Viver

Dez forrós que você canta errado e não sabia

Tá é danado de bom, tá é danado de bom, forrozinho... bonitinho? miudinho? gostosinho? erradinho?

Público e intérpretes trocam as bolas e confundem palavras e frases de canções clássicas do forró. Arte: Samuca/DP

Os festejos juninos no Nordeste resgatam as tradições e têm o forró como trilha sonora oficial. O cancioneiro popular da festa é composto por termos e expressões particulares do universo rural. Clássicos de Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Dominguinhos, Trio Nordestino e outros compositores do gênero, entretanto, são alvo da confusão do público e de intérpretes. O Viver pediu sugestões a quem entende do assunto e listou os dez forrós que (quase) todo mundo canta errado.

Confira o roteiro de shows do Divirta-se

"É comum haver confusão quando o assunto são as letras. Isso faz parte da cultura brasileira. O povo quer cantar e, embora não domine, termina fazendo à sua maneira", observa o cantor e compositor Maciel Melo, que recentemente interpretou um repentista na novela Velho Chico (Globo).  

"Já ouvi cantarem 'Melequinha, como vão? Tá tudo bem?' na música Caboclo sonhador", relembra o artista. "A responsabilidade de estar no palco é muito grande. Às vezes, o cantor pode se emocionar e acaba trocando um verso ou frase", comenta. Maciel costuma se divertir com as gafes do público em geral e até de companheiros de profissão. "Aproveitamos para tirar sarro nos bastidores. A música, de certa forma, permanece na cabeça nas pessoas".

As músicas de Gonzaga, o Rei do Baião, não escaparam. Por exemplo, não é tarefa nada fácil reproduzir item por item do que se vende em A feira de Caruaru, escrita por Onildo Almeida. Em Danado de bom, o desafio é acertar a ordem dos diminutivos. Já em Olha pro céu, o autor quis dizer que balão multicor está "sumindo", ou seja, desaparecendo.

O poeta Petrúcio Amorim listou composições que já foram confundidas. "As pessoas cantam de acordo com o que elas ouvem. Hoje em dia, perdeu-se o costume de acompanhar com a letra na mão. Até os títulos sofrem alterações", comenta. O clássico Meu cenário foi confundido com "meu canário", o pássaro.

Com título oficial Filho do dono, a faixa só é lembrada pelo refrão: 'Canta boi com sede bebe lama!', pediu um fã. "O povo nem percebe o erro, eles só querem dançar", analisa Petrúcio. O forrozeiro Santanna chama a atenção para erros que interferem no sentido da música. "As letras erradas são propagadas e terminam caindo no imaginário coletivo", critica.

Confira as letras corretas de canções tradicionais e os erros mais comuns, apontados pelos compositores:

Asa Branca (Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira)

O correto é  "qual" fogueira, que significa como fogueira

Quando olhei a terra ardendo

Qual fogueira de São João

Eu perguntei a Deus do céu, ai

Por que tamanha judiação

Eu perguntei a Deus do céu, ai

Por que tamanha judiação

Que braseiro, que fornaia

Nem um pé de prantação

Por falta d'água perdi meu gado

Morreu de sede meu alazão

Por farta d'água perdi meu gado

Morreu de sede meu alazão

Inté mesmo a asa branca

Bateu asas do sertão

Então eu disse, adeus Rosinha

Guarda contigo meu coração

Então eu disse, adeus Rosinha

Guarda contigo meu coração

Hoje longe, muitas légua

Numa triste solidão

Espero a chuva cair de novo

Pra mim voltar pro meu sertão

Espero a chuva cair de novo

Pra mim voltar pro meu sertão

Quando o verde dos teus óio

Se espaiar na prantação

Eu te asseguro não chore não, viu

Que eu voltarei, viu

Meu coração

Eu te asseguro não chore não, viu

Que eu voltarei, viu

Meu coração

[VIDEO1]

Caboclo Sonhador (Maciel Melo)

Os nomes de Neca e Quinha são confundidos. Alguns trocam até por "melequinha", segundo Maciel

Sou um caboclo sonhador

Meu senhor, viu?

