Vida Urbana

Pesquisa relaciona comportamento reprodutivo das mulheres com surtos e pandemia

Projeto DeCode - Consequências Demográficas das Epidemias de Zika e Covid
 
O estudo sobre o impacto dos vírus Zika e Covid-19 nas decisões reprodutivas das mulheres brasileiras é coordenado pela Universidade do Texas em Austin, nos Estados Unidos, em parceria com a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O estudo científico é liderado por Letícia J. Marteleto, tem colaboração das pesquisadoras professora Sandra Valongueiro (UFPE) e Raquel Zanatta (UFMG) e é coordenado por Ana Paula Portella, doutora em Sociologia pela UFPE.
A pesquisa está sendo realizada no estado de Pernambuco, na Região Metropolitana do Recife, no Agreste e na Zona da Mata. Na primeira fase, 3.998 mulheres de 18 a 34 anos foram entrevistadas virtualmente, em 2020. A segunda fase contou com mais de duas mil entrevistas por telefone, em 2021.
 
O estudo fornecerá informações vitais sobre as implicações de longo prazo do Zika e da Covid nas mulheres brasileiras e suas famílias. Trata-se de um estudo de painel, as mesmas mulheres são entrevistadas em diferentes momentos do tempo para captar mudança de comportamento e opinião. Já foram realizados dois momentos de coleta de dados. O terceiro momento será de Junho a Setembro de 2022.
Os pesquisadores vão retornar o contato com as entrevistadas que participaram das duas etapas anteriores, realizadas em 2020 e 2021, para que continuem colaborando com informações em sua sequência cronológica. Espera-se que o cruzamento desses dados ajude a entender melhor os efeitos das pandemias de Zika e Covid-19 na vida das mulheres brasileiras.
 
A pesquisa será executada pela empresa paulista Inteligência em Pesquisa e Consultoria IPEC e, em 2022, além das entrevistas telefônicas, o estudo contará com entrevistas face a face, realizadas em visitas aos domicílios das entrevistadas.
 
DeCode Zika e Covid
O projeto visa entender se e como as mulheres em idade reprodutiva mudam suas atitudes, desejos de ter filhos e, consequentemente, suas práticas de planejamento familiar em decorrência de doenças como Zika e COVID-19. A pesquisa ilustra como os efeitos das epidemias vão além da mortalidade e da saúde. Para algumas mulheres brasileiras em idade fértil, essas crises de saúde pública afetam o desejo de se tornarem mães.
 
Foi possível perceber quedas significativas em nascidos vivos no Brasil após a epidemia da Zika, com as maiores quedas no Estado de Pernambuco e, considerando a posição socioeconômica das mulheres, o declínio de nascidos vivos foi, em grande parte, impulsionado pela diminuição de gestações de mulheres com níveis de educação mais elevados, sugerindo que elas têm mais condições para evitar uma gravidez.
As entrevistas sobre gravidez, experiências e intenções reprodutivas, feitas durante a pandemia, revelaram que mais de 75% das mulheres da amostra citaram o enorme medo e preocupação com a Covid-19 e suas consequências econômicas e impactos na saúde como motivos para adiar ou evitar a gravidez durante a pandemia. 
 
Sobre a segurança das entrevistadas para assumir o risco de se infectar durante a gravidez, o estudo demonstrou que este componente também varia de acordo com o nível socioeconômico. Diz o artigo: “Mulheres com maior nível de escolaridade sentiram que poderiam tomar medidas para aliviar o risco de infecção e da gravidez, enquanto as mulheres com níveis mais baixos de educação não expressaram este mesmo nível de confiança e acreditavam que os riscos estavam fora de seu controle. Essas descobertas reforçam que padrões de infecção, tanto de Zica como de COVID 19, mostram que nenhum vírus é ‘democrático’, como observou uma mulher em entrevistas recentes”.
 
“Esses resultados apontam para a necessidade urgente de ações para apoiar a saúde reprodutiva das mulheres durante a pandemia em todos os lugares”, conclui o artigo. De uma perspectiva de pesquisa propriamente, as autoras entendem serem necessários mais esforços de coleta de dados a fim de garantir melhor compreensão sobre o que os formuladores de políticas públicas de saúde e profissionais podem fazer para melhor distribuir e entregar recursos. “Apoiar a saúde reprodutiva não é apenas incumbência sobre mulheres individuais; requer um coletivo e consistente esforço, especialmente em tempos de crise”, reforçam as autoras.
 
Descobertas divulgadas no artigo “Navigating women’s reproductive health and childbearing during public health crises: Covid-19 and Zika in Brazil”, publicado na revista World Development - Volume 139 - março de 2021. Autoras: Molly Dondero e Letícia J. Marteleto.
 
