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Série da Netflix livremente inspirada na Lava Jato, O Mecanismo tem o desafio de agradar um público polarizado

Criada por José Padilha e Elena Soarez, o seriado estreia no dia 23

Selton Mello interpreta o delegado Marco Ruffo, inspirado em personagem real. Foto: Netflix/Divulgação

Rio de Janeiro – Em um Brasil dividido politicamente, o principal desafio de O mecanismo, nova série nacional da Netflix com estreia marcada para o dia 23 de março, é agradar um público marcado pela polarização dos últimos anos. Criada por José Padilha (Tropa de elite, Narcos) e Elena Soarez (Filhos do carnaval), a produção desperta a curiosidade antes mesmo da estreia por ser livremente inspirada na operação Lava Jato. "É uma trama policial investigativa, uma obra ficcional livremente inspirada na operação", reforça Marcos Prado (Paraísos artificiais), diretor dos episódios 4 a 6 – o primeiro é dirigido por Padilha, o segundo e o terceiro por Felipe Prado e o dois últimos por Daniel Rezende (Bingo).

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De acordo com os diretores, o seriado não narrará o passo a passo sobre as investigações de corrupção em empresas estatais e privadas. "Alguns personagens são reais, já outros foram fundidos. As pessoas não vão reconhecer", relata Prado, exemplificando a mesma estratégia utilizada nos filmes Tropa de elite 1 e 2, também dirigidos por Padilha. O ponto de partida de O mecanismo é a obsessão da dupla de policiais federais, interpretados por Selton Mello e Caroline Abras, em descobrir através de uma pista o sistema de corrupção instaurado no país. Na série, Selton Mello interpreta o delegado aposentado Marco Ruffo, que investiga o caso com obstinação. Já Enrique Díaz incorpora o doleiro Roberto Ibrahim.

A primeira temporada termina um ano após o início da operação – não há a confirmação oficial da segunda, mas tudo indica que se concretize. Na série, existem os núcleos dos doleiros, dos empreiteiros e dos políticos, mas nenhum carrega um nome verídico. "A série busca compreender como os meios de corrupção se tornam um processo que se alimenta. A história decifra essa engrenagem, que vai do alto escalão ao ser humano que falsifica carteira de estudante para pagar meia-entrada em show", complementa Daniel Rezende. Para eles, O mecanismo é uma obra brasileira, mas com fácil conexão internacional. Afinal de contas, por se tratar de uma série da Netflix, ela será disponibilizada em 190 países. "Tem o recorte do Brasil, mas é uma série universal. É uma trama sobre obsessão de ganância, de poder e, ao mesmo tempo, dois policiais federais obcecados em romper essa engrenagem", complementa Rezende.

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Inicialmente, circulou a informação de que Wagner Moura – na época, em Narcos, também produzida por Padilha – seria protagonista da obra. "Isso tudo foi fofoca. Padilha tem uma posição ideológica diferente da dele. Eles são amigos, conversam, discutem. Por questão de agenda e de posicionamento de cada um, acho que o Padilha nem pensou nele", acredita Prado. Coincidentemente – ou não - , a série estreia em um ano eleitoral, o que pode incrementar ainda mais o debate político. "A mídia reduz tudo a coisas simplistas. A gente foi para o inverso disso. Vamos dissecar aqui para gente parar de falar de cor, sigla e poder pensar como tudo é a mesma coisa", pontua Rezende. Diferentemente do filme Polícia Federal – A lei é para todos, que tem consultoria da Polícia Federal, a série é independente, garante os diretores.

As gravações começaram em maio do ano passado em um prédio no Rio de Janeiro, reformado especialmente para a série. Além do Rio de Janeiro, Curitiba, Brasília e São Paulo também foram locações pontuais. Só 30% das filmagens foram em externas. Parte do interior do edifício foi todo construído para o seriado. Entre os cenários, a Polícia Federativa e o Ministério Federal Público, que tiveram as siglas alteradas para respeitar a legislação brasileira.

O Viver acompanhou a gravação de algumas cenas. Em uma delas, a policial Verena (Caroline Abras) está incomodada. "Parece que as coisas foram feitas para não funcionar mesmo", reclama. Em outro momento, há a montagem do Clube dos 13, como a polícia se refere, aos 13 empreiteiros envolvidos no esquema de corrupção. "Metade do dinheiro do PIB do Brasil dormindo na nossa carceragem", diz o personagem de Jonathan Haagensen, que vive Vander. 

Após o anúncio do seriado, surgiram outros projetos, como o filme Polícia federal, que entrou em cartaz em setembro do ano passado. Selton Mello enxerga de forma positiva a recorrência temática. "A democracia deve ser tagarela, porque assim desperta pensamentos. A série não é partidária. O mecanismo não é partidário, ideológico. José Padilha, mais uma vez, está sendo corajoso e fazendo um 'tiroteio' para todos os lados", destaca Mello.

>> Entrevista com Selton Mello

Como se sente fazendo parte de uma série da Netflix?
Sou fã de série. Então estou adorando fazer algo na Netflix. Sou viciado em Os Sopranos, Stranger things, House of cards, The Crown. Eu vi no Marco Ruffo uma oportunidade de fazer o meu Don Drapper (Mad men), o meu Walter White (Breaking bad), o meu Tony Soprano (Os Sopranos). Eu faço Marco Ruffo, que tem a força de um grande personagem, herói, anti-herói, complexo como são os dessas séries.

Como define Marco Ruffo?

É baseado em um personagem real, o delegado Gerson, mas que não teve os holofotes que outros personagens. Ruffo é um delegado da Polícia Federal. Não quis conhecê-lo, porque quis ter liberdade criativa. Peguei ele como base e criamos um personagem que foi além do cotidiano, da vida como ela é. O personagem é fascinante. Ele fez parte do início da descoberta do doleiro Roberto Ibrahim (Enrique Díaz). Ele descobriu o fio da meada. E depois o que a gente foi criando é baseado em fatos surreais. 

O que te fez aceitar participar do projeto?
Gosto muito do trabalho de Padilha, desde Ônibus 174, gostei muito de Tropa de elite, sobretudo o 2. Pedi benção a Wagner (Moura – em referência às parcerias cinematográficas entre o diretor e o ator). Acho que as pessoas vão se surpreender muito com o que Padilha está fazendo na Netflix. As pessoas esperam um retrato do que ele pensa e escreve, e a série é muito mais ampla, rica e complexa que o que ele fala como pessoa. Eu não estou fazendo Moro, nem Aécio. Eu estou fazendo um delegado, que ninguém sabe quem é. E a gente transformou em um personagem mítico, profundo, é um touro indomável que luta contra o mecanismo invisível. Isso tudo foi muito atraente.

O que mudou em você com o seriado?

Eu nunca fui ligado à política. Minha sensibilidade vibra de outra forma, meus trabalhos. Política nunca foi a minha, a do meu pai, é uma coisa que vem da minha formação. Nunca fui um ativista político. E caiu no meu colo um trabalho altamente político. Eu achei que seria uma grande oportunidade de crescimento pessoal. Então fui estudar tudo, me debruçar sobre o assunto, para entender. Agora eu posso dizer: 'eu não gosto de política'. Nenhuma corrente me representa.

A repórter viajou a convite da Netflix

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