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Música Violinista pernambucana rege orquestra democrática nos Estados Unidos A musicista Juliana Cantarelli comanda a Orquestra Morgantown, nos Estados Unidos, e abre espaço a leigos e profissionais

Por: Larissa Lins - Diario de Pernambuco

Publicado em: 09/01/2017 19:27 Atualizado em: 09/01/2017 18:18

Juliana organiza os concertos na cidade de Morgantown, à frente de orquestra com repertório democrático. Foto: João Rechi Vita/Divulgação
Juliana organiza os concertos na cidade de Morgantown, à frente de orquestra com repertório democrático. Foto: João Rechi Vita/Divulgação

Qualquer pessoa com interesse em música pode ser instrumentista em Morgantown, cidade da Virgínia Ocidental, nos Estados Unidos. A musicista pernambucana Juliana Cantarelli se orgulha disso. Aos 26 anos, ela é diretora e regente da Morgantown Community Orchestra, orquestra popular da cidade, e orienta os moradores que se dispõem a tocar. Não é preciso formação musical, e o investimento financeiro semestral é simbólico.

À frente de enfermeiros, médicos, juristas, artistas plásticos, estudantes primários, aposentados, ela é chamada de “proud mamma” (mãe orgulhosa) pelo grupo - “embora eu tenha idade para ser neta ou filha da maioria dos participantes”, brinca. O apelido vem das adaptações cuidadosas: ela reescreve as partituras mais complexas e posiciona os mais velhos à frente, a fim de guiá-los quando os aparelhos auditivos não alcançam todos os sons. 

Juliana, que vive em Morgantown há dois anos, começou a atuar no grupo como regente assistente, em paralelo ao mestrado na Universidade da West Virginia. Formada em Música na Universidade Federal de Pernambuco, extrai das experiências acumuladas no estado natal inspiração e didática para a regência.

“Meu envolvimento com a música popular pernambucana tem influenciado a escolha do repertório. Minha experiência como violinista da Orquestra Sinfônica Jovem do Conservatório Pernambucano de Música, sob a batuta do maestro José Renato Accioly, é sempre uma grande inspiração”, conta. Ela remete vídeos ao mestre conterrâneo, pede comentários sobre a regência. “Flávio Medeiros e Daniele Cruz, da UFPE, são outros grandes influenciadores. Além do professor Nelson Almeida, com quem tive aulas de regência na universidade”, lista a instrumentista.

Em Morgantown, ela orienta concertos de tango, jazz americano, além de músicas populares tradicionais em países fora do continente americano. Juliana gosta de lembrar à turma que as partituras são guias, não verdades absolutas. Certa vez, ela recorda, a orquestra tocava Raindrops keep falling on my head quando perceberam que a partitura era muito mais “quadrada” que a gravação original da música. Decidiram fazer “sessões de escuta” antes de cada ensaio, a fim de incorporar estilo mais espontâneo. O envolvimento da regente com a música popular, herança do estado natal, o improviso e as produções desprendidas do âmbito erudito ajudam a informalizar a Morgantown Community Orchestra.

Além de músicos amadores, o grupo é formado por profissionais que veem no projeto a oportunidade de tocar os segundos instrumentos. Pianistas de ofício tocam violino, violinistas tocam oboé, oboístas tocam flauta. A regente é violinista.

“Como nossa orquestra é comunitária e aberta ao público, achamos inapropriado submetê-los ao estresse de uma audição [teste para ingressar na orquestra]. No início dos semestres, fazemos um grande ensaio. Todos são convidados a sentar e experimentar como é tocar numa orquestra. Entre 90% e 95% das pessoas retornam no semestre seguinte, criando uma base sólida para a equipe”, explica a pernambucana. No primeiro encontro, ela define com cada novo membro a futura participação - na última temporada, 38 pessoas integravam a Orquestra Morgantown.

