Viver

Sensacionalista e outros sites usam linguagem jornalística para fazer humor e crítica

Bem-sucedidos, alguns dos representantes do jornalismo ficcional chegam a ter acesso superior ao de veículos tradicionais da imprensa

Sensacionalista, The Piauí Herald e Diário Pernambucano: referências no escracho.

Transformar a realidade em piada pode ser uma boa maneira de tornar mais palatáveis acontecimentos desagradáveis do dia a dia. Rir parece não só uma saída para encarar a realidade, mas também meio para criticar a sociedade, política e cultura. Talvez por isso o humor costuma muitas vezes caminhar ao lado daquele que se propõe a noticiar fatos: o jornalismo. Exemplos prático dessa simbiose, sites como o Sensacionalista, The Piauí Herald e Diário Pernambucano produzem notícias irreais com um pé no factual e acabam virando fontes de informação para muita gente, além de induzir a reflexões mais profundas sobre política, economia, direitos humanos, cultura e critérios de noticiabilidade.

A proximidade entre jornalismo e humor não é de hoje. Junto com as primeiras publicações impressas de caráter informativo surgidas no fim do século 17, popularizaram-se pasquins, panfletos satíricos e caricaturas. É um movimento natural que a internet passe a abrigar também o lado cômico da informação. No ar desde 2009, o The Piauí Herald, da revista Piauí, se dedica a dar um toque de galhofa a fatos dos mais variados. “Temer alega pedalada sintática e assume Nobel de Bob Dylan” e “Polícia Federal encontra grampo no implante capilar de Renan Calheiros” são manchetes que o humorístico estampou recentemente.

Lançado no mesmo ano que o The Piauí Herald, mas com a popularidade alavancada somente a partir da campanha eleitoral de 2014, o Sensacionalista é, hoje, o maior expoente do gênero satírico no Brasil. Com mais de 11 milhões de acessos mensais ao site e quase três milhões de curtidas no Facebook, tem alcance de fazer inveja a veículos tradicionais da imprensa. Tudo a partir do conteúdo feito por uma equipe bem modesta, de oito pessoas: os quatro sócios, Nelito Fernandes, Martha Mendonça, Marcelo Zorzanelli e Leonardo Lanna, além dos colaboradores Rodolpho Rodrigo, Bruno Machado, Martha Esteves e Raphael Pinho.

A produção diária não é exatamente volumosa: varia entre oito e dez textos, postados de segunda a sábado. Segundo o editor Leonardo Lanna, o número de notícias depende dos acontecimentos do dia, mas existe a meta, flexível, de cada um dos integrantes do site produzir pelo menos uma postagem. Outra diferença do Sensacionalista para os jornalísticos convencionais é a inexistência de redação física. Todo conteúdo é feito remotamente, até porque todos os integrantes têm outras ocupações que são a principal fonte de renda. Nelito Fernandes, Martha Mendonça e Leonardo Lanna, por exemplo, são roteiristas de programas humorísticos da TV Globo. A única exceção entre os sócios do site é Marcelo Zorzanelli, que se dedica exclusivamente ao site.

O conteúdo que vai ao ar é decidido em reuniões de pauta feitas via WhatsApp, o que condiz com a lógica de imediatismo da internet. Não existem responsáveis específicos pela cobertura de determinados temas: política, entretenimento, celebridades, esportes - a equipe escreve um pouco de tudo. E, embora os acontecimentos políticos em Brasília costumem estar entre os temas mais recorrentes do noticiário fictício, quase tudo pode ser abarcado no Sensacionalista, dos vestidos da cantora Joelma à prisão do ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha. Manchetes como “Marcelo Odebrecht fecha delação e faltam paredes em Brasília para políticos encostarem a bunda” mostram que o escracho e exagero adotados pelos redatores do Sensacionalista são carregados de crítica.

Vez por outra a linha editorial causa desconforto em quem vira alvo das piadas. Em 2015, o deputado federal Marco Feliciano (PSP) chegou a processar o site após uma notícia afirmar que o líder evangélico deixaria de importar cosméticos norte-americanos em repúdio à liberação do casamento gay dos EUA. Feliciano entrou com ação na Justiça pedindo indenização por danos morais e solicitando para não ser mais citado pela página. Perdeu em todas as instâncias. Eleito prefeito do Rio de Janeiro, o bispo licenciado da Igreja Universal Marcelo Crivella (PRB) foi mais um político a se incomodar e, em outubro, entrou com representação na Justiça Eleitoral solicitando a retirada de um vídeo que ironiza a candidatura. O esquete, intitulado “Crivella conta porque não vai a debates”, mostra uma falsa entrevista por telefone com o candidato. A voz de um imitador afirma que se afastou da campanha porque “já ganhou a eleição” e que “nem o próprio Deus me tira essa vitória”.

