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Cantora trans pernambucana quebra preconceitos e assume nome feminino no brega

Ex-vocalista da banda Takitá, Paulinha Lopes, conversa sobre representatividade e respeito e se prepara para lançar primeiro disco

Aos 33 anos, a cantora radicada em Igarassu, começou a carreira como dançarina, assumindo os vocais em 2008. Foto: Shilton Araujo/Divulgação


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Aos 33 anos, a cantora radicada em Igarassu, Litoral Norte do estado, começou a trajetória como dançarina de banda de brega, ainda com o visual masculino, quando surgiu um convite despretensioso para cantar. “Tinha a voz feminina desde criança. Trabalhei com dança por muitos anos e, nos bastidores, comentavam que eu era afinada. Depois que gravei a primeira música em estúdio, não parei mais”, relembra. Ela liderou os vocais da Banda Takitá de 2008 a 2016, na qual ganhou destaque por canções como Tudo acabou, Você não me deu bola e Pode sofrer. A artista era apresentada como cantora travesti e foi uma das pioneiras a subir no palco vestida de mulher. “A questão trans ainda é muito mal vista na sociedade e é bom ser uma referência para outras meninas. Quando comecei a cantar em barzinhos, recebi vários vídeos de outras meninas que também cantam”, afirma. “O termo travesti costuma gerar muito preconceito. As pessoas associam a pornografia e prostituição, isso é algo degradante. Hoje, me mantenho graças a minha voz e ser reconhecida por isso é uma vitória”, crava Paulinha, que está em estúdio gravando o primeiro disco. A visibilidade nacional de artistas como Pabllo e Liniker contribui para o debate e fortalece um novo mercado para artistas transgêneros. “Pabllo pode ser ele ou ela, o mais importante é que está lutando pela classe musical. Quanto mais bicha no poder, melhor vai ser pra gente. Mas não vou vender o show da banda dizendo que sou uma cantora trans, pois quero que as pessoas me conheçam primeiro”, afirma.

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Sobre o preconceito, Paulinha afirma que teve sorte por ter conquistado o respeito no mercado do brega. “Não sofri nenhum ataque de forma negativa. Teve aquelas pessoas que não acreditavam, mas, se você retribui com trabalho, consegue provar seu potencial”, afirma. “Via que muitos se aproximam com curiosidade ao ouvir a minha voz. Me questionavam de forma surpresa e não preconceituosa. Nunca fiz cirurgia alguma e não tomei hormônios”, conta. A cantora está fazendo um tratamento a laser para perder os pelos no rosto e, no futuro, pensa em colocar uma prótese nos seios. “Nunca presenciei numa rejeição pela imagem dela. Ela tem um carisma natural e uma postura de artista. É um homossexual com voz de mulher e muito talento”, aposta o
empresário Markson Damazio.

No novo projeto, Paulinha Lopes é acompanhada pelos músicos Júnior Fayska (produtor musical e teclado), Robinho (guitarra), Bruninho Vieira (baixo) e Gabriel Oliveira (bateria). O repertório mantém canções do brega, mas aproveita para explorar ritmos dançantes. A artista passeia por hits do momento, de artistas como Anitta, Pabllo Vittar, Márcia Fellipe, Simone e Simaria, Marília Mendonça e Wesley Safadão. As novas músicas de trabalho são Beijo bom e Chora no meu boy.

Entrevista // Paulinha Lopes // cantora

Paulinha faz tratamento a laser para perder os pelos no rosto e pensa em colocar uma prótese nos seios no futuro. Foto: Shilton Araujo/Divulgação

Como quer ser reconhecida musicalmente?
Quero levar minha música para qualquer pessoa. Não quero me restringir a casas voltadas para um determinado público. Acho que não há necessidade. Independente de ser ele ou ela, estou no palco fazendo meu trabalho igual a qualquer artista. Se você for ao meu show e fechar os olhos, vai dançar, beber e cantar, e não importa quem está ali.

Como começou sua transição?
Me vestiram de menino toda a infância. Quando comecei a ter a minha independência, a partir dos 14 e 16 anos, deixei o cabelo crescer e já colocava um chinelinho. Sou da cidade do interior, meus pais são bem rigorosos, mas sempre tive muito apoio da minha mãe. Foi constrangedor para eles, mas tive o respeito das pessoas o tempo todo. Tive a sorte de nunca presenciar nenhum tipo de rejeição. Fui conquistando o respeito e a atenção do povo.

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Como o assunto é tratado na sua família?
Antes ninguém ouvia falar, mas é algo que existe há muito tempo. Nessa questão de sexualidade, cada caso é um caso, e só posso falar por mim. Os nomes travesti e trans são vinculados à prostituição e pornografia. É uma preocupação que toda família tem. E a gente leva uma parcela de culpa pelos que escolheram esse caminho. Por falta de informação, é comum acharem que todas são extremamente iguais e generalizar. Nunca conversei abertamente sobre isso, nunca sentei para falar com meu pai, por exemplo. Quando consegui ser financeiramente independente, ficou mais fácil, mesmo morando com eles. A aceitação ocorreu mais tranquila.

E na adolescência, você foi alvo de preconceito na escola?
Sempre tem os engraçadinhos, né? Me vestia de menino, mas tinha a voz super feminina. Tinha piadinha que ouvia sempre. Mas nunca revidava. Com o passar do tempo, vi que não valia apena. As meninas que tinham comportamento negativo comigo hoje me encontram na rua e ficam orgulhosas, me pedem desculpas. “Não acredito! Como tu tá linda”, dizem.

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