Para o novo ano, Juliana articula concerto no Metropolitan Theater - “o Teatro de Santa Isabel da Virgínia”, ela compara - com tema ainda não definido. “Será relacionado ao céu, às estrelas, ao universo. Fomos convidados pelo departamento de Astronomia da universidade para tocar uma peça recentemente composta por um professor-compositor do Texas, Ira Mowitz”, antecipa a regente. O espetáculo, composto para performance simultânea em orquestra, música eletrônica e apresentação audiovisual, celebrará os 100 anos da Teoria da Relatividade de Einstein.

Entrevista: Juliana Cantarelli, musicista e regente da Morgantown Community Orchestra

Aos 26 anos, Juliana busca inspirações nas raízes da cultura popular pernambucana. Foto: João Rechi Vita/Divulgação
Aos 26 anos, Juliana busca inspirações nas raízes da cultura popular pernambucana. Foto: João Rechi Vita/Divulgação
Há idade mínima para participar da orquestra? E formação musical mínima?

Não temos idade mínima. Já tivemos uma criança de 8 anos tocando conosco nos segundos violinos. Eu comecei a tocar em orquestra muito novinha, quero poder prover essa oportunidade para outros também. A formação musical mínima é conseguir acompanhar a leitura musical e fazer parte de uma prática de conjunto. Os instrumentos pertencem aos alunos.

Como são escolhidos os temas dos concertos?
Geralmente, escolhemos o tema do semestre juntos, ao final do semestre anterior. Quando fizemos o concerto Uma noite no cinema, eles comentaram, em um dos ensaios, que seria divertido ter uma temática de cinema. Pois bem, pensei. No ensaio seguinte, anunciei que esse seria o tema, pedi para que todos pensassem em uma música que gostariam de tocar. Passei uma ata e escolhi quais eram as peças mais relevantes, as mais factíveis. Adicionei outras também. A maioria das músicas escolhidas era composta por John Williams. Trouxe uma composta por Henri Mancini (A pantera cor-de-rosa), Ennio Morricone (Cinema Paradiso), entre outros. É bem democrático, tanto quanto possível.

Há brasileiros na Morgantown Community Orchestra?
Não entre os membros fixos. Mas sempre convido um amigo aluno da Universidade da Virgínia, e ele é brasileiro.

Como será o concerto em comemoração à Teoria da Relatividade de Einstein?
O mote nos levou a escolher peças ligadas ao universo. Temos no repertório, até agora, A shout across the universe de Ira Mowitz, alguns noturnos de Chopin arranjados para orquestra, Au clair de lune, de Debussy, uma compilação de cantigas brasileiras que remetem ao luar e a trilha sonora de Star wars. Também vamos experimentar uma composição coletiva usando A noite estrelada, obra do artista holandês Van Gogh.

Como funciona a dinâmica da sua regência?
Eu realmente acredito que música tem que ser aberta para todos. Temos que abrir espaços para quem quiser fazer música. Em música comunitária (ou prática musical comunitária, como os pesquisadores chamam), o regente atua mais como um facilitador do que como um diretor absoluto. Eu estou ali mais para facilitar a interação com a música do que para ditar o que eles precisam fazer ou tocar - como é o modelo de educação formal nos conservatórios. Nas orquestras profissionais, você progride para as primeiras estantes por desempenho, até ocupar as primeiras cadeiras. Na Morgantown, posiciono os mais idosos à frente. Assim, podem ver mais de perto a minha regência e, como usam aparelho auditivo, canto para eles quando se perdem nos ensaios.

Recebe feedback do público, governo, musicistas? Como a cidade tem reagido ao projeto?

A orquestra tem saído mais para a comunidade desde que comecei. Na verdade, esse era um dos desejos de Taylor Giorgio, a regente anterior. Tanto que o meu primeiro concerto como regente foi numa biblioteca, em homenagem ao que ela sempre quis fazer: expandir os horizontes. E aquele foi só o primeiro de muitos concertos e envolvimentos com a comunidade em Morgantown. Tocamos em dois bailes da Cinderella (valsa para a criançada dançar) sediados pela Biblioteca Pública, fizemos um “festival de verão” em um restaurante local, às margens do Rio Monongahela (que corta essa região) e fomos convidados para tocar em diversos abrigos, ONGs, organizações para aposentados... Há tantos convites que não conseguimos dar conta.

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