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Estilista pernambucano comemora 50 anos de carreira e resgata tendências da moda local

Paulo Carvalho começou a carreira como modelo nos anos 1960, e prepara desfile comemorativo em formato de retrospectiva

Paulo Carvalho prepara desfile em formato de retrospectiva para comemorar os 50 anos de carreira. Foto: Paulo Paiva/DP

No Recife dos anos 1950, Paulo Carvalho usava os versos das provas de matemática para desenhar croquis. Era uma criança insurgente, como tantas outras que formariam, mais tarde, a geração dos anos loucos. A repetição do “mau hábito” lhe renderia, além de nota zero na ficha escolar da disciplina, a maturação precoce do talento para a moda. Anos mais tarde, estilista consagrado no segmento de festa na capital pernambucana, ele receberia a professora de matemática no papel de cliente, ganhando sentença de redenção: “Agora, pode colocar o número um à frente daquele meu zero, seu trabalho merece nota dez.” Com a bênção, a matemática seria definitivamente deixada para trás, e Paulo, filho de enfermeira e funcionário público, ganharia a vida com os croquis.

Foi durante a ditadura militar no Brasil que o estilista, com 1,94 m de altura, formado em filosofia e letras, penetrou o cosmo da moda. “Comecei como modelo, trabalhei por um tempo no Rio de Janeiro, ganhei alguns prêmios, participei do Programa Flávio Cavalcanti… Era uma época difícil, de censuras, contradições. Mas o luxo e o glamour encontraram brecha na sociedade, com nomes como Denner e Clodovil. A moda se fez necessária, e eu me apaixonei por ela”, recorda. Decidiu, então, regressar à terra natal, onde os desenhos à mão substituíram as caminhadas sobre a passarela. E, na função de estilista, 50 anos de carreira se passaram. No ateliê no Recife, onde já atende as netas de suas primeiras clientes, o estilista prepara desfile comemorativo: serão três vestidos inspirados nas tendências de cada década em atividade.

Por trás dos balcões de lojas de departamentos da capital pernambucana, no início da trajetória profissional, Paulo acumulou experiência no atendimento à clientela e na consultoria de estilo. Distribuía dicas, gentilezas, cumprimentos. À noite, lápis e aviamentos em mãos, concebia e costurava modelos autorais. “Mais tarde, ao montar meu próprio ateliê, me especializei em produzir moda festa e vestidos de noiva. Isso me permitiu acompanhar todas as transformações do universo fashion década a década, por se tratar de uma área que privilegia os detalhes, as nuances”, conta Carvalho. Os bordados luxuosos dos anos 1970 deram lugar aos laços e silhuetas largas dos anos 1980, que foram destronados pela importação de malhas produzidas em larga escala nos anos 1990 e, finalmente, pelo apelo ao preciosismo das confecções artesanais nos anos 2000 e 2010, época em que a produção massiva se tornou um clichê.

Os vestidos de noiva e de festa são especialidades de Paulo. Foto: Paulo Paiva/DP

Anos 1960

Foi durante a ditadura militar que, segundo Paulo Carvalho, a moda brasileira começou a adquirir contornos luxuosos e, inclusive, políticos. As cores, bordados, saias rodadas e vestidos extravagantes iam de encontro à censura, aos castigos e às proibições. Foi nessa época que Yves Saint Laurent criou o “le smoking” (versão feminina do convencional), chocando o mundo conservador. As mulheres ainda eram rechaçadas ao usar calças compridas, mas a francesa Coco Chanel já introduzia a androginia no mundo da moda. “Em Pernambuco, as peças eram luxuosas, ostentavam posses e reforçavam o status das damas da sociedade. As peças eram cuidadosamente elaboradas, o que as tornava atemporais.”

