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Literatura Jovens autores abordam questões emocionais em livros Jout Jout, Karol Pinheiro e outros transformam experiências pessoais em textos

Por: Breno Pessoa

Publicado em: 29/06/2016 21:00 Atualizado em: 29/06/2016 17:54

Jout Jout leva o estilo despojado de seus vídeos para as páginas da publicação. Páprica Fotografia/Divulgação
Jout Jout leva o estilo despojado de seus vídeos para as páginas da publicação. Páprica Fotografia/Divulgação

Certa vez Ariano Suassuna disse que a literatura era o caminho encontrado para enfrentar a tarefa de viver. Para José Saramago, a escrita era uma forma de buscar compreensão sobre o ser humano. Seja por enfrentamento ou tentativa de assimilar melhor o mundo, alguns autores encontram no texto destino para as dúvidas, dificuldades e angústias, por meio da ficção ou da autobiografia. Publicações recentes sinalizam que problemas e sentimentos da geração atual podem se transformar em páginas de livro.

Julia Tolezano, a Jout Jout, cujo canal no YouTube já conta com mais de 900 mil seguidores, transportou para o livro Tá todo mundo mal: o livro das crises (Companhia das Letras, 200 páginas, R$ 29), o estilo adotado em nos vídeos. De forma descontraída e em tom confessional, a autora fala abertamente sobre problemas relacionados à autoestima, crises amorosas, traumas familiares, dúvidas profissionais e outros temas abordados em 46 textos curtos.

"Nada mais reconfortante para quem está numa crise do que saber da crise dos outros e ficar medindo em silêncio sobre se a deles é pior ou mais branda do que a nossa própria", escreve a vlogger na introdução do seu livro. Embora alguns títulos e temas abordados soem como autoajuda, a tentativa dos jovens autores jovens é fugir do rótulo. "Não é autoajuda, mas quero que sirva de inspiração para as pessoas", explica Karol Pinheiro, jornalista e autora de As coisas mais legais do mundo (Verus Editora, 144 páginas, R$ 29,90), cujo lançamento na capital pernambucana será no domingo, às 14h, no terraço de eventos do Shopping Recife (Rua Padre Carapuceiro, 777, Boa Viagem).

Com mais de 500 mil seguidores no YouTube, a blogueira diz ser consciente da influência que exerce sobre o público e, por isso, teve cuidado na escrita e escolha do conteúdo. São cem textos, entre contos e crônicas, não necessariamente autobiográficos, mas inspirados em suas experiências pessoais. "Também me ajudou a conhecer mais sobre mim mesma", diz. Ao fim de cada capítulo, a autora propõe aos leitores atividades como criar, escrever ou desenhar algo relacionado ao que acabou de ler.

"Tentei trazer questões que vivemos no nosso dia a dia", explica, citando amor, fim de namoro, morte, amizade e medos como alguns dos assuntos abordados. Uma das inspirações da jovem escritora é Martha Medeiros, que também ficou famosa por abordar questões existenciais nas obras.

Outro nome popular na internet, Frederico Elboni, autor do blog Entenda os homens e roteirista do programa Amor & sexo, da Globo, reuniu no livro Só a gente sabe o que sente (Saraiva, 168 páginas, R$ 24,90) pensamentos a respeito de inseguranças, amores perdidos e outros temas. As crônicas, escritas em tom de conversa, são focadas sobretudo em questões sentimentais, abordando, além de paixões, perda de parentes, companheirismo, mudanças profissionais e outros temas universais.

Para o escritor Jacques Fux, o interesse do público nesse tipo de conteúdo é algo similar à curiosidade vista habitualmente em redes sociais. “As pessoas passam a se interessar pela vida dos outros e buscam se encontrar neles”, acredita. Embora não seja autobiográfico, Brochadas (Rocco, 240 páginas, R$ 29,50), escrito por ele, pode ser classificado como autoficcional. Além de discutir e teorizar sobre o ato de brochar, o narrador do livro, que é o próprio autor, relata, em primeira pessoa, problemas de relacionamentos anteriores e reproduz e-mails trocados com ex-namoradas. O escritor prefere manter mistério sobre o conteúdo ser ficcional ou não.

"Estou discutindo a leitura que se faz do mito de que homem é concebido para não falhar, sobretudo no contemporâneo, nas redes sociais, em que todo mundo parece feliz e vitorioso", destaca Fux. A maneira que o autor encontrou para falar sobre o tabu foi apresentar um anti-herói que é "brocha": "É um trabalho sério, essa grande vergonha. Trabalhar e escancarar ela ludicamente é um caminho", opina.

Na avaliação dele, um livro é tocante quando o leitor enxerga no autor experiências semelhantes às suas. "Se você de alguma forma vivenciou aquilo, se vê próximo daquela dor. Você não se acha sozinho. É uma massagem no coração", completa.

Confissões

Jacques Fux faz questão de deixar o leitor confuso sobre a veracidade das confissões do narrador, que é o próprio escritor. Ele enfatiza que a memória pode ser falaciosa e modificar lembranças.

"Escrever é uma forma de relembrar, recriar ou talvez consertar (jogar merda no ventilador) tudo que deu errado, ou certo demais. O meu narrar é bartlebykafkaniano, onde nada acontece, nada é muito bem entendido, mas tudo causa estranhamento, faz reviver sensações, emoções e sentimentos”.
Brochadas, de Jacques Fux

Para Jout Jout, tudo é motivo para desencadear uma crise emocional, desde as mudanças no corpo causadas pela puberdade até questões mais sérias, como o medo da possibilidade de um estupro.

"Hoje, do alto dos meus 25 anos, posso dizer que me tornei uma especialista. Já tive crises de todos os tipos, tamanhos, intensidades, direcionadas a todo tipo de gente e de objeto; já tive crises em cidades diferentes e países diferentes".
Tá todo mundo mal, de Jout Jout.

Frederico Elboni mantém tom de confissão ao falar de experiências. Mais do que narrar acontecimentos, ele busca aconselhar os leitores.

“A dor sempre será inevitável. Para todos. E é a gente que escolhe se vive momentos especiais ou se os perde para evitar o sofrimento. Tudo questão de escolha. Acontece que poucos sabem que não há como viver grandes aventuras e grandes amores sem assumir o risco”.
Só a gente sabe o que sente, de Frederico Elboni.

Descartando a classificação de autoajuda, Karol Pinheiro busca inspirar os leitores a partir de contos e crônicas que são, de alguma maneira, baseados em acontecimentos pessoais.

"Deixou as lágrimas escorrerem, fechou os olhos bem forte e só abriu de novo quando o carro da frente começou a se mover. Aí, sim, com muita rapidez, enxugou o rosto, respirou fundo, pisou no acelerador e seguiu em frente".
As coisas mais legais do mundo, de Karol Pinheiro.

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