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Cinema Crítica de O Ex-mágico: Quando uma animação presta homenagem a Murilo Rubião Filme ganhará exibições, na Caixa Cultural e no Cinema do Museu, durante o Festival Animage em novembro

Por: Érico Andrade - Especial para o Diario

Publicado em: 21/10/2016 10:24 Atualizado em: 21/10/2016 10:33

Curta fez parte da programação do Festival de Gramado. Foto: Cattleya/Divulgação
Curta fez parte da programação do Festival de Gramado. Foto: Cattleya/Divulgação


*Por Érico Andrade

O salmo LXXXV, I que apela à escuta do senhor e abre a animação O ex-mágico, título homônimo do texto de Murilo Rubião, é seguido de uma espécie de fuga ofegante da personagem principal da paz que lhe seguira, de certa forma de paz. A paz burocrática da vida cotidianamente cansativa, repetitiva e exaustiva. Quando chega à sua casa, a personagem violenta a paz, golpeando-a e numa só cajadada acerta a pomba branca e a bíblia, sobre a qual ela estava. De todos os animais que já foram objetos do ex-mágico, era preciso acabar com aquele que representa o conforto mórbido da uniformidade do cotidiano, da estabilidade. O recado está dado: o cansaço não encontra sossego nem amparo no ouvido do senhor, nem em lugar nenhum. Ele não encontro sossego em nada. Afinal, lembremos de um dos heterônimos de Fernando Pessoa, Álvaro de Campos, o cansaço não é "disto nem daquilo, Nem sequer de tudo ou de nada: Cansaço assim mesmo, ele mesmo, Cansaço".

O que invade a personagem central da animação não é tanto a melancolia, na forma da depressão, mas sim o tédio. Uma espécie de tédio que assim como a depressão tem o poder de promover a perda pelo interesse no mundo. Um desligar-se do mundo para dar vazão a uma imersão dentro de si. É quando somos a prisão de nós mesmos. Um aspecto narcisista está no primeiro plano de uma condição como essa que faz o ex-mágico desligar-se do mundo. Esse desligamento, rompimento, é traduzido por um cenário que não apenas é meticulosamente sombrio como também transparece a continuidade entre cores e objetos que expressam sempre repetição. Não há distinção entre os objetos e as outras personagens que os manuseiam. Tudo compõem um só quadro de desinteresse diante do flagelo da repetição. Também são os traços verticais e negros dos cenários da animação que dão o tom de profundo ensimesmamento da personagem, uma vez que todo cenário da animação é o espelho do ex-mágico.

A sombra do mágico, maior do que a própria personagem, lhe acompanha ao almoxarifado, onde ele tenta se refugiar no coração dos objetos que lhe impõem o tédio. Refazer a vida. Ele tenta fazer seus truques. No entanto, a mágica agora sai do seu próprio corpo, lhe abandona e como diria novamente Álvaro de Campos, o deixa para habitar um amanhã que sempre é amanhã; nunca chega. O quadro depois da sua nova ofegante fuga, agora sabemos bem, do entediante trabalho, e da chega à sua casa, é, acompanhado de um enfoque nos animas, objetos de sua mágica, decapitados, assim como mutilada se encontra a sua esperança. O próximo passo é a automutilação, mas o cansaço não lhe dá forças para se matar. A arma se transforma em lápis, o pulo pela janela, na tentativa mais desesperadas dos suicidas, transforma-se numa queda doce e suave de paraquedas. Para um funcionário público e ex mágico não era facultada a possiblidade de morrer de uma só vez. A sua luz só se apagaria aos poucos quando tivesse, enfim, atravessado os intermináveis e idênticos papeis que consumiam a sua vida e apagavam no centro do picadeiro o desejo que já não mais lhe habita.



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