O longa disponibilizado na Netflix desmonta os princípios da multinacional de produtos de nutrição e retrata a empresa como um esquema de pirâmide financeira montado para beneficiar os executivos em detrimento dos funcionários - em especial, os da base, flagrados em situação de vulnerabilidade social.
O recorte na forma de atuação da empresa permite perceber o ideal de prosperidade vigente na arena financeira de Wall Street, onde a ausência de regulação e a busca por lucro podem extorquir o trabalhador e privilegiar os especuladores do mercado de ações. O panorama é apresentado sob a ótica mercadológica da atuação de um investidor, mas desliza, com boa dose de sinceridade, para as implicações sociais do funcionamento nocivo da Herbalife.
O bilionário Bill Ackman é o fio condutor do filme. Ele gerencia um fundo de investimentos (Pershing Square Capital) especializado em apostar na falência de empresas em situação duvidosa, prática conhecida como betting on zero, e decide investir contra a multinacional alimentícia. A cruzada para convencer executivos inclui sessões de perguntas e estudos ao lado de uma jornalista com quem escreveu um livro.
O material de pesquisa sobre a Herbalife constitui o principal ativo do filme. Bill detalha, com base em gráficos, entrevistas, vídeos institucionais e de treinamentos, como a empresa concentra o lucro no recrutamento de supervisores e na transferência direta de dinheiro para os superiores em vez de obter recursos com a venda dos produtos - até três vezes mais caros na comparação com similares do mercado. Os shakes e vitaminas são apresentados como meros instrumentos para viabilizar o repasse, e o modelo se repete entre novos funcionários até se mostrar insustentável.
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Os dados levantados pela equipe de Bill são alarmantes. Para se tornar um supervisor, os distribuidores precisam investir três mil dólares (quase dez mil reais). Assim, ficam aptos a ganhar royalties dos subalternos. Mas somente 17% dos distribuidores se credenciam a faturar com o negócio. E, deles, 30% nada ganham, enquanto 48% têm lucro irrisório. Apenas os 50 melhores abocanham até dez milhões de dólares por ano. Cerca de 80% dos envolvidos com a empresa se demitiram ou foram substituídos.
O esquema viciado é encoberto por um linguajar promissor pela Herbalife - "oportunidade de negócios", "marketing de multinível" - e comum às estratégias de marketing convergentes com o sonho americano de ascensão social através do próprio esforço. "Você ganha por vendas que introduz ou patrocina, direta ou indiretamente", contrapõe o então presidente da empresa, Michael O. Johnson, ex-diretor da Disney Internacional e substituto do fundador, Mark Hughes, morto no ano 2000 por overdose de álcool associado a antidepressivos.
A falência e a corrupção inerentes a esse sistema - se levado ao extremo, não se manteria nem com a adesão da população inteira do planeta - abre a janela para desnudar o impacto na vida de quem se deixou seduzir pela empresa. E aí entra mais uma face cruel da economia dos EUA associada à desatenção histórica do estado com os imigrantes latinos. Alvos preferenciais da empresa, irregulares no país e com medo de serem deportados, eles sofrem duplamente ao perder o dinheiro na compra dos produtos e ter a cidadania negada na hora de acionar a justiça.
A batalha travada contra a prática enganosa da Herbalife, segundo o documentário, também ilustra como o mercado financeiro se serve de expedientes alheios à economia e à qualidade dos produtos para valorar uma empresa - sem necessariamente ter contraparditas sociais. Inimigo declarado de Bill, o bilionário Carl Icahn (Icahn Enterprises) decide investir na multinacional e fazer o contrapeso à pregação em desfavor da empresa, movimento responsável por fermentar as ações na bolsa.
A saga contra a Herbalife, narrada no filme, despertou o interesse de órgãos fiscalizadores dos Estados Unidos, e a empresa acabou punida por conduta irregular de mercado. Em 2016, a multinacional pagou 200 milhões de dólares (a 350 mil pessoas) para encerrar uma investigação sobre práticas enganosas e aceitou mudar os lucros dos distribuidores com o objetivo de privilegiar a remuneração pela venda dos produtos. O acordo também sepultou uma acusação por esquema de pirâmide. A sanção, no entanto, se limitou aos Estados Unidos, onde ela detém 20% das operações.
Com patrocínio de rostos famosos, como o melhor jogador do mundo, Cristiano Ronaldo, a empresa atua em mais de 90 países e conta com 4 milhões de consultores e 8 mil colaboradores. O site da empresa no Brasil dedica uma seção para rebater acusações de práticas ilícitas de mercado e chama de mito a referência à existência de um esquema de pirâmide. Diz a multinacional: "A Herbalife é uma empresa global de nutrição" e exerce "uma atividade legítima". A remuneração obtida a patir do recrutamento, como demonstrada no documentário, inexistiria no país, de acordo com a empresa. "Todas as formas de ganhos são baseadas em venda de produtos e comissões".
O viés assumidamente "pró-sociedade" de Betting on zero - o investidor Bill Ackman até promete doar os lucros obtidos com as perdas da Herbalife - não compromete a eficácia do documentário. A investigação e exposição das práticas de mercado da empresa ajudam a jogar luz sobre os bastidores de Wall Street e tornar públicas informações via de regra escondidas e potencialmente danosas à saúde das nações.
POSICIONAMENTO
A assessoria da Herbalife enviou email ao Viver para rebater acusações feitas pelo filme. A empresa desqualifica o longa enquanto documentário e o define como "um longo vídeo publicitário que tem como objetivo fazer uma campanha contra o setor de vendas diretas".
O posicionamento, publicado em um site com nome do filme, condena as intenções de Bill Ackman enquanto crítico do modelo de negócio da empresa: "Um investidor norte-americano, o vídeo tem como objetivo beneficiar sua própria aposta financeira contra uma das maiores empresas de vendas diretas do mundo". A íntegra da nota da Herbalife pode ser lida neste link.
*Matéria editada para incluir posicionamento enviado pela Herbalife e atualizar o número de consultores e colaboradores.
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