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Confusão Ator de musical sobre Chico Buarque xinga Lula e Dilma, plateia reage e espetáculo é cancelado Espectadores responderam com gritos de "Não vai ter golpe". Em áudio gravado após o espetáculo, ele esbraveja que o ator "não pode ser peitado por um negro"

Por: Silvana Abrantes - Estado de Minas

Publicado em: 20/03/2016 12:53 Atualizado em: 20/03/2016 13:13

Claudio Botelho é ator e diretor da peça "Todos os musicais de Chico Buarque", ao qual o próprio autor já assistiu. Foto: Facebook/Reprodução
Claudio Botelho é ator e diretor da peça "Todos os musicais de Chico Buarque", ao qual o próprio autor já assistiu. Foto: Facebook/Reprodução
Após um comentário aparentemente improvisado em cena pelo ator e diretor Cláudio Botelho, sugerindo a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e chamando a presidente Dilma Rousseff de "ladra", a primeira sessão do espetáculo Todos os musicais de Chico Buarque em 90 minutos em Belo Horizonte Minas Gerais), na noite deste  sábado (19), foi suspensa, aos gritos de "Não vai ter golpe!", proferidos por uma parcela do público, que assim reagiu ao "caco" do ator. 

Chamada pela produção do espetáculo, sob a justificativa de que o protagonista do musical se sentia "coagido em seu camarim" e temia ser "agredido fisicamente" caso tentasse deixá-lo, a Polícia Militar deslocou ao menos três viaturas para a portaria do Sesc Palladium, na região central, por volta das 22h30. 

Em Todos os musicais de Chico Buarque em 90 minutos, Botelho interpreta o líder de uma companhia teatral em giro por pequenas cidades do interior do país. Como narrador da história, ele faz curtos monólogos, intercalados às cenas propriamente musicais. 

Aproximadamente na metade do espetáculo, o ator se refere à chegada da trupe a uma cidade muito pequena e num momento muito inoportuno para atrair a atenção do público ao teatro. "Era a noite do último capítulo da novela das oito", disse. E acrescentou: "Era também a noite em que um ex-presidente ladrão foi preso". Citou ainda "uma presidente ladra", cujo destino (se o impedimento ou os tribunais) esta repórter não foi capaz de registrar. 

A esta altura, parte da plateia começou a vaiar e outra parcela, a aplaudir. As vaias se intensificaram. Botelho demonstrou surpresa: "Belo Horizonte?! Minha cidade?!". Ele tentou retomar o curso da cena, afirmando que o público vaiava uma ficção. Mas, do palco, avistou o início de uma debandada de espectadores, aos quais se dirigiu com uma sugestão: "Vai embora? Vai mesmo! E passa na bilheteria para pegar o seu dinheiro de volta. Isso para mim é um orgulho. Isso para mim não tem preço". Aos demais, anunciou: "Vou esperar o êxodo terminar para continuar o espetáculo". 

Alguns dos que neste momento se levantavam para dar as costas ao musical voltaram-se ainda uma vez para Botelho, chamando-o de "trouxa" e "babaca". Numa dramaturgia espontânea, a caminho da saída do teatro, o êxodo se interrompeu. Um grupo de espectadores preferiu se unir e permanecer na lateral da sala. Todos de pé, junto às portas de saída, gritavam (ritmadamente) "Não vai ter golpe!, "Não vai ter golpe!". 

Os gritos se alongavam, intercalando-se com os de "Chico! Chico!". Botelho tentou seguir com a cena. Houve intensas vaias. "Isso é típico de vocês! Vocês querem parar o espetáculo!", dizia ele, do palco. 

Já bastante tenso, o ator e diretor declarou a sessão encerrada. A atriz e coprotagonista do musical Soraya Ravenle discordou da decisão. Com gestos inquietos, insistiu para que a técnica ligasse seu microfone e propôs a todos a volta "à música de Chico Buarque de Hollanda". "Chega de guerra!", pediu. 

Soraya cantava. Os espectadores indignados com o comentário de Botelho vaiavam. Os demais aplaudiram ao final e se voltaram para o grupo que protestava com outras palavras de ordem: "Vai embora! Vai embora!".

Botelho retornou ao palco para um dueto, de Biscate. As vaias não cediam. O elenco todo dava sinais de nervosismo e tensão, com atores conversando entre si e gesticulando intensamente no palco. Botelho declarou a sessão suspensa e esbravejou na ponta do palco, com o braço estendido na direção da plateia, enquanto um membro da produção tentava contê-lo: "Vocês são como a ditadura! Vocês pararam o espetáculo! Vocês pararam Roda viva!"

Com um aviso sonoro, a produção se desculpou e pediu aos espectadores que se dirigissem à bilheteria para os procedimentos de devolução dos valores pagos pelos ingressos (entre R$ 25 e R$ 100). 

