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Alceu Valença 70 anos, sete capítulos: o amigo dos grandes encontros

Na quarta reportagem da série, as parcerias musicais que se tornaram parte indissociável da carreira de Alceu são destrinchadas e rendem depoimentos em homenagem ao cantor

Ao longo da carreira, Alceu Valença acumulou importantes projetos em parceria, como O Grande Encontro (foto). Foto: Livio Campos/Divulgação

Capítulo quatro: o agregador

Rio de Janeiro, 1975. Era a primeira noite de dois fins de semana de apresentações na cidade. Alceu Valença divulgava o show Vou danado pra catende, que lhe renderia o álbum Vivo!, gravado no Teatro Tereza Rachel, na capital carioca, e lançado em 1976. Cortinas afastadas, o pernambucano avistou poucas poltronas ocupadas na plateia. Considerou devolver os valores dos ingressos, mas decidiu levar adiante o espetáculo, cantando para um pequeno punhado de gente. Na noite seguinte, ninguém compareceu.

O fracasso de bilheteria despertou a engenhosidade de Alceu: com uma cartolina, improvisou megafone e convocou a banda para sair às ruas, convidando o público a assistir ao seu show. Zé da Flauta tocava saxofone enquanto Alceu bradava: “Esse doido aqui vai fazer show no Tereza Rachel hoje à noite! Ouçam o doido! Estou chamando vocês!”. Duas emissoras de televisão e uma revista flagraram a cena. “Nos filmaram e fotografaram. Eu com o sax, Alceu com o megafone de papel, a banda atrás de nós. Nossa doideira movimentou a Praia de Copacabana. À noite, o teatro estava lotado. Terminamos estendendo a temporada por dois meses”, lembra Zé da Flauta, amigo de Alceu desde os anos 1960. Para ele, a recordação sintetiza a excentricidade e o exercício criativo ofertado aos parceiros do músico.

Ela Ramalho estreitou a amizade com Alceu durante o projeto O Grande Encontro. Foto: André Buarque/Acervo pessoal

A convivência nos bastidores da turnê, em grande parte graças ao bom humor do pernambucano, fluiu com naturalidade. “Naquela época, minha relação musical era mais intensa com Geraldo e Zé, mas eu já circulava na vida de Alceu. Era amiga e fã dele. Os efeitos do nosso encontro foram bombásticos. Guardadas as proporções, parecia uma turnê dos Beatles versão brasileira”, diz Elba Ramalho.

Na rotina de Alceu, o gosto por ganhar palcos e estradas acompanhado por amigos permanece. “No mês passado, tivemos uma temporada de 15 dias em São Paulo para shows acústicos e resolvemos alugar um apartamento grande, hospedar toda a equipe conosco. Foi divertidíssimo! Experiência saudável, colaborativa. Alceu se lembrou muito do início da carreira, lá pelos anos 1970, quando fazia o mesmo”, diz a esposa, Yanê.

Naná Vasconcelos foi um dos parceiros musicais marcantes na trajetória de Alceu. Foto: Teresa Maia/DP

Para Geraldo Azevedo, a primeira das mais importantes parcerias da trajetória de Alceu, a personalidade dele - definida pelo amigo como combinação de igualmente vastas experiência, imaginação e criatividade - enriquece a criação artística dos que o acompanham.

“Embora eu já visse Alceu em apresentações minhas na noite recifense, nós fomos apresentados no Rio. Na noite seguinte, já compusemos nossa primeira música juntos, Talismã. Ele era mais novo, mas contribuiu muito com meu trabalho, já naquele tempo. Eu era tímido, ele era mais cênico, me ajudou a expor mais de mim, a criar meu personagem no palco”, lembra Geraldo. “Participamos juntos de festivais, lançamos nosso primeiro disco juntos também, Quadrafônico. Somos parceiros até hoje, nos telefonamos sempre. Não bastassem as afinidades musicais, nos parecemos fisicamente. Ainda me confundem com ele e, na verdade, nós dois somos como irmãos”, completa.

