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Como a internet fortalece o "pernambuquês" e desarma o preconceito

Perfis nas redes sociais inspirados no modo de falar e na cultura nordestinos fazem sucesso na web e reforçam o orgulho pela identidade cultural

No Instagram do Diario de Pernambuco e na página do Facebook do Pernambuco.com, a hashtag pernambuquês indica o projeto que apresenta aos internautas algumas expressões famosas. Foto: Facebook/Reprodução

Demonstrações de ódio e publicações preconceituosas contra nordestinos chamam a atenção nas redes sociais e, não raro, figuram entre os assuntos mais comentados na internet. Já viraram tema até de pesquisas universitárias. Mas, na contramão das polêmicas impulsionadas pela intolerância com relação às diferenças culturais e linguísticas, alguns perfis no Facebook, Twitter, Instagram e YouTube exploram elementos da cultura popular, conversas de feira, de cozinha e de balcão.

Os garotos - a maioria com menos de 35 anos - são seguidos por milhões e levam para o mundo virtual o embate entre preconceito e estereótipo x orgulho e identidade cultural. “Elementos da cultura local são utilizados para produzir humor e convocam os internautas a se identificar, se reconhecer nesses elementos, seja através da língua, seja através de estereótipos, ou outros elementos da cultura local”, acredita Evandra Grigoletto, professora de letras da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Iniciativas como Gramática Recifense, I think it’s massa e Bíblia do Matuto, entre outras, reforçam a identidade do nordestino. O humor é característica marcante em todos eles. A base são expressões e gírias locais, elementos do cotidiano, hábitos do interior e elementos nostálgicos. Visse, oxente, bolo de rolo e tapioca proporcionam identificação imediata, o que faz com que cerca de 60% dos seguidores sejam nordestinos.

[SAIBAMAIS] Os professores Marlos Pessoa e Stella Telles, da UFPE, ponderam que as páginas podem reforçar estereótipos, o que é uma desvantagem. “Essa tendência de 'julgar o outro', que é especificamente humana, envolve o julgamento da língua”, conta ela. E uma postura jocosa sobre sotaque, gírias e variações linguísticas pode desmerecer o outro. "Por outro lado, se o alvo do preconceito vivenciar circunstancialmente - por diversas razões conjugadas: históricas, econômicas, sociais - um processo positivo de apropriação de suas diferenças, o impacto do preconceito pode ser menor e o seu efeito poderá inclusive contribuir para o fortalecimento de sua identidade. Talvez essa última situação ocorra em Pernambuco, onde a valoração da cultura popular vem tomando proporções e dimensões altamente vigorosas e construtivas", considera Stella.

O jeitinho pernambucano - assim, no diminutivo - já faz sucesso há um bom tempo. Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, levou para o Sul expressões típicas do interior do estado em letras simples e cativantes. O cabra da peste gravou quase 200 discos e vendeu 30 milhões de cópias. Mais de 25 anos após a morte dele, o sertanejo ainda é o mais tocado nas festas juninas, de acordo com o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad).

Outros matutos que reforçam a popularidade são Maciel Melo, Petrúcio Amorim e o paraibano Jessier Quirino, cujo primeiro DVD de causos, Vizinho de grito, foi lançado nesta semana. As origens brejeiras servem de inspiração também para novos grupos, como Fim de Feira, cujo vocalista, Bruno Lins, é recifense. No cinema, não dá para esquecer O auto da Compadecida, do pernambucano Guel Arraes, inspirado no livro homônimo de Ariano Suassuna (1927-2014), defensor ferrenho das origens.

"O nordestino é um povo que se orgulha muito das suas raízes. Valorizamos muito essas manifestações culturais, inclusive nas redes sociais”, acredita Breno Melo, de 21 anos, criador do Bode Gaiato, para quem os preconceituosos merecem ser punidos. "Todo mundo acaba se identificando, claro que muitos sem entender as palavras, mas os acontecimentos são quase que universais", afirma.


Jessier Quirino, humorista

"O trabalho que temos feito levanta a autoestima, sem baixar a cabeça, como era frequente em anos anteriores. O Nordeste chegava na condição de retirante, agora chega na condição de exportador de cultura. Tenho observado alguns preconceitos, mas percebi que a questão eleitoral mexe com paixão. No meu caso, nunca tive esse tipo de problema".

