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'Percebi que tinha preconceito com mulher hipererotizada', diz atriz Maeve Jinkings

'Sempre achei mais importante a mulher ser mais inteligente que sensual. Mas aí pensei: por que um se sobrepõe ao outro', indaga a atriz de Onde Nascem os Fortes

Publicado em: 19/03/2018 20:04 | Atualizado em: 19/03/2018 19:24

Em Onde Nascem os Fortes, Maeve Jinkings contracena com Alexandre Nero. Foto: Globo/Divulgação

"Acho que os personagens são uma forma de refletir sobre o comportamento humano". A fala de Maeve Jinkings traduz a carreira da artista no cinema e na televisão. Aos 40 anos, a atriz nascida em Brasília, que cresceu em Belém e se apaixonou pelo Recife tem sido criteriosa na escolha dos trabalhos dramatúrgicos. Além de atuaçõesarcantes no cinema pernambucano, como Amor, plástico e barulho, de Renata Pinheiro, e Aquarius e O som ao redor, de Kleber Mendonça Filho, ela tem estreitado a ligação com a TV, iniciada ao viver Domingas na novela A regra do jogo (2015), personagem vítima de violência doméstica. Após a série Cidade proibida (2017), estará em duas produções televisivas, nas quais a subjetividade feminina também se sobressaem.

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Ela estará na supersérie Onde nascem os fortes, dirigida por José Luiz Villamarim e prevista para abril na Globo, e faz uma participação na série Lama dos dias, de Hilton Lacerda e DJ Dolores, que será exibida no Canal Brasil. Formada na Escola de Artes Dramáticas da Universidade de São Paulo (USP), a atriz começou a carreira artística no cinema em Falsa loura, de Carlos Reichembach, em 2007. Em O som ao redor, na pele da estressada Bia, ela foi elogiada por Caetano Veloso. A cada trabalho, reflete sobre questões relacionadas a ela própria. No caso de Amor, plástico e barulho, a sensualidade da mulher foi alvo de ponderação. "Eu percebi como feminista que tinha preconceito com mulher hipererotizada", afirmou ao Viver.

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O processo se assemelha ao da personagem Joana, amante de Pedro (Alexandre Nero), que se envolve com Donato (Marco Pigossi), na supersérie global. Após o episódio, Donato desaparece. Assinada por George Moura e Sergio Goldenberg, a obra também conta com Patrícia Pillar e Alice Wegmann, além de pernambucanos como Irandhir Santos e Jesuíta Barbosa. A produção está prevista para abril na faixa das 23h da Globo. As filmagens ocorreram na Paraíba, no Piauí e em Pernambuco. "Hoje me interessa muito falar sobre uma sexualidade livre de uma mulher em um lugar conservador. Vejo um momento político que demanda mais diversidade no audiovisual", complementa.

>> Entrevista Maeve Jinkings

Como foi interpretar Joana?
Foi maravilhoso. Acho que isso está muito presente no meu discurso público de refletir sobre representatividade feminina no audiovisual. Uma das coisas que me preocupa é identificar um certo conservadorismo até nos movimentos como o feminismo. Ela é muito erotizada, mas não é coisificada. É uma personagem muito complexa, com curva dramática muito diversa, cheia de nuances, uma curva muito íngreme. Hoje me interessa muito falar sobre uma sexualidade livre de uma mulher em um lugar conservador. As mulheres estão muito fortes e interessadas em descobrir o prazer com o próprio corpo. A gente vive em um momento conversador e ter essa personagem me interessa muito. Eu me preparei refletindo sobre isso. Ela dialoga com esse momento que a gente está vivendo. Ela quer viver livre.

