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Mãe África: continente marca novo disco de Emicida e inspira músicos pernambucanos

além do rapper Emicida, nomes locais como Bongar, Naná Vasconcelos, Siba e Gilsinho, da Orquestra Contemporânea de Olinda, também visitaram o continente africano em busca de referências

Na África, o rapper buscou raízes para ritmos e costumes que já o inspiravam musicalmente. Foto: José de Holanda/Divulgação

Emicida planejava dar voz à ancestralidade, estabelecer contato direto com as raízes africanas e demonstrar, em forma de música, que o papel dos negros vem sendo subestimado ao longo da História. Amadureceu o projeto (mais cobiçado após a conclusão de O glorioso retorno de quem nunca esteve aqui, álbum de estreia, em 2013) durante alguns anos, até que, em março passado, desembarcou na Terra Mãe.

[SAIBAMAIS] Os 20 dias de imersão cultural, divididos entre Cabo Verde e Angola, marcaram a primeira década de carreira do rapper, que voltou ao Brasil com o disco Sobre crianças, quadris, pesadelos e lições de casa - com lançamento previsto para meados de setembro - em etapa de finalização. Trouxe o título, as letras e as batidas na bagagem, como já fizeram alguns pernambucanos nos últimos anos, a exemplo do grupo Bongar, do cantor Siba e dos percussionistas Naná Vasconcelos e Gilson do Amaral (o Gilsinho, da Orquestra Contemporânea de Olinda).

Durante a viagem de Emicida - fruto de parceria entre a Laboratório Fantasma, produtora dele, e o programa Natura Musical - o músico observou costumes locais e, longe do lugar onde nasceu, diz que se sentiu em casa. “Nós já falávamos sobre a favela, mas queríamos ir além da ‘quebrada’ e alcançar nossas raízes”, explica. A tentativa de reatar laços “cortados” na época da colonização do Brasil rendeu faixas como Madagascar, Chapa, Mufete, Mandume e Boa esperança - esta última, a primeira a ganhar clipe, com o poema Trabalhadores do Brasil, do pernambucano Marcelino Freire, como introdução. Caetano Veloso, Vanessa da Mata, Dona Jacira (mãe de Emicida) e músicos caboverdenses e angolanos fazem participações especiais.


Sobre crianças, quadris, pesadelos e lições de casa está em pré-venda (Sony Music, R$ 19,90) e disponível para audição por streaming no Deezer, no Spotify e no Radio, com lançamento programado para meados de setembro. A turnê teve início no último dia 21, em São Paulo, e ainda não tem data prevista para show em Pernambuco.

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BONGAR, grupo musical

Guitinho de Xambá, vocalista do grupo, diz que a viagem à África, em 2013, aproximou o Bongar das raízes legítimas de Xambá. A banda teria percebido, ainda, um nicho de mercado aberto à música brasileira, do outro lado do oceano. “Muitas tradições da música africana foram conservadas no Brasil, especialmente em Pernambuco, e para eles também é enriquecedor esse contato. É uma troca de bagagens. Nós levamos elementos do candomblé e do coco, que voltaram à Terra Mãe ressignificados, nas nossas releituras. Eles ficam curiosos com esse processo de transformação”, explica Guitinho. As referências da África inspiraram os trabalhos mais recentes, e a viagem ficou conhecida entre os músicos como “o caminho de volta para casa.” Em 2016, quando o Bongar completa 15 anos, Guitinho pretende retornar ao continente africano. O projeto foi inscrito em editais e se chama Bongar no continente africano: viagem à Terra Mãe. Se aprovado, engloba pesquisas sobre identidade, religião, música e arte africanas, além da gravação de documentário sobre a comunidade de Xambá e a origem do grupo Bongar.

Bongar pretende retornar ao continente africano no ano que vem. Foto: Beto Figueiroa/Divulgação

GILSINHO, músico da Orquestra Contemporânea de Olinda

Percussionista, Gilsinho costuma dizer que a África está inserida na trajetória musical que vivencia desde a década de 1990, quando integrava a Banda de Pau e Corda - com a qual viajou pela primeira vez ao continente africano. Conheceu, em 2008, cidades do Norte da África e um pequeno trecho do Saara, durante oito dias. “O mais interessante foi perceber a surpresa dos locais, ao perceberem que alguns elementos da música africana haviam sido melhor conservados no Brasil do que lá, onde as guerras civis dificultam esse processo”, conta Gilsinho. Pretende, em parceria com o documentarista Nilton Pereira, regressar à África para nova imersão cultural. “Tudo vem de lá. É como beber na fonte.”

Gilsinho, além de projetos independentes, integra a Orquestra Contemporânea de Olinda. Foto: Beto Figueirôa/Divulgação

NANÁ VASCONCELOS, músico e instrumentista

Em função dos elementos percussivos, a música de matriz africana é influência constante na carreira de Naná. Em 2010, viajou à África e passou sete dias em Angola, coordenando oficinas musicais para crianças entre sete e dez anos. A ação fez parte do Projeto Língua Mãe, um intercâmbio cultural entre a América do Sul, a Europa e a África, promovido pela Petrobras. A experiência no continente africano está registrada no documentário Língua Mãe, lançado em DVD.

Naná Vasconcelos treinou crianças africanas em oficina de música. Foto: João Rogério Filho/Divulgação

SIBA, músico

Embora presente desde o princípio da carreira, a influência africana é mais sensível na música de Siba, segundo ele, a partir do penúltimo álbum, Avante. Em De baile solto, o mais recente, a música do Congo é mesclada ao maracatu rural de Pernambuco. Siba já foi à África duas vezes, nos anos 2000 - chegou a se apresentar, ainda, na Guiné Equatorial. Para ele, o encontro com a Terra Mãe ajudou a estreitar laços que mantinha à distância, há anos. “Minha principal influência é a música pós-moderna, da África urbanizada, especialmente de Mali, do Senegal e do Congo. Os elementos africanos estão no cavalo marinho, no maracatu, na ciranda, em tudo o que gosto”, conta Siba.

Siba encontrou, na África, as raízes de ritmos que já apreciava. Foto: José de Holanda/Divulgação

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