%2b matutos na rede


Bode Gaiato - 4,3 milhões de seguidores

Criada por Breno Melo, 21, em 2013, mostra situações cotidianas e gaiatices de um bode nordestino. Outros perfis semelhantes são o Suricate Seboso (2,1 milhões), Calango Mancoso (310 mil) e Esquilo Lombroso (281 mil).

Nação Nordestina - 1,1 milhões

O poeta cearence Bráulio Bessa, 29, criou em 2011 espaço para a criação de conteúdo que valorizam a cultura nordestina com fotos, vídeos, textos.

Indiretas Nordestinas - 232 mil

Usa os termos nordestinos para mandar recadinhos indiretos no Facebook. Mas, ao contrário do que faz supor o título, é “sem maldade”.

Curta Pernambuco - 175 mil

Fornece roteiros gastronômicos, turísticos e culturais. No carnaval deste ano, propôs a Mark Zuckerberg a inserção de sombrinhas de frevo no aplicativo Whatsapp.


Hipster Recifense - 58 mil

A página tem inspiração no mundo hipster (diferente da massa), com hábitos contemporâneos aos cidadãos da cidade. Explora músicas, expressões e costumes.

Bíblia do Matuto - 20 mil

Versão revista e corrigida pelo cabra da peste nascido em Guarabira, interior da Paraíba, que atende pelo nome de Rayan Rodrigues.

Gramática Recifense - 19 mil

O engenheiro de software Leocádio Tiné, 26, faz estudo e análise morfossintática das expressões. “Se a língua falada não ficar registrada, se perde com o tempo, com a própria evolução da Língua Portuguesa”, diz.

I think it’s Massa - 18 mil

Inspirados no meme “In brazilian portuguese...”, os recifenses Andréa Oliveira, Paulo Azevedo e Rafael Nascimento, radicados em São Paulo, explicam o pernambuquês através do inglês.

Grito de defesa

"A melhor maneira é ignorar os comentários. Sempre produzimos conteúdo onde valorizamos a nossa cultura", comenta Gabriel Oliveira, do Putz véi. Foto: Reprodução/Youtube

O sotaque, os trejeitos e as gírias nordestinas estão presentes em canais de humor populares no YouTube, como os dos recifenses Gabriel Oliveira e Danilo Pegazus, fundadores do Putz Véi, Whindersson Nunes, de Teresina, conhecido como o “Lampião do Youtube”, Camilla Uckers e Kaio Oliveira (Xafurdaria), de Fortaleza, e Ni do Badoque, do Recife. Um time de nordestinos conquista espaço nas redes e fortalece as particularidadades da cultura e do modo de falar da região, apesar de não tere um conteúdo voltado exclusivamente para o propósito. Os vlogueiros - blogueiros de vídeo - se orgulham dos seus sotaques e ampliam o alcance da cultura nordestina.

Vez ou outra, precisam se defender das piadas e agressões recorrentes nas redes sociais. A onda de comentários ofensivos após a reeleição da presidente Dilma resultou no vídeo irônico Nordeste lixo (176 mil visualizações), no canal Putz Véi - cujos seguidores são 76% do Nordeste - e Nordestino com orgulho (626 mil visualizações), de Whindersson Nunes. “Venho sofrendo xingamentos e recebendo mensagens ignorantes e preconceituosas, principalmente, por parte de cariocas e paulistas. Eles falam da terra e do sotaque. Respondemos todo o preconceito com solidariedade, esperança e força. Nossa resposta é com amor”, rebate Gabriel Oliveira, do Putz Véi, em O Nordeste pede paz. O poeta Bráulio Bessa, também responde às ofensas recitando o poema Nordeste independente, de Ivanildo Vilanova e Bráulio Tavares.

Já em Nordeste contra o preconceito, com 142 mil visualizações, Camilla Uckers reclama: “Todo mundo paga imposto para viver nesse país. Não me sinto nem um pouco coitadinha em ser nordestina”, afirma. “O sotaque nordestino é o mais gostoso que existe. Não tenho preconceito com ninguém. Vou me defender e defender o povo daqui. O Nordeste é vida”, disse Rayanne Menezes, no vídeo Mais respeito com o Nordeste (530 mil). Ela ganhou popularidade na web ao comentar a prova do Enem, em 2013.

Assista:

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