Já a partir da chegada ao Bairro do Recife, na noite deste sábado, o Carnaval de 2017 pareceu diferente dos anteriores. Os longos engarrafamentos que costumavam azucrinar o folião diminuíram sensivelmente, por mais que o primeiro dia oficial da folia seja, tradicionalmente, um dia mais tranquilo. O temor de muita gente a respeito da falta de policiamento neste período crítico também sofreu um revés com a presença ostensiva da Guarda Municipal e da Polícia Militar, ao menos nas principais ruas do Recife Antigo. Era preciso, então, que as atrações dos palcos montados no bairro – especialmente o Marco Zero – dessem conta de animar quem se dispôs a sair de casa para curtir a festa. A julgar pela performance de nomes como Vanessa da Mata, Lenine e Gaby Amarantos no principal palco do Carnaval do Recife, isso aconteceu com louvor.
A noite foi aberta pela Orquestra Popular do Recife, regida pelo maestro Ademir Araújo, e, em seguida, Nena Queiroga fez um “esquente” com o público com as músicas mais queridas do Carnaval pernambucano, como Chuva de sombrinhas e Vassourinhas. A cantora abriu espaço em seu show para o Coral Edgar Moraes, que investiu em um pout-pourri de marchinhas, como Abre-alas, A jardineira, Mamãe eu quero e O teu cabelo não nega, canção que esteve no centro de uma polêmica carnavalesca no eixo Rio-São Paulo este ano por ter um conteúdo considerado racista.
Em seguida, a cantora matogrossense Vanessa da Mata subiria ao palco, mas esse tempo parecia passar mais devagar para quatro fãs: a administradora Élida Santos, de Caruaru, a professora Wennia Georgia, de Natal, a promotora de vendas Virginia Meneses, de Salvador, a professora de educação física Mariana Mesquita, do Recife. Todas fazem parte de fã-clubes e esperavam um show mais alegre, informação passada, segundo elas, pela própria Vanessa. “Acompanhamos Vanessa por todo lugar”, diz Élida.
Entre uma atração e outra, o número Aerogroove, da Cia K. de Circo, mantinha a energia dos foliões com frevos, marchinhas e versões de músicas internacionais. A apresentação, que ficou conhecida por aqui como maracatu aéreo, foi trazida ao Recife por uma empresa de cerveja e vai animar os intervalos entre uma atração e outra do Marco Zero até este domingo. Os 20 músicos do grupo ficaram pendurados a 40 metros de altura, bem perto do palco, girando em uma estrutura composta por guindaste, cabos de aço e cordas operadas por dois homens como contrapeso. O efeito impressionante já havia sido conferido antes em locais como a Avenida Paulista, em São Paulo.
A espera das fãs de Vanessa foi recompensada com uma apresentação bem “para cima”, com músicas de seu último álbum, Segue o som, e músicas queridas por quem acompanha sua carreira, como Amado, Ai, ai, ai e Ilegais. A cantora, presença habitual no Carnaval do Recife, agradeceu a oportunidade e ainda pediu para o público acompanhar É tudo o que eu quero ter para colocar as imagens do Carnaval do Recife ou em um próximo DVD ou em um videoclipe. “Sou muito exigente, chata mesmo. E o público do Recife que não engole qualquer coisa. Estou emocionada, as pessoas me jogaram muita energia. Me diverti horrores”. Relaxada, Vanessa colocou no repertório até covers como Piranha, de Alípio Martins, Sinhá Pureza, de Pinduca e História de uma gata, da peça Os Saltimbancos.
Já Lenine voltou a dominar o público no Marco Zero com canções de seu disco mais recente, Carbono, e também com Paciência, Jack Soul Brasileiro, Hoje quero sair só, que não podem faltar especialmente em uma apresentação na cidade natal do músico. “Acho que tenho de fazer bonito sempre, mas no Recife sou sempre melhor compreendido”. Também foi em sua apresentação que aconteceu um momento marcante da noite: após reclamar de problemas no áudio do baixo, o cantor pediu para começar a música Do it de novo. O rápido silêncio que se seguiu foi preenchido por gritos de Fora Temer em toda a praça. Logo antes, o cantor chamou ao palco o Grupo Bongar para uma homenagem ao centenário do samba. A voz de Lenine se uniu à de Guitinho da Xambá e ambos cantaram juntos Canto das três raças, eternizada por Clara Nunes. “Quis fazer essa homenagem ao samba a partir da tradição de onde ele veio: o terreiro”.