Nao queira mudar meu verso

Se e assim não tem conversa

Meu regresso para o brejo

Diminui a minha reza

Coração tão sertanejo

Vejam como anda plangente o meu olhar

Mergulhado nos becos do meu passado

Perdido na imensidão desse lugar

Ao lembrar-me das bravuras de neném

Perguntar-me a todo instante por Bahia

Neca e Quinha, como vão? tá tudo Bem?

Meu canto á tanto quanto canta o sabiá

Sou devoto de Padre Ciço Romão

Sou tiete do nosso Rei do Cangaço

E meu regaço formigado cuminado em pensamento

Em meu rebento sedento eu quero chegar

Deixe que eu cante cantigas de ninar

Abram alas para o novo cantador

Deixem meu verso passar na avenida

Um forro fiado tão da bexiga de bom

Chililique (João Silva e JB de Aquino)

O caldo de feijão é no bar, não no bafo!

O maior forró pelo que eu ouvir dizer

É na praia da ilha, você pode crer (2X)

Que as dez da noite, o forró já tá de pé

Sanfoneiro abre a sanfona e só se vê chegar mulher

Tem buscapé, o caldo de feijão no bar

A meia légua de escuta, o som do chinelo chiar

É o chililique, chililique, chililique,

Chililique, chililique, a poeira levantar

É o chililique, chililique, chililique

Se a gente quer um repique o cabra no zabumba dá. (2X)

Danado de Bom (Luiz Gonzaga / João Silva)

O maior desafio é acertar a ordem dos diminutivos

Tá é danado de bom

Tá danado de bom meu compade

Tá é danado de bom

Forrozinho bonitinho,

Gostosinho, safadinho,

Danado de bom

Olha o natamira na zabumba

O zé cupira no triângulo

E mariano no gonguê

Olha meu compadre na viola

Meu sobrinho na manola

E cipriano no melê

Olha a meninada nas cuié

Tá sobrando capilé

E já tem bêbo pra daná,

Tem nego grudado que nem piolho

Tem nega piscando o olho

Me chamando pra dançar.

Tem nego grudado que nem piolho

Tem nega piscando o olho

Me chamando pra dançar.

E eu vô lá

Tá é danado de bom

Tá danado de bom meu compade

Tá é danado de bom

Forrozinho bonitinho,

Gostosinho, safadinho,

Danado de bom

Tá, que forrozinho de primeira

Já num cabe forrozeiro

E cada vez chegando mais

Tá, da cozinha e do terreiro,

Sanfoneiro, zabumbeiro

Pra frente e pra trás

Olha meu compadre damião

Pode apagar o lampeão

Que tá querendo clarear

Agüenta o fole meu compadre bororó

Que esse é o tipo de forró

Que não tem hora pra parar.

Tá é danado de bom

Tá danado de bom meu compade

Tá é danado de bom

Forrozinho bonitinho,

Gostosinho, safadinho,

Danado de bom

[VIDEO2]

Meu cenário (Petrúcio Amorim)

A esteira vira uma "estrela" e a brechinha um "buraquinho"

Nos braços de uma morena

Quase morro um belo dia

Ainda me lembro

O meu cenário de amor

Um lampeão aceso

Um guarda-roupa escancarado

Um vestidinho amassado

Debaixo de um baton

Um copo de cerveja

E uma viola na parede

E uma rede

Convidando a balançar

Num cantinho da cama

Um rádio a meio volume

Um cheiro de amor

E de perfume pelo ar

Numa esteira

O meu sapato

Pisando o sapato dela

Em cima da cadeira

Aquela minha bela cela

Ao lado do meu velho

Alforge de caçador

Que tentação

Minha morena me beijando

Feito abelha

E a lua malandrinha

Pela brechinha da telha

Fotografando o meu cenário

De amor

Numa sala de reboco (Zé Marcolino / Luiz Gonzaga)

É comum escorregar nesta: o autor canta que o fole está fungando e não tocando, como entoam por aí...

