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Coletivo Surto & Deslumbramento quebra o domínio hétero do cinema pernambucano

Na próxima sexta, grupo lança o longa-metragem A Seita no Festival do Rio. Liberados na internet, curtas produzidos por eles têm percorrido uma carreira de sucesso em mostras cinematográficas do Brasil e do exterior

 

"Uma abordagem particular da viadagem" é uma das características em comum entre os filmes do coletivo pernambucano Surto & Deslumbramento, nas palavras de Chico Lacerda, integrante do grupo ao lado de Rodrigo Almeida, André Antônio e Fábio Ramalho. Depois de produzir curtas que circularam em alguns dos principais festivais nacionais e também no exterior, eles preparam-se para lançar o primeiro longa-metragem, chamado A seita, exibido na próxima sexta na Mostra Novos Rumos do Festival do Rio.

"O S&D é um coletivo que tem a frangagem como espinha dorsal. Nossos projetos contam necessariamente com as obsessões da gente mais ligadas ao homoerotismo, à cultura viada etc", reforça Lacerda, que dirigiu o curta Virgindade, premiado com o Troféu Kikito de melhor montagem no Festival de Gramado em 2015.

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A participação em festivais, na verdade, não é uma prioridade para o grupo. Depois da primeira exibição no cinema, por exemplo, eles costumam liberar os filmes na internet. "É um gesto de generosidade que vai de encontro a uma certa mesquinhez de ficar segurando, guardando a obra”, defende o cineasta, que é engenheiro e faz cinema por necessidade de expressão (não para ganhar dinheiro ou como um trabalho profissional). A seita foi o primeiro projeto deles patrocinado com verbas estatais.

Além de desconstruir a autoimportância da arte cinematográfica, outro interesse deles é quebrar divisões entre noções de alta e baixa cultura, manifestado mais explicitamente nos curtas Mama e Estudo em vermelho. Para eles, entre outras possíveis interpretações, a palavra "Surto" seria uma afirmação dos delírios e "Deslumbramento" seria uma liberdade para assumir excessos.

"A homofobia me deixa triste mas também com vontade de não parar de fazer filmes pintosos que incomodem a forma com que os homofóbicos enxergam o mundo", acredita André Antônio, diretor do longa A seita (uma ficção científica) e dos curtas Canto de outono e Mama. A maneira como o Surto & Deslumbramento trabalha esse engajamento é bem livre de ranços e panfletarismos. O curta Como era gostoso meu cafuçu (2015), de Rodrigo Almeida, por exemplo, é bastante marcado por um humor ácido e autocrítico em relação à postura de alguns gays (ainda que no fim tudo termine como uma grande celebração vingativa e catártica). "Penso em como grupos classicamente oprimidos também podem exercer opressões, como mulheres serem racistas, gays ricos serem classistas e homens negros, machistas", provoca o diretor, que em setembro foi premiado pelo júri popular do Festival Internacional de Curtas de Belo Horizonte.

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Em 2013, o Viver publicou uma matéria especial que buscava mapear a presença da homossexualidade nos conteúdos da produção artística pernambucana. Na época, constatou-se um reduzida quantidade de filmes com personagens gays, lésbicas, transexuais, bissexuais ou transgêneros no cinema local. Graças ao trabalho feito nos últimos anos pelo Surto & Deslumbramento e por cineastas como Sosha e Felipe André Silva, um novo levantamento já demonstrará uma realidade mais inclusiva, com discursos mais plurais.

A SEITA

Sinopse oficial

No ano 2040, a cidade do Recife está deserta e em ruínas. Ela foi abandonada pelos endinheirados, que migraram para colônias espaciais. O filho de uma dessas famílias ricas, entediado em sua nova morada, decide voltar. Em Recife, ele redecora a antiga casa onde morou e gasta seu tempo lendo, passeando e se envolvendo com vários homens. Aos poucos, porém, percebe sinais estranhos pela cidade e descobre a existência de uma seita secreta.

A Seita foi dirigido por André Antônio. foto: Clarissa Dutra/ Divulgação

FESTIVAL DO RIO

Premiado nos festivais de Veneza e Toronto, o filme Boi neon, do pernambucano Gabriel Mascaro, é projetado no Brasil pela primeira vez na noite deste domingo no Festival do Rio. Por causa da falta de novidades de Gramado e da precária programação de longas-metragens de Brasília, o evento carioca pode ser considerado a principal mostra de cinema do Brasil da temporada 2015. Além de Boi neon e A seita, serão exibidos os aguardados novos longas de cineastas como Ruy Guerra, Walter Lima Jr, Lúcia Murat, Marina Person, Sérgio Machado, Petra Costa, Sandra Kogut, Geneton Moraes Neto, Roberto Berliner, Maria Augusta Ramos, Helena Ignez, Petrus Cariry e Anita Rocha da Silveira (também premiada em Veneza com Mate-me por favor).

Cena de Virgindade, de Chico Lacerda, premiado no Festival de Gramado

* FILMOGRAFIA:

A seita, de André antônio (2015)

Como era gostoso meu cafuçu, de Rodrigo Almeida (2015)

Virgindade, de Chico Lacerda (2015)

Conto de outono, de André Antônio (2014)

Casa Forte, de Rodrigo Almeida (2013)

Metrópole, de Sosha (2013)

Estudo em vermelho, de Chico Lacerda (2013)

Eternamente Elza, de Alexandre Figueirôa e Paulo Feitosa (2013)

Mama, de André Antônio (2012)

* Todos os curtas podem ser assistidos no site Deslumbramento.com

Longa-metragem A Seita é uma ficção científica ambientada no Recife em 2040. Foto: Clarissa Dutra/ Divulgação

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