NOS BASTIDORES

Em áudio que teria sido gravado nos bastidores após o encerramento do espetáculo e divulgado na internet, Botelho reclama da reação da plateia. "São neonazistas, são escrotos, são petistas, são o que há de pior no Brasil. Isso é o que há de pior no Brasil. Essa gente chega e peita um ator que está em cena. Um ator que está em cena é um rei. Não pode ser peitado. Não pode ser peitado por um negro, um filho da puta que sai da plateia. Não pode. Não pode ser peitado. Eu estava fazendo uma ficção", esbraveja, em conversa com uma mulher também integrante da montagem.

Ouça:



MANIFESTAÇÃO NO FACEBOOK

Após a confusão, o ator e diretor usou as redes sociais para comentar o episódio. "NESTE MOMENTO, SATURNINO BRAGA, aos 84 anos, ex-prefeito do Rio nos anos 1990, está na Globonews falando ao grande Genetton Moraes Neto. Entrevista brilhante do Saturnino, em quem votei e de quem sempre gostei, e vejam que ele é hoje membro do PT. Ele acaba de dizer algo que venho sentindo lá no cantinho da cabeça, mas que tenho medo até de formlar pra mim mesmo: "os militares não vão ter outra opção senão entrar em cena para trazer de volta a governabilidade". Ainda não tinha ouvido nem lido isso recentemente, mas após o dia de hoje, com toda essa gente de vermelho nas ruas, e todo o ódio incitado por Lula contra o que ele chama de "classe média", o fato de Lula ter criado formalmente uma divisão bélica entre "eles e nós"... O que vai acontecer na hora em que Dilma receber o impeachment? Esse pessoal vestido de vermelho vai aceitar isso como um resultado de um processo democrático e válido? Saturnino teme que os Militares se sintam obrigados a tomar a cena... Lula foi rejeitado pelo STF, ele não é mais Ministro, ele será julgado por Sérgio Moro. Dilma vai sofrer o impeachment dentro de algumas semanas, Aquele pessoal (UNE, UBES, CUT, MST e aparelhos similares) que tava na rua hoje sob o total comando de Lula como se aquilo fosse uma novela da Record e Lula fosse um Faró maluco - os súditos do faraó vão aceitar que seu líder não é Deus, é bandido e vai pra cadeia, e sua líder será demitida legalmente de seu cargo? Vão mesmo?... Saturnino teme os militares. Eu também temo. Mas acho que LULA, o mais esperto e dissimulado calhorda da história brasileira desde Getúlio Vargas (que tinha hombridade e se matou), LULA quer os Militares. Tá na cara que ele vai tentar uma saída armada, no estilo venezuelo, cubano ou boliviano. Saturnino não tá delirando. Lula não vai desistir, ele já deve estar com as Farc preparadas para agir aqui, e as Farc vão chamar o Exército pras ruas. Farc ou até mesmo o "Comando Vermelho", tanto faz, é tudo o que interessa à esquerda profissional desesperada para não ser despejada do poder. Vou dormir e sonhar que tô maluco", escreveu.

OPINIÃO DA PLATEIA

Fechada a cortina, o público começou a deixar o teatro, com opiniões díspares. "Não fui a nenhuma manifestação. Não fui à do dia 13 (pró-impeachment) e não iria à do dia 18 (pró-Dilma), porque acho o governo do PT indefensável", disse o estudante de Direito da UFMG Bruno Bicalho, de 18 anos. 

"Isso que aconteceu aqui, para mim, é sinal de intolerância e dessa falsa divisão que se criou na eleição de 2014, porque, no fundo, estavam todos defendendo a mesma coisa", afirmou. Ao lado de Bruno, a também estudante Julia Brant disse: "Estou atônita. Não sei quem vai ganhar no final, mas acho que estamos todos perdendo".

O professor de geografia Silvânio Fortini estava entre os que reagiram ao improviso de Botelho. "O que me indignou foi ele se apropriar da obra de Chico Buarque, um cara que hoje vive sendo achincalhado por suas posições políticas, para defender o contrário do que ele propõe. Acho que ele não sabe com que obra está lidando. Isso me indignou, além de ele ter agredido a plateia", disse. 

Fortini achou inadequado também que o ator incluísse no espetáculo a questão que hoje é motivo de atrito e discussões exaltadas em outros ambientes. "Eu não estou aqui para discutir a questão política. Eu vim ver um espetáculo".

A professora de português Salete Gualtieri achou o episódio "triste, muito triste" e julgou "um absurdo" a interrupção do musical. "Parar o show por causa disso? Eles que saíssem! Mas esses petistas parecem doentes", xingou. 

O Sargento Filho estava no velório de um policial quando ouviu o chamado do Sesc Palladium, "onde um ator fez uma piada de mau gosto, e a plateia levou a mal", pelo que ele ficou sabendo. Segundo o chamado, o ator se sentia ameaçado de apanhar de um público numeroso. O policial diz que acelerou o motor da viatura, porque havia outras demandas mais urgentes na frente desta, que, no entanto, ele não queria deixar desatendida. 

"Nosso papel é defender as minorias. E se tem uma maioria querendo bater num ator, a gente vem", disse, antes de comentar, mineiramente, sobre a origem da confusão. "Piada é aquela coisa... Da gente mesmo (a polícia) falam tanta coisa, né?".


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