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A inspiradora trajetória da transexual nordestina que encantou o mundo da moda

Valentina Sampaio é, aos 20 anos, nome recorrente nos desfiles e se prepara para estrelar um filme

"Vi comentários preconceituosos logo depois das primeiras reportagens começarem a sair, mas procuro não me abalar com isso", disse a modelo. Fotos: Gabriel de Moura/Divulgação


Ela, contudo, driblou as estatísticas e agora se junta a nomes como Carol Marra, Lea T. e Carmem Carrera na representação de uma nova voz para aqueles cujas oportunidades geralmente são relegadas ao descaso. "Eu já fui alvo de preconceito, mas isso não me derrubou. Segui em frente e procurei ser mais forte do que ele. Eu diria que todos precisam ter força porque a situação das trans é difícil e delicada. Muitas vezes não temos voz", avalia a modelo. "Vi comentários preconceituosos logo depois das primeiras reportagens começarem a sair, mas procuro não me abalar com isso. Me preocupo em absorver as coisas boas", completa.


"A minha infância foi a melhor possível. Cresci rodeada pelos meus irmãos e tenho pais maravilhosos. São a minha base. Vê-los felizes é muito gratificante para mim. Mesmo estando longe, estou sempre conectada a eles, que acompanham tudo e estão muito orgulhosos. Enchem meu coração", emociona-se. Floresceu a personalidade e surgiu o nome Valentina, agora conhecido em todo o mundo pelo pioneirismo na publicação, cuja importância reverbera tanto na moda quanto no ativismo. "Espero que essa discussão ajude de alguma forma a construir um futuro mais digno e humano. Esse assunto está sendo cada vez mais falado e estamos dando voz e oportunidade a pessoas que muitas vezes não tinham. Precisamos de mais respeito pelo próximo, para aceitar que todas as diferenças são enriquecedoras", pontua a jovem.

Há aproximadamente cinco anos atuando profissionalmente como modelo, a cearense tem no currículo marcas reconhecidas, como as brasileiras Água de Coco, Morena Rosa, Schutz, Melissa, Skunk, EVA e as internacionais Armani e L’Oreal, da qual é embaixadora. Foi com essa última empresa, aliás, que a carreira de Valentina decolou em ascensão meteórica. Antes disso, chegou a se matricular em arquitetura em uma faculdade de Fortaleza, mas deixou o curso para estudar moda - graduação que também precisou abandonar para se dedicar às passarelas e aos ensaios fotográficos.


O entrosamento tende a ser o mesmo em outros trabalhos, dentro do Brasil ou fora dele. A modelo vive na ponte aérea entre o país e a Europa para dar conta da demanda, mas o sacrifício é recompensado. "Tenho trabalhado bastante e sou muito grata ao que tem acontecido. Tem sido uma repercussão grande e muito positiva", sentencia. De olho no mercado internacional mas sem deixar de prestar atenção à casa, Valentina avalia o cenário brasileiro de moda como promissor - "O Brasil tem muita identidade e cultura para mostrar. Temos muitas pessoas talentosas" -, embora se furte a citar nomes. Focando na sua terra natal, o Nordeste, a ponderação segue positiva, porém breve: "É uma terra muito rica em talentos e com muito para mostrar".

Na agenda, além de desfiles e ensaios fotográficos, Valentina tem marcada para o segundo semestre a estreia da comédia Berenice procura, a primeira incursão pelo cinema. Dirigido por Allan Fiterman (Verdades secretas), o longa-metragem narra a história da taxista que dá nome ao filme, interpretada por Cláudia Abreu. A personagem costuma ouvir na rádio o programa policialesco e sensacionalista do ex-marido Domingos (Eduardo Moscovis) e decide se dedicar ao caso do assassinato de uma travesti no Rio de Janeiro, cidade em que é ambientada a produção. Valentina interpreta Isabelle, uma cantora. Para ela, foi uma "experiência maravilhosa" que pode se repetir em breve, já que há a vontade de enveredar pela profissão de atriz.

Nos cinemas ou no "habitat natural", as passarelas, o futuro de Valentina Sampaio promete ser repleto de superlativos. Até o momento, no entanto, é incerto e se desenhará a partir dos projetos nos quais decidir embarcar. "Tudo é muito novo para mim. Estou no começo da minha trajetória e meus sonhos são os mais lindos. Pretendo realizá-los, um a um. A única certeza é que ainda há muito para fazer. Procuro sempre estar focada e fazendo meu melhor, sempre com profissionalismo", planeja.

Pioneirismos

A projeção mundial alcançada por Valentina Sampaio encontra paralelo, em diferentes escalas, na visibilidade obtida por pessoas cuja trajetória virou bandeira pela valorização da liberdade sexual. Lea T foi a primeira trans brasileira a estampar a capa de uma revista de grande circulação no país, a Elle, em dezembro de 2011.

Caroline Cossay, inglesa, atuou em um filme da franquia 007 e chegou a posar para a revista Playboy "como mulher", mas, em 1981, um tabloide revelou a sua transexualidade e a carreira foi afetada. A tailandesa Peche Di fundou, em 2015, a primeira agência voltada para modelos transexuais do mundo, a Trans Models NYC.

O clique

Valentina foi fotografada para a Vogue Paris de número 975 por Mert Alas e Marcus Pigot. A diretora, Emanuelle Art, celebrou: "Estamos orgulhosos"


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