>> DEPOIMENTOS

Elba Ramalho elogia sabedoria do amigo pernambucano. Foto: Nando Chiappetta/DP

Zé da Flauta dividiu a estrada com Alceu nos anos 1970 e 1980. Foto: Blenda Souto Maior/Arquivo DP

Maestro Duda fez arranjos para as primeiras gravações de Alceu Valença. Foto: Paulo Paiva/DP

Geraldo compartilhou com Alceu o início da carreira, e o primeiro disco de ambos foi lançado em parceria. Foto: Flickr/Divulgação

Clóvis Pereira regeu Acalanto para Isabela, em festival de música no Rio. Foto: Helder Tavares/Arquivo DP

>> Parcerias marcantes

Quadrafônico

O primeiro disco gravado por Alceu foi em parceria com Geraldo Azevedo. Lançado em 1972, levava esse nome por ser o primeiro registro fonográfico no formato sonoro quadrafônico (gravado em quatro canais, aumentando a qualidade do áudio), o que gerou repercussão e deu visibilidade aos artistas.

Asas da América

Popolarizado nos anos 1980, o projeto visava a modernização e o resgate do frevo tradicional. O caruaruense Carlos Fernando, ex-integrante do Movimento de Cultura Popular, foi o idealizador, agregando artistas como Alceu, Geraldo Azevedo, Jackson do Pandeiro, Caetano Veloso, Chico Buarque e Gilberto Gil. Foram seis volumes, lançados entre 1979 e 1993.

O grande encontro

Alceu Valença, Zé Ramalho, Elba Ramalho e Geraldo Azevedo dividiram o palco durante um semestre de 1996. Gravado ao vivo, o álbum O grande encontro foi lançado em julho daquele ano, com faixas como Sabiá, Dia branco, Talismã e Tesoura do desejo. Em 1997, Geraldo, Elba e Zé se reuniram para o segundo volume do projeto, mas Alceu não participou, motivado por desavenças com gravadoras.

Valencianas

Cavalo de pau, Coração bobo e La belle de jour estão no álbum Valencianas (2014) com roupagem sinfônica. Gravado no Grande Teatro do Palácio das Artes, em Belo Horizonte (MG), o projeto foi lançado em CD e DVD. É fruto de parceria entre Alceu e a Orquestra Ouro Preto, regida pelo maestro Rodrigo Toffolo.

O grande encontro foi um dos projetos marcantes desenvolvido em parceria, reunindo Alceu, Zé Ramalho, Elba Ramalho e Geraldo Azevedo. Foto: BMG/Divulgação

>> DUAS PERGUNTAS: Alceu Valença, músico

Entre os artistas com quem já trabalhou, algum exerce influência mais determinante sobre sua produção?

Todos contribuem, nós nos influenciamos. Mas mesmo entre as referências musicais da minha infância, não tenho ídolos. Luiz Gonzaga, por exemplo, é uma referência, somos produtos do mesmo meio. Mas se me prendo ao legado de alguém, não posso ser autêntico, livre, eu mesmo. Nelson Ferreira tomava whisky com meu pai, em nossa casa aqui no Recife. Ele me influenciou muito também. Mas não tenho fãs. O artista precisa focar nele mesmo, não pode ser fã de ninguém. Quem tem que ser fã do artista é o público.

Poderia citar algum momento em que o trabalho em parceria foi divisor de águas em sua carreira?

O grande encontro foi um projeto marcante. Estreitou a relação entre a minha produção e as produções de Geraldo, Elba e Zé. Nós mostramos a música popular nordestina ao Brasil e o povo adorou aquilo. Além desse momento, houve o projeto Asas da América. Eu jamais havia gravado frevos até Carlos Fernando me convidar para o Asas. Gravei, por exemplo, O homem da meia-noite, isso me marcou muito.

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