Todo tempo quanto houver pra mim é pouco

Pra dançar com meu benzinho numa sala de reboco

Todo tempo quanto houver pra mim é pouco

Pra dançar com meu benzinho numa sala de reboco

Enquanto o fole tá fungando, tá gemendo

Vou dançando e vou dizendo meu sofrer pra ela só

E ninguém nota que eu estou lhe conversando

E nosso amor vai aumentando

Pra que coisa mais melhor?

Todo tempo quanto houver pra mim é pouco

Pra dançar com meu benzinho numa sala de reboco

Todo tempo quanto houver pra mim é pouco

Pra dançar com meu benzinho numa sala de reboco

Só fico triste quando o dia amanhece

Ai, meu Deus, se eu pudesse acabar a separação

Pra nós viver igualado a sanguessuga

E nosso amor pede mais fuga do que essa que nos dão

Olha Pro Céu (Luiz Gonzaga / José Fernandes)

O verbo correto para se referir ao balão é sumindo e não subindo

Olha pro céu, meu amor

Vê como ele está lindo

Olha praquele balão multicor

Como no céu vai sumindo/subindo

Olha pro céu, meu amor

Vê como ele está lindo

Olha praquele balão multicor

Como no céu vai sumindo

Foi numa noite igual a esta

Que tu me deste o coração

O céu estava assim em festa

Pois era noite de São João

Havia balões no ar

Xote, baião no salão

E no terreiro o teu olhar

Que incendiou meu coração

Xote das meninas (Luiz Gonzaga/Zé Dantas)

O erro comum é trocar o "lá na seca" por "lá na cerca"

Mandacaru quando "fulora" na seca

É o sinal que a chuva chega no sertão

Toda menina que enjoa da boneca

É sinal que o amor já chegou no coração

Meia comprida

Não quer mais sapato baixo

Vestido bem cintado

Não quer mais vestir timão

Ela só quer

Só pensa em namorar

Ela só quer

Só pensa em namorar

De manhã cedo já tá pintada

Só vive suspirando, sonhando acordada

O pai leva ao "dotô" a filha adoentada

Não come, nem estuda

Não dorme, não quer nada

Ela só quer

Só pensa em namorar

Ela só quer

Só pensa em namorar

Mas o "dotô" nem examina

Chamando o pai do lado

Lhe diz logo em surdina

Que o mal é da idade

Que pra tal menina

Não tem um só remédio

Em toda medicina

Ela só quer

Só pensa em namorar

Ela só quer

Só pensa em namorar

Sebastiana (Rosil Cavalcanti)

A letra Y é chamada "ipsilone" em algumas cidades do interior pernambucano

Convidei a comadre Sebastiana

Pra cantar e xaxar na Paraíba

Ela veio com uma dança diferente

E pulava que só uma guariba

E gritava: a, e, i, o, u, y

Já cansada no meio da brincadeira

E dançando fora do compasso

Segurei Sebastiana pelo braço

E gritei, não faça sujeira

O xaxado esquentou na gafieira

E Sebastiana não deu mais fracasso

Mas gritava: a, e, i, o, u, y

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Siá Siliça (Bira Marcolino/Fátima Marcolino)

Não, o nome dela não é Carmelita.

Cadê a lenha da fogueira

Siá Filiça

Cadê o milho pra assar

Cadê aquele teu vestidinho de chita

Que tu vestia pra dançar

Cadê aquele sanfoneiro

Que eu pedia pra tocar

A canção da minha terra

Um forró de pé-de-serra

Que eu ajudava a cantar

Quando me lembro disso tudo

Siá Filiça

Me dá vontade de chorar

Cadê aquele balãozinho

Siá Filiça

Que coloria o meu lugar

Minha esperança ainda dorme

Siá Filiça

E eu com pena de acordar

Quebrar panela no terreiro

E a fogueira pra pula

Uma quadrilha bem marcada

E um belo São João de latada

Que era bom pra namorar

Quando me lembro disso tudo

Siá Filiça

Me dá vontade de chorar

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