com música e cantores nacionais na Boite Rosa Amarela, que funcionava na cobertura do Jornal do Commercio, esticando o amanhecer para namoros com pouca roupa nas praias do Pina, Boa Viagem ou, em caminho inverso nas ladeiras de Olinda, com direito a maracatu e caboclinho, seguidos de feijoadas e sopas de cebola.

Obra de Frans Post é citada no texto de Romero de Andrade Lima. Foto: Wikimedia/reprodução


Nas cores
O RECIFE de Romero Andrade Lima, artista plástico
O Recife ainda se parece com uma tela de Frans Post. E, se aprumarmos a vista dividindo a paisagem como ele dividia, dando dois terços do espaço para o céu e o terço restante para a terra e o mar, aí é que parece. A cidade vista de longe ainda flutua plana e horizontal sobre o oceano como imensa embarcação ou gigantesco animal marinho. O pintor invasor tratou com tanto afeto a musa cidade que os da terra que lhe sucederam seguiram o olhar e o traço e a paleta nos séculos subseqüentes. O pouco que ficou das edificações desses tempos esteticamente mais rigorosos ainda é capaz de conferir ao todo ilusão de encanto e beleza. Assim, Recife é do alto de seus quatro séculos, quase cinco, de idade, ainda bela. Bela como as grandes damas da história da arte que possuem eternamente o dom de atrair, a ponto de estarem cercadas de poetas que lhe cantam a eterna beleza em poemas e pintores que a eternizam em retratos.

Ponte da Boa Vista: cenário de música. Foto: Arquivo/DP


Na música
O RECIFE de Silvério Pessoa, cantor e compositor
Para representar o Recife, elegeria uma canção composta por mim, chamada Nas terras da gente (2002, do CD Cabeça elétrica, coração acústico), que começa quando atravessei a Ponte da Boa Vista, que liga um bairro a outro. Sou migrante, vim de Carpina para a capital pernambucana na década de 1970. Foi um impacto ver a cidade, a proporção em relação a Carpina, os prédios, rios, pontes, o fluxo de pessoas, tudo era diferente da vida pacata que eu via no interior. Além de emblemática, essa música retrata bem o sentimento que tive quando vim para cá. A canção retrata o “cheiro doce da maré seca”, algo bem forte. Um amigo meu sentiu cheiro do mangue e comentou: “Que catinga da poxa”! Esse é o cheiro doce da maré. E também fala dessa coisa do deslocamento. Recife concentra muitos migrantes do interior que vêm para tentar a vida na capital, uma coisa que acontece em outras metrópoles do país. Essa canção está sempre presente nos meus shows. Ela não tem uma pegada única, não chega a ser forró. Pode ser considerada uma música pop nordestina: entre um trecho e outro tem uma ciranda, e ao mesmo tempo tem arranjo de cordas, um naipe de orquestra de câmara com violino e viola, sem deixar de lado a percussão.

Adelina propõe um Recife de ferro-velho. Foto: Wikimedia/divulgação


Na telona
O RECIFE de Adelina Pontual, cineasta
Um filme que refletisse sobre o crescimento desordenado da cidade: verticalidade desmedida, excesso de automóveis nas ruas, descaso com o bem público e com cidadãos. Ganância e riqueza de poucos, miséria de muitos. Talvez, ficção científica: ruas entulhadas de ferro-velho dos automóveis que já não conseguem circular. Os abastados circulam com veículos aéreos e vivem no alto de torres de concreto. A população sobrevive de catar lixo e trocar na feira de escambo do Marco Zero. E da arriscada pesca de tubarões capimar, peixes mutantes do mar e rio. A sombra das torres toma conta da urbe e a população asfixiada pelo calor da falta de circulação da brisa marinha organiza uma revolta contra quem vive no alto das torres e retoma o controle da cidade (porque sempre há de haver esperança). Título: Apocalipse Recife.

Acompanhe o Viver no Facebook: 

Os comentários abaixo não representam a opinião do jornal Diario de Pernambuco; a responsabilidade é do autor da mensagem.
MAIS NOTÍCIAS DO CANAL