Os vídeos, como o que incomodou Crivella, são novidade: começaram a ser exibidos em agosto e vão ao ar duas vezes por semana, às terças e quintas, a partir das 11h. Com números mais modestos, o canal do YouTube tem perto de 34 mil assinantes; o programa mais visto tem 307 mil visualizações. “A gente achou que fosse transferir a base de leitores mas o público é diferente”, explica Lanna, que diz só ter encontrado recentemente o formato ideal para o conteúdo em vídeo. “Estamos apostando. É mais trabalhoso e custoso, mas estamos tendo prazer”, afirma, lembrando que não é a primeira passagem do grupo pelo audiovisual. O jornalismo absurdo da trupe também deu as caras na TV pelo Jornal Sensacionalista, entre 2011 e 2014, no Multishow.

Até a mídia impressa foi alcançada pelo humorístico, que ganhou coluna sobre as eleições no Sudeste e conta com antologia das melhores notícias reunidas em Pagar por um livro que está na internet é sinal de genialidade, dizem especialistas (Belas-Letras, 239 páginas, R$ 29,90). Entre tantos projetos, Leonardo Lanna só não menciona, nos próximos passos do Sensacionalista, a realização de um desejo da equipe: tirar férias.

Papa-Figo está com os dias contados

Bione promete migrar irreverência do Papa-Figo para a internet.

Passados mais de 30 anos de existência, o jornal recifense Papa-Figo ainda encontra graça para continuar fazendo piadas sobre a política e a sociedade local. A publicação impressa, que já foi semanal e hoje é publicada mensalmente, se prepara para uma despedida em breve. Segundo um dos fundadores, o jornalista e médico Manoel Bione, único responsável por tocar a publicação atualmente, serão feitas apenas mais duas edições, sendo o número 360 o derradeiro. O alardeado fim da publicação, no entanto, não é, de fato, um adeus, explica o responsável. “É um factoide. Contei isso para chamar a atenção para o blog do Papa-Figo”, revela. Com isso o jornal deixa de existir na versão física, mas segue online no papafigo.com.

“A coisa está ficando muito dinâmica e não dá mais para esperar um mês inteiro para publicar”, conta Bione, que se declara “proprietário, editor e office-boy” da publicação. O jornalista promete levar conteúdo diário em textos e charges e, além disso, produzir vídeos. Bione pretende resgatar o formato do noticiário humorístico produzido no programa televisivo do Papa-Figo, exibido pela TV Jornal nos anos 1990. Na nova versão, ele vai encarnar o repórter fictício Ivan Pé-de-Mesa, que assina parte dos textos do Papa-Figo, ao lado de outra criação sua, Eva Gina dos Prazeres, a secretária da redação, que será interpretada pela atriz Cléria Barquerta.

Um diário falsiê, mas sem farsa

%u201CA maneira mais fácil de injetar uma crítica é através do humor", diz Raphael Tenório, do Diário Pernambucano.

Com o slogan “falsiê, mas sem farsas”, o site Diário Pernambucano também busca um sotaque regional no jornalismo fake (falso). E, não raro, as notícias irreais acabam sendo compartilhadas como se fossem verdade. Sinal de que o que é inverossímil está cada vez mais crível entre tantos acontecimentos absurdos do dia a dia. “Ninguém sabe distinguir mais o que é verdade ou uma realidade”, avalia o mestre em filosofia Raphael Tenório, idealizador do site.

“O que eu quero é que o sujeito se impacte com o que lê, um absurdo que chame a atenção e leve o leitor a se confundir”, declara, ressaltando que busca imprimir aos textos o máximo de rigor jornalístico. “A maneira mais fácil de injetar uma crítica é através do humor, que é uma linguagem universal, assim como o jornalismo”, opina. Além do aspecto crítico, Tenório destaca um caráter educativo no processo de confusão entre o que é notícia real ou falsa. “Não é para enganar, mas para informar o leitor. Quem é enganado uma vez fica mais desconfiado na próxima que se deparar com uma informação”, defende o filósofo, explicando o que ele chama de “pedagogia da apuração”.

Leia a notícia no Diario de Pernambuco
Loading ...