Outros Dados da pesquisa 
Conhecimento de pessoas que tiveram covid
 97% das mulheres conhecem pelo menos uma pessoa que teve Covid até 2021, enquanto 39% relataram conhecer mais de 10 pessoas que tiveram Covid. No mesmo período, 71% informaram que algum familiar ou morador da mesma residência teve ou suspeitou ter tido Covid-19.
 
Quem teve covid ou zika
Até 2021, 72% das mulheres entre 18 e 34 anos relataram ter tido Covid. O número difere de acordo com a raça/cor: Enquanto 69% das mulheres brancas tiveram ou suspeitaram de ter tido Covid, o índice é de 74% para as não brancas e chega a 77% para as mulheres pretas.
 
Já em relação à Zika, cerca de 26% relataram ter tido ou ter suspeitado de ter tido Zika. A diferença entre brancas e não brancas não é significativa.
 
Renda, Contas e Alimentação
Metade das mulheres entre 18 e 34 anos relataram perda de renda recente durante a pandemia ainda em 2020. Os efeitos, contudo, foram sentidos de forma diferente de acordo com os grupos de renda. Para a faixa que recebia até R$ 275 per capita, 67% relataram ter perda de renda. Já na classe mais alta, com rendimentos superiores a R$5.500 mensais per cápita, menos de 40% sentiram redução na renda.
 
Em 2021, 83% relataram preocupação em ter problemas financeiros por causa da Pandemia de Covid-19. O receio é maior para as mulheres com menor escolaridade: no grupo que possui até ensino médio completo a proporção é de 85% contra 75% entre as que possuem pelo menos graduação incompleta. De similar modo, a apreensão sobre possíveis problemas financeiros também é mais presente nos grupos de menor renda. Aproximadamente 90% daquelas com rendimentos mensais per capita inferiores a 2 salários mínimos estavam preocupadas ou muito preocupadas. No grupo de maior rendimento, acima de cinco salários mínimos per capita, a fração foi de 60%.
 
A estatística que mais chama atenção, entretanto, é a que diz respeito sobre a dificuldade em pagar as contas do domicílio. Em 2021, 90% das mulheres relataram ter enfrentado recentes dificuldades em pagar as contas normais do dia a dia. A porção é ainda maior para as mulheres com escolaridade até o ensino médio: 95%.
Tais considerações sobre renda se refletem na alimentação. No grupo geral, 14% relataram falta de comida no último mês. Novamente raça e escolaridade importam: entre as brancas, o índice de falta de comida é de 10% e para as que possuem pelo menos ensino superior incompleto, o índice é de apenas 3% contra 18% para as que tem apenas até o ensino médio.
 
A proporção de mulheres que não conseguiram manter o mesmo padrão de alimentação é bem superior, de 58%. E, isso ocorre mesmo para mulheres com maiores níveis de escolaridade e renda. 55% das mulheres com pelo menos ensino superior incompleto declararam ter alterado alguns tipos e/ou marcas de alimentos, enquanto o mesmo ocorre para 41% das mulheres com renda per capita superior à 5 salários mínimos.
 
Trabalho Doméstico
Em 2020 66% das mulheres relataram ter percebido aumento no trabalho doméstico durante a pandemia. Em 2021 o número aumentou para 78%.
 
Risco de Covid e Zika
Em 2020 e 2021, cerca de 56% das mulheres indicavam uma chance grande ou muito grande de pegar Covid e 85% se mostravam preocupadas sobre ela ou alguém próximo contrair Covid-19.
Chama atenção, contudo, a mudança de percepção sobre as chances de pegar a Zika durante a Pandemia de Covid-19. Enquanto apenas 17% das mulheres acreditavam que tinham uma chance grande de pegar Zika em 2021, o número subiu para 27% em 2021. A preocupação sobre ela ou alguém próximo contrair Zika seguiu o mesmo caminho: subiu de 46% em 2020 para 69% em 2021.
 
Mudou de ideia quanto à gravidez
Em 2021, 32% das mulheres indicaram ter mudado de ideia em relação a gravidez por causa da Pandemia de Covid-19. A mudança é maior para as mulheres de menor escolaridade: 37% das mulheres que possuem até ensino médio declaram ter mudado de ideia sobre engravidar entre 2020 e 2021 devido à Pandemia de Covid-19. Já entre as que possuem pelo menos superior incompleto a proporção é de 23%.
 
Serviços de saúde
36% das mulheres relataram dificuldades em acessar serviços de saúde durante a Pandemia. Entre as pretas a proporção é maior e sobre para 44%.

Leia a notícia no Diario de Pernambuco
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