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Música Plataforma de inteligência artificial agora compõe música brasileira Ritmos nacionais farão parte do Flow Machines, sistema criado pela Sony

Por: Alexandre de Paula

Publicado em: 03/10/2017 18:23 Atualizado em:

A plataforma Flow Machine é capaz de criar música artificialmente. Foto: Internet/Reprodução
A plataforma Flow Machine é capaz de criar música artificialmente. Foto: Internet/Reprodução

A inteligência artificial definitivamente chegou ao terreno da música. Diversas iniciativas com pesquisas e softwares provam que é possível aliar tecnologia e arte. Seja para compor canções, seja para auxiliar músicos a pesquisar e a produzir. Ferramentas desse tipo estão cada vez mais eficazes e devem se tornar cada vez mais comuns. O Brasil agora faz parte de um dos mais importantes projetos da área, o Flow Machines. Desenvolvida pela Sony e capitaneada pelo pesquisador François Pachet, a plataforma une diversas maneiras de interagir musicalmente com inteligência artificial e pode ajudar a compor, a escrever e analisar músicas.

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A plataforma inicialmente usava como bases o jazz, o pop e o rock. Agora, por meio de um sistema chamado Brazyle, estilos brasileiros farão parte do projeto. “Se não fosse a Brazyle, essa tecnologia chegaria apenas com exemplos de estilos como rock, pop e jazz. Pela primeira vez, a música brasileira faz parte da vanguarda da tecnologia musical”, explica o cientista da computação Giordano Cabral, idealizador da Brazyle.

A ideia de inserir a música brasileira na Flow Machine surgiu durante o doutorado de Cabral na Sony Computer Science Lab Paris, entre 2003 e 2008. “A ideia veio naturalmente desta longa e contínua discussão. Já que estávamos trabalhando nesta nova tecnologia, era natural que quiséssemos aplicá-la à música brasileira”, explica.

Duas razões principais, conta Cabral, foram responsáveis também pela iniciativa: a complexidade da nossa música e o gosto por ela. “Primeiro, porque a música brasileira é muito rica e traz desafios especiais a uma tecnologia baseada em inteligência artificial. Segundo, porque é uma paixão compartilhada não só pela equipe brasileira quanto pelo próprio François Pachet.”

Cabral observa que a complexidade da música nacional fez com que algumas coisas precisassem ser ajustadas na plataforma. “Os estilos brasileiros trazem uma grande riqueza em termos de ritmo, harmonia e timbre. Muitos detalhes dos algoritmos tiveram que ser repensados em função dos cases que trouxemos”, destaca.

Aplicações

Sistemas como a Flow Machines são capazes de fazer diversas tarefas musicais. Cabral explica que, nesse caso, a intenção não é que a inteligência artificial produza música sozinha. “A grande sacada do Flow Machines foi justamente criar uma tecnologia manipulável, em que se possa interagir com a máquina, interferir nos exemplos e regras, mandar refazer trechos específicos ou escolher exatamente baseado em que fontes você quer criar um determinado trecho.”

Por isso, ele conta, as principais composições feitas até agora usando o sistema foram feitas por músicos e não por programadores. Um dos casos é Daddy's car, música que simula o estilo dos Beatles, feita por Benoît Carré com a utilização da Flow Machines.

Na prática, Cabral conta que o sistema até agora é capaz, com interação humana, de compor novas músicas, rearranjar peças já existentes, analisar automaticamente canções e registrá-las em formato completo (com partitura, acordes e áudio sincronizados), entre outras tarefas.

Com boa parte do sistema automatizado, o plágio é um questionamento recorrente. Cabral ressalta que o próprio sistema se encarrega de evitar cópias. “Ao se sugerir melodias, ele restringe as alternativas de modo a filtrar os exemplos que seriam considerados plágio. Em resumo, há uma função ‘anti-plágio’ implementada no próprio código.”

O Brasil

Para ser capaz de tudo isso, o sistema precisa ter acesso a diversos exemplos musicais de cada estilo para decodificar o que é mais usado e os padrões de cada gênero. No caso do Brasil, a startup Daccord ficou responsável por catalogar e gravar o que seria usado como base da nossa música.

“Foram cerca de 20 pessoas envolvidas, um repertório exaustivo de songbooks foi transcrito, dos quais 103 músicas foram gravadas, cada uma com 3 pistas, além de três versões diferentes para a voz”, relata a CEO da Daccord, Cybele Wessen.

O trabalho exigiu diversos ajustes para que funcionasse corretamente na plataforma. “Foi preciso definir um acervo que fosse representativo dos estilos brasileiros, mas com o qual, ao mesmo tempo, os músicos e cantores tivessem familiaridade. Depois, foi preciso fazer ajustes, correções, transposições, e adaptações. Por exemplo, bases de chorinho nem sempre se encaixavam no formato de melodia, acordes, baixo e ritmo que existia no sistema".

Três perguntas // Giordano Cabral 
 
Com a utilização da inteligência artificial, como ficam as questões de direitos autorais?
É um assunto complexo, pois as leis mudam de país para país. Houve um estudo jurídico de três anos por escritórios especializados na Europa para se chegar em um consenso sobre como o Flow Machines poderia funcionar no ponto de vista de direitos autorais, e quais as consequências. O entendimento obtido é que, pela forma como ele utiliza a sua base, mantendo o poder de decisão no artista, que manuseia os softwares de criação das músicas com alto grau de flexibilidade, que este artista detém os direitos autorais sobre a obra.

Como é o acesso ao sistema? Quem pode usar?
Por enquanto, é fechado, pois ainda está sendo aprimorado. Esperamos haver uma versão verdadeiramente aberta em breve. Por outro lado, já precisamos de bons exemplos de uso do sistema. Portanto, interessados, por favor, podem entrar em contato para que nós facilitemos o acesso e expliquemos o funcionamento.

Há sempre um temor, principalmente entre os leigos, de que a inteligência artificial na música possa substituir a criação humana. Esse risco existe?
Há muito tempo se deseja que os computadores entendam regras musicais, e auxiliem músicos e compositores a expandir suas capacidades. Algumas iniciativas procuraram justamente criar sistemas completamente automatizados, músicas puramente criadas por uma IA. Mas a Flow Machines é uma tecnologia manipulável. Dessa forma, a ferramenta se torna na verdade um novo software de criação e produção na mão de artistas. Não é à toa que os grandes exemplos criados com a plataforma foram feitos por verdadeiros compositores, e não pela equipe de programadores e desenvolvedores. 

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