Anos 1970

Nos anos 1970, o luxo não somente era permitido, mas encorajado. “A matéria-prima, por si só, era luxuosa. Foi o apogeu da moda pernambucana”, conta Paulo. “As pessoas que procuravam a alta costura tinham grande poder aquisitivo, o que permitia que a criatividade dos estilistas corresse solta. Existiam poucas boutiques, nós desenhávamos muito”, recorda. Nessa década, Paulo começou a ganhar destaque no ramo, vestindo até 18 das 20 candidatas ao tradicional concurso de Miss da época. As referências vinham de Hollywood, entre Elizabeth Taylor, Brigitte Bardot e Audrey Hepburn. “Os vestidos eram armados, rodados, cheios de riqueza e bordados elaborados. Nós gastávamos muito, muito material. As coleções em todo o mundo ostentavam o luxo. Em Pernambuco, eu acompanhava essas tendências através das revistas.”

No atelier, o estilista recorda as tendências das últimas cinco décadas dedicadas à moda. Foto: Paulo Paiva/DP

“A ascenção de Kenzo [Takada, estilista japonês] influenciou profundamente a moda. As roupas ficaram mais largas, mais folgadas, descontraídas”, lembra Paulo Carvalho. Em Pernambuco, as clientes mais antenadas com os expoentes da moda internacional já não encomendavam modelagens ajustadas ao corpo, mas, sim, com um número acima de suas medidas. As que estavam acima do peso, segundo o estilista, eram as mais beneficiadas pela nova tendência. Enquanto isso, Saint Laurent seguia ditando as próprias regras - ecoadas em todo o mundo, em paralelo com as de Kenzo. “Saint Laurent continuava a produzir uma moda cuidadosa, primorosa. Laços, flores, saias…”, diz Carvalho, embora se considere mais influenciado por Kenzo Takada naquela ocasião.

Anos 1990

Nessa fase, a moda passa a considerar mais fortemente a redução de custos. Em Pernambuco, a produção é otimizada e o gasto de matérias-primas, reduzido. “Passada a euforia dos anos 1980, precisávamos de materiais mais baratos, tecidos mais simples. A moda exigia economia e criatividade”, pontua. Foi nos anos 1990, com as importações facilitadas por manobras econômicas nacionais, que a malha e as coleções produzidas em larga escala adentraram fortemente o Brasil. As lojas de departamento ganharam mais representatividade e a costura sob encomenda passou a ser considerada supérflua, dispendiosa. “Porém, as pessoas viam a moda como símbolo de distinção. Se vestir bem passava a mensagem de que você podia mais. Hoje, se sabe que não é preciso ser a mais rica para se destacar. É mais importante ser bem posta, simples e elegante.”

Anos 2000 e 2010

A globalização está consolidada: em tempo real, é possível acompanhar as tendências das principais semanas de moda internacionais. “Entram em jogo novos mercados, todos extremamente competitivos. Temos os Estados Unidos, a China… Às vezes, as matérias-primas vêm de fora. Às vezes, os clientes viajam e trazem, eles mesmos, peças prontas, fabricadas no exterior, por acreditar que são de qualidade superior. Tudo é muito sintético, prático, veloz”, analisa Paulo. Materiais como seda e renda tornam-se tão caros, que o artesanal é ressignificado: ganha valor diante da produção em massa, agora tão difundida. “Não se mata tantos animais, não existem mais as plumas e peças em couro de antigamente. E isso é bom, essa conscientização. O planeta precisa desse cuidado.” O aluguel de roupas, os bazares e a ‘reciclagem’ de roupas antigas ganham mais espaço. A moda é mais democrática e os custos, mais acessíveis.

Os traços de Paulo Carvalho fidelizarm clientela atenta às tendências da moda pernambucana. Foto: Paulo Paiva/DP

>> Números

77 anos de idade

50 anos de carreira como estilista

60 dias, em média, para confeccionar um vestido de festa

5 dias de produção por semana

5 pessoas na equipe

Leia a notícia no Diario de Pernambuco
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