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Conheça a coquista pernambucana de 80 anos que concorre a prêmio nacional com primeiro disco

Dona Glorinha do Coco é a mais antiga representante da tradição centenária no Amaro Branco, em Olinda

Dona Glorinha tem menos de 50 quilos, os pés marcados pelos 80 anos de caminhadas pelas ladeiras do Amaro Branco, em Olinda, e as mãos macias das roupas lavadas para ajudar no sustento da casa. O olhar, doce porém seguro, antecipa a força atestada pela marcação do coco, paixão desde a infância, quando acompanhava a mãe nas rodas.

[SAIBAMAIS]Dona Maria Belém puxava e a pequena, com apenas 7 anos, respondia, do “alto” de um tamborete. “As casas eram de taipa, sem luz elétrica, sem asfalto. Quando acabava o coco, o buraco do nariz era só fumaça, do candeeiro. E o pé era só barro”, recorda. Tinha 44 anos quando a matriarca morreu e se afastou da manifestação tradicional do estado.

“Eu vivia tão esquecida do mundo”, revela. A redescoberta foi há cerca de 15 anos, pela produtora Isa Melo, a quem chama de anjo, a responsável pela gravação e lançamento do único disco, em 2013. “Eu cantava com Aurinha do Coco e comecei a frequentar o Amaro Branco. Vi que muitos mestres não tinham deixado nenhum registro e o trabalho deles poderia ficar perdido”, diz Isa.

Canções de domínio público, herdadas da mãe e escritas pela própria Glorinha - todas posteriores à reaproximação com o ritmo - foram escolhidas. As letras, rápidas e cadenciadas, são inspiradas do cotidiano dela, em elementos da cultura e história local, com interpretação próxima às sambadas. As palmas e os gritos, por exemplo, foram exigência dela.

Viola Luiz, Tony Boy, Renata Silva, Isa Melo e Zé Carlos participaram das gravações, no Estúdio Fábrica. Foto: Guilherme Veríssimo/DP/D.A Press

Neta da escrava Joana com o pescador João Belém (sobrenome herdado dos sinos usados por ele na criação de carneiros), nasceu e criou os 12 filhos no bairro simples, vizinho ao cartão-postal da Cidade Alta. “Aqui, eu sei quem é bom, quem é ruim, quem não presta. Sou muito considerada, me dou com todos, todo mundo me respeita”, conta.

O coco é a grande paixão de Dona Glorinha, especialmente após a morte do marido, há 26 anos – empurrado durante um assalto, bateu a cabeça no meio-fio. Não tem música da moda ou batucada forte que toque o espírito dela. “Carnaval e coco de roda são as duas festas de que gosto. Festa de aniversário? Nem me convide. Agora, um coco de roda, estou dentro. Eu vou com dinheiro, sem dinheiro, com a barriga cheia, de qualquer jeito”, declara-se. E geralmente enfrenta as ladeiras a pé, “esticando os ossos”.

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Na noite de São João, basta abrir a porta de casa – calçada e com luz elétrica, diferentemente das lembranças infantis – para chegar à celebração. Como fazia a mãe, ela comanda a festa, “com uma cachacinha e cervejinha para quem bebe, bolinho, café”, acompanhada pelos amigos do Amaro Branco, como Viola Luiz, Zé Carlos, Tony Boy e a neta, Renata Silva, todos participantes do disco. Ela convida a torcida e promete animação até as 3h. “Eu não digo a ninguém que to velha. digo que to um pouquinho usada”, dispara. E promete mais uns 20 anos de coco.

AS CONQUISTAS TRAZIDAS PELO DISCO


Antes de ir ao Rio de Janeiro para concorrer ao prêmio, a coquista se apresentará no Sesc Pompeia (SP), no dia 9 de junho. Com o álbum, ela já arrematou agendas em Brasília, na Paraíba e no Rio de Janeiro.

A reforma da cozinha da casa simples, mas cheia de alegria desde a entrada, com a parede pintada de rosa que já foi verde, amarela e até colorida, foi custeada com cachês de apresentações impulsionadas pelo disco.

Dona Glorinha defende que as palmas são fundamentais para o coco. Mas também passou a aproveitar as vantagens da tecnologia: comprou uma caixa de som com a qual comanda as festas.

A festa de São João embalada pela roda de coco sob comando dela foi retomada após a reaproximação com o Coco do Amaro Branco.

OLINDA, UMA CIDADE DO COCO

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Cantora desde os 20 anos, nos corais Madrigal do Recife e São Pedro Mártir, Aurinha, 64, se interessou pelo coco através do ex-marido, filho de Selma do Coco, com quem tomou “muito sol quente pelo meio do mundo”.

Beth de Oxum

Ialorixá, é gestora do Grupo Cultural Coco de Umbigada, em Guadalupe, Ponto de Cultura desde 2004. Aproximou-se do coco através do marido, Quinho, e toca também afoxé, frevo, ciranda e outros ritmos populares.

Coco do Amaro Branco

Criado em 2001 pela produtora cultural Isa Melo (foto), o grupo reúne representantes da tradição centenária na vila de pescadores. Lançou dois discos, com participação do Mestre Dédo, morto em 2007, Mestre Edmilson Bispo, Pombo Roxo, Glorinha do Coco, entre outros.

Cila do Coco

Cecília Maria de Oliveira, 76, foi lavadeira e merendeira. Já cantou em países europeus e foi convidada pela banda belga Think of One para participar do disco Chuva em pó, que também contou com Siba, em um maracatu intitulado Tubarão.

Coco do Pneu

Encontrado na década de 1970 pelo pescador Ivo da Janoca, um pneu é o centro da festa nos últimos sábados do mês no Amaro Branco, atualmente mantida por Lú do Pneu (foto), filho de Ivo, com “sopa, cachaça e muita alegria, com ou sem dinheiro”.

Mestra Ana Lúcia

Cantora de coco desde os 16 anos, herdou de Dona Jovelina a responsabilidade de organizar o Acorda Povo no Amaro Branco. Aos 71 anos, também se dedica ao pastoril e é compositora.

Zeca do Rolete

Filho de coquista e pescador, Zeca do Rolete, 71, ia para o coco na cacunda, quando o pai saía do mar. Aos 19, passou a comandar sambadas. O apelido vem da profissão como vendedor de rolete de cana.

 

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