Em Onde nascem os fortes, você interpreta a personagem que desencadeia os conflitos da trama. Como analisa esse enredo?
Acho importante situar essa narrativa no espaço Sertão (cidade fictícia), portanto com valores bem conservadores de domínio da figura masculina. O (Alexandre) Nero faz um coronel contemporâneo, que se chama Pedro. O personagem de Pigossi é um forasteiro, é um rapaz bonito, aventureiro, destemido, mas ele não sabe onde está se metendo. A Joana é uma mulher sensual, uma sexualidade muito livre e a personagem é amante de Pedro. Por mais que nossos valores sejam diferentes, situando nesse espaço, a gente tem que ser leal à subjetividade nesse espaço, em que predomina uma dominação masculina, machista, que tem uma relação de posse com uma mulher. Tem esse traço de autoafirmação do masculino.

Como descreve essa relação entre Joana, Pedro e Donato?
A Joana é uma forasteira. Ela traz outros códigos. Ela está ali naquele contexto, mas, sem dúvidas nenhuma, a gente está falando de uma narrativa onde existe uma necessidade do masculino, como há na sociedade geral, mas ali é mais presente o coronelismo contemporâneo. Um dos traços do coronelismo contemporâneo é o domínio do macho, simulação de poder, sobre pessoas e espaço. Sobre o Donato, quando está agindo atrevidamente, sem respeitar o código do lugar, quando ele ultrapassa, ele está invadindo a forma como o coronel entende a propriedade do outro, mas também a propriedade desse lugar conservador.

De que forma a Joana te mudou?
Tenho tentado fazer escolhas muito criteriosas na carreira. George é um autor sensível, Villamarim, diretor sensível. Não tem como viver esse processo rico de troca sem se transformar. Tem uma amiga que fala: os personagens escolhem os atores. Tem um filme de Jim Carrey, incrível. Ele fala que "os personagens vieram para ele magicamente quando ele precisava falar sobre aquela subjetividade". Posso dizer o mesmo sobre Joana. Eu vinha no momento de refletir sobre isso. Na história do audiovisual, o corpo da mulher foi explorado muito. A mulher gerou desconfiança sobre personagens erotizados. Isso nos leva a um lugar do medo do erótico, medo do nu, medo do corpo, medo do sexo. Isso não me interessa. Em Amor, plástico, barulho, percebi como feminista que tinha preconceito com mulher hipererotizada. Refleti a forma como usava a sensualidade publicamente. Sempre achei mais importante a mulher ser mais inteligente que sensual. Mas aí pensei: por que é superior? Por que um se sobrepõe ao outro? Os dois devem caminhar juntos...

Maeve faz participação na série Lama dos Dias ao lado do ator Julio Machado. Foto: Canal Brasil/Divulgação
Você também está em Lama dos dias, ambientada no Recife com o mangue beat como pano de fundo. O que pode adiantar sobre ela?
Eu trabalhei com Hilton Lacerda quando ele era roteirista de Big jato e trabalhei como preparadora de elenco. Ele é uma das pessoas mais amorosas que conheço. O Helder, o DJ Dolores, foi um dos meus primeiros grandes amigos no Recife. A série tem os personagens centrais jovens. A galera que está no núcleo do movimento mangue, nonascedouro do mangue beat. Eu vivo a esposa do personagem de Júlio Machado, uma espécie de mãe e amiga dessa turma. Uma mulher muito moderna, libertária e funciona como um espírito maternal. Para mim, foi mágico, um privilégio. Uma série sobre o mangue beat, com a galera que viveu o mangue, tendo no centro a filha de Chico Science.

No ano passado, as mulheres deram início a campanhas contra o assédio no cinema. Você já sofreu algum tipo de assédio no meio?
Acho que qualquer mulher já passou. A conclusão depois dessa onda de denúncias é que tem mulher que se dá conta disso, tem mulher que não se dá. Sim, já tive experiências na minha vida pessoal, profissional, mas nunca vivi algo grotesco, como esses casos que ficaram mais famosos. Eu fico mais tentando entender como se dá um assédio mais maquiado, que fica mais difícil de decodificar. Nós, mulheres, temos que ter muita responsabilidade para entender o que é assédio, o que é flerte. Assédio que tem a ver com relação de poder, nesse sentido, não vivi muito nesse grau.
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