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Decoração Artistas visuais descobrem novo nicho de atuação com pinturas em ambientes internos Paredes e portas se tornam alguns dos locais onde os artistas podem criar obras exclusivas

Por: Isabelle Barros

Publicado em: 27/08/2016 21:22 Atualizado em:

O arquiteto Silvio Rodrigues, a esposa Mariana Lucena, e o filho de 1 ano, Enrico, aprovaram sala com pintura de Derlon. Crédito: Antîonio Félix/Divulgação
O arquiteto Silvio Rodrigues, a esposa Mariana Lucena, e o filho de 1 ano, Enrico, aprovaram sala com pintura de Derlon. Crédito: Antîonio Félix/Divulgação
Desde as cavernas pré-históricas, desenhos e pinturas em superfícies verticais se tornaram uma forma de se comunicar com o mundo, transcendendo a função do local de moradia ou de convivência como abrigo ou refúgio. A história mostra o quanto adornar as paredes de uma casa é uma estratégia usada para marcar a singularidade de um espaço e seu papel em uma sociedade. As pinturas rupestres e os afrescos são etapas diferentes de um impulso universal em trazer a criação artística como parte integrante das vidas das pessoas. Hoje, em um mundo que implodiu as definições cristalizadas de arte, a pintura feita diretamente em superfícies como paredes, divisórias, portas e chão se transformaram em um elo possível entre a decoração de interiores e as artes visuais.


A pesquisa de novos suportes é o motor para vários artistas explorarem a pintura de paredes em ambientes internos, como casas e restaurantes. O artista visual e ilustrador Pedro Melo é um exemplo disso, ao falar da passagem do papel para madeira. A partir daí, se tornou natural passar para trabalhos em formatos cada vez maiores. “Postei o resultado no Instagram e comecei a receber pedidos. O primeiro deles foi no Nez, em Boa Viagem, em ilustrações sobre madeira de demolição. Foi um sucesso. Pintei a parede de outro restaurante, o extinto Guadalupe, e, em seguida, uma arquiteta entrou em contato comigo para pintar um quarto de criança. Este foi o início dos trabalhos residenciais”.

Após uma pausa nesse tipo de trabalho, Pedro voltou à técnica, após, em sua opinião, consolidar mais seu traço. O artista também fala da comodidade em customizar um espaço de forma a agradar tanto o artista quanto a quem o contratou. “Uma das pessoas que me contratou disse algo para mim: essa é oportunidade de você fazer uma tela na parede. Em casa, as pessoas têm a opção de decorar as paredes com quadros ou até pratos, mas um painel deixa a parede inteira e ainda dá a opção de harmonizar com os móveis”. A oportunidade de se testar em técnicas variadas, como óleo e acrílica, além de novos, temas, também o atrai nessa busca. “Em minhas telas de madeira, opto por temas mais sacros. Já na parede, solto a mão, uso um traço mais grosso. Faço camadas com imagens abstratas, simbólicas. Hoje, uso pinceis bem achatados para dar a impressão de uma pincelada bem orgânica. Prefiro não pensar muito na hora de fazer”.

Muitas vezes, pintar paredes em ambientes internos é o desdobramento de uma pesquisa voltada para a arte urbana, como é o caso do artista visual Derlon Almeida, pernambucano radicado em São Paulo. Para ele, a pintura de interiores é a chance de ter uma nova relação com o espaço e de ter uma lapidação sobre sua técnica, pois sua trajetória artística começou com grafites espalhados pelas ruas do Recife, inspirados na estética da literatura de cordel. “Não faço coisas pesadas, faço imagens agradáveis aos olhos. Já que você não pode mudar esse tipo de pintura de lugar, ao contrário de um quadro, presto mais atenção para meu trabalho sair mais equilibrado ”.
 
Derlon também chama a atenção para a relação mais próxima entre o artista e seus clientes. Essa  procura, segundo ele, é uma garantia de estar no caminho certo. “Quem me chama já pesquisou sobre mim, admira meu trabalho e tem uma ideia precisa do que deseja. Elas pedem muitas famílias, pássaros e essas figuras se adaptam em qualquer parede. Na rua, com o grafite, você tem uma mão mais leve. Para os dois ambientes, uso o mesmo material, mas a técnica muda. Uso muita fita crepe para isolar os espaços, não uso máscara”.

Ver uma pintura sendo feita desde o começo traz, segundo Jeims Duarte, a oportunidade de as pessoas estabelecerem uma nova ligação com as artes visuais. Desde 2015, o artista visual começou a fazer trabalhos diretamente em paredes, em um projeto com o nome Lápis de Casa. Antes disso, ele já tinha uma trajetória consolidada no desenho, trazendo imagens reflexivas e irônicas a temas como a ocupação urbana desordenada do Recife. “Acho que esta foi uma tentativa minha de me aproximar do destinatário final das minhas obras. Quando você coloca um quadro em uma exposição, praticamente não tem contato com quem vai adquiri-lo. Este é um meio-termo entre a autoria do artista e uma negociação na qual os dois saem ganhando. Você expressa o que deseja e, ao mesmo tempo, deixa o outro feliz. Não se perde em autonomia e verdade”.

