Chegar na América Latina sempre me enche de energia, diz Julia Varley, do Odin Teatret
Em entrevista ao Diario, a atriz e diretora, que chega ao Recife nesta segunda junto com Eugenio Barba, afirma acreditar no papel estimulante do teatro em tempos de crise
Publicado: 12/12/2016 às 09:23

Atriz e diretora Julia Varley está no Odin Teatret desde 1976. Crédito: Ricardo Fernandes/D.P./D.A Press/
O Odin Teatret, localizado em Holstebro, na Dinamarca, é um dos espaços mais respeitados do teatro mundial. Éo local onde surgiu a antropologia teatral, estudo comparativo das diferentes habilidades que atores e bailarinos conseguiram aperfeiçoar ao redor do mundo, durante várias gerações. A atriz e diretora Julia Varley, no grupo desde 1976, é um dos expoentes do coletivo e vem ao Recife, convidada pelo grupo O Poste Soluções Luminosas, compartilhar um pouco de sua experiência como artista em uma demonstração de trabalho, um espetáculo e uma oficina. O Viver conversou com a britânica criada na Itália, que chega ao Recife junto com o fundador do Odin Teatret, Eugenio Barba, que participa, na terça (13), de conversa pública sobre antropologia teatral.
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Esta não é a primeira vez que você vem ao Recife. O que lembra da última estadia?
Eu lembro de encontros com muitas pessoas diferentes do teatro, sem ter o tempo necessário para conhecer bem o trabalho que fazem no Recife. Encontrei Samuel e Naná, do grupo que organiza a nossa permanência dessa vez, durante a residência da Arte Secreta em Brasília. Faz alguns anos que eles estão tentando levar Eugenio e eu para Recife. Ao fim conseguimos!
A antropologia teatral se tornou algo significativo no teatro mundial. Eugenio Barba e você são reconhecidos como pessoas de teatro na acepção mais completa da palavra. Esse reconhecimento mudou a sua percepção do teatro de alguma forma?
Faço teatro num grupo, Odin Teatret. Vivemos numa pequena cidade de província na Dinamarca, Holstebro. O reconhecimento não é algo que pertence a uma realidade geral, mas é ligada a relações particulares com indivíduos e grupos espalhados pelo mundo com os quais temos desenvolvido experiências comuns, compartilhando a prática do teatro com estéticas diferentes que dependem do contexto no qual trabalhamos. Um espetáculo feito numa aldeia que nunca viu teatro antes ou em um festival de alto nível artístico tem uma significação diferente. Para mim, pode ser mais importante a reação de uma criança que se aproxima a mim como personagem do que saber que alguma universidade estuda os nossos espetáculos sem entender que o que temos desenvolvido nos anos depende das nossas biografias e de um caminho feito para resolver os problemas concretos que tivemos no curso da nossa história como grupo.
De que forma as bases da Antropologia Teatral norteiam seu trabalho não apenas como atriz, mas como diretora também?
A Antropologia Teatral é um estudo comparativo das técnicas do ator-bailarino. Ou seja, é uma consequência da pratica, é uma maneira de indicar os princípios que existem. Então quando trabalho como atriz e diretora não penso na Antropologia Teatral, mas uso esse estudo quando preciso explicar a outros os procedimentos para ter presença em cena e modular energia. É um instrumento pedagógico. Na minha prática eu preciso esquecer o que sei para encontrar algo que me surpreende e não controlar todas as fases de um processo criativo.
Você e Eugenio costumam fazer muitas oficinas e muitas interações com jovens atores das mais variadas culturas. De que forma o contato com essas pessoas revigora a sua fé no teatro?
Na Europa, jovens que fazem teatro se acostumaram a ter subsídios e renunciam nas primeiras dificuldades. Chegar na América Latina sempre me enche de energia, encontrando jovens dispostos a inventar possibilidades de apresentar espetáculos e continuar uma existência em grupo. Em tempos de crise, a necessidade de continuar com o teatro é a de criar uma ilha de autonomia e oxigênio, para dar um pouco de otimismo de poder influenciar e mudar a realidade na qual vivemos.
Em que as vindas ao Brasil enriquecem o trabalho do Odin Teatret em geral e o seu, em particular?
Comecei vir ao Brasil para o Festival de Londrina dirigido por Nitis Jacon nos anos 90. Depois, viemos muitas outras vezes desenvolvendo amizades e colaborações que continuam no tempo. Augusto Omolú, bailarino da Bahia, foi ator do Odin e foi por ele que aprendemos português brasileiro e conhecemos as danças dos orixás que fizeram parte do espetáculo dele dirigido por Eugenio Barba. Temos muitas conexões com diferentes cidades do Brasil hoje, mas a primeira influência aconteceu antes de viajar ao Brasil a primeira vez, quando os cangaceiros foram personagens do espetáculo O Evangelho de Oxyrhincus que fizemos nos anos 80.
O papel da mulher no mundo tem sido bastante repensado nos últimos tempos. De que forma o trabalho da mulher no teatro pode ser mais valorizado, em sua opinião?
Com o meu trabalho vocal compreendi que é a força da vulnerabilidade que pode comover o espetador. Muitas mulheres podem indicar um caminho para saber compartilhar a vulnerabilidade também em cena, sem ter que esconder-se atrás de uma máscara de poder. Uma mulher tem experiência em fazer muitas coisas ao mesmo tempo e a pensar com o corpo. Num tempo de conceitos e realidade virtual, as mulheres têm a responsabilidade de compartilhar esse pensamento paradoxal e complexo.
Em tempos que parecem tão instáveis, qual o papel do teatro no mundo?
Criar relações humanas e fazer compreender que o conflito não é guerra mas a conjunção dos opostos para fazer um mundo mas interessante porque existe a diferença.
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