De acordo com o artista, as semelhanças entre o papel usado para desenho e as paredes de casa podem surpreender. “Quando um ambiente interno tem um acabamento acetinado, ela parece um papel extremamente delicado. A partir daí, você tem duas possibilidades: ou fazer um trabalho muito delicado ou ir para um outro extremo: quebrar a parede, sujar. Depende muito do feeling do lugar. São possibilidades que existem também com papel. A maior diferença está na escala do trabalho, mas isso só pesaria mesmo se eu precisasse, por exemplo, de andaimes”.

Quem também se aventura pela pintura em ambientes internos é o apresentador da TV Clube Flávio Barra, que leva os personagens que cria para residências e estabelecimentos comerciais, especialmente as Marias, figuras femininas de cabelos coloridos inspiradas na filha de 11 anos. Flores e beija-flores são outras figuras nas quais ele investe seu tempo, também em muros e fachadas de casas. “As pessoas querem algo que traga delicadeza e paz. A grande maioria dos meus clientes pedem as Marias na sala de casa”. De acordo com Flávio, as mudanças de técnica entre pintar dentro de uma casa e fazer uma arte mais voltada para a rua se voltam especialmente para o uso da cor. “A madeira, por exemplo, absorve mais a cor do que uma tinta de parede”.

DEPOIMENTOS
Vanessa Patriota, procuradora do trabalho
"Eu já tinha esse costume de comprar obras de arte, especialmente de artistas pernambucanos, como Luciano Pinheiro, Maurício Castro, Marina Mendonça e conhecia a obra de Jeims de vários lugares. Lembro, por exemplo, de uma ponte desenhada por ele na parede do restaurante Capitão Lima, e tinha vontade de comprar um trabalho dele. Não sabia exatamente se seria algo feito na parede ou em uma tela. Passei para ele informações sobre as coisas que eu gostava, como era a minha vida, quais eram os meus interesses. Moro na Rua da Aurora e ele me apresentou justamente essa história da ponte. A sugestão dele foi de fazer na parede e gostei muito do resultado, pois não tive apenas a obra pronta, mas o processo criativo. Ele passou dois dias trabalhando e eu estava bem presente. Pude compreender qual o universo de criação dele, como as coisas vão surgindo. Jeims, inclusive, sugeriu adicionar algumas questões a partir de nosso diálogo. Quando as pessoas chegam aqui em casa, reagem muito bem, perguntam quem foi o artista, quais as escolhas dele"

Andrea Gorenstein, advogada
“Conhecia a obra de Jeims há, talvez, quatro anos, e me impressionavam igualmente a qualidade do seu desenho - que acho assombrosa - e a gama de temas que lhe interessam. Acho que há uma qualidade muito impactante, no aspecto visual, e, embora seu trabalho no suporte tradicional não seja propriamente acessível, ainda estava muito aquém do valor das obras. Ter algo dele estaria, portanto, na esfera do desejo. Quando soube que ele estava produzindo arte parietal, mais efêmera, porém, mas acessível que suas telas, fiquei felicíssima. Era uma oportunidade de realizar rapidamente um desejo distante. A natureza efêmera da pintural mural, para mim, é um dos aspectos mais interessantes da  obra, porque ela joga contra a idéia de monetização da arte, você não fará dela um investimento. A obra adere ao imóvel, não poderá jamais mudar de lugar para acomodar uma rearrumação dos móveis, não pode se guardada um tempo para depois ressurgir na parede, se você cansar temporariamente, não pode ser carregada consigo em caso de mudança. O mural, numa cidade úmida e em que em que construções nao sao feitas para durar, é uma forma de declarar a paixão à obra, apesar da ação do tempo, apesar daquela característica da fixidade. Ou seja, ela não é diferente da paixão que temos por pessoas, apesar da ação do tempo, apesar de características fixas. É um outro convite amar intensamente pelo tempo que durar, e esse já é um apelo em si mesmo”


Silvio Rodrigues, advogado
"Já seguia Derlon no Instagram e o chamei para fazer um painel em uma das paredes do Black Bird Food Park, em Santo Amaro, aberto por mim e pela minha esposa, Mariana Lucena. Queríamos uma pegada de xilogravura para o espaço. Ele mora em São Paulo, mas veio ao Recife para realizar este trabalho e gostei tanto do mural que o chamei para fazer um trabalho semelhante na minha casa. Ele fez uma representação da nossa família, comigo, minha esposa, meu filho de um ano, a padroeira da família, Nossa Senhora das Graças e um passarinho, marca de Derlon. Isso aconteceu há três meses e foi bem rápido, em uma tarde já estava tudo pronto. A vizinhança foi toda ver e agora eles também querem